Maio agora também é furta-cor

Maio agora também é furta-cor

O mês das mães se tornou uma oportunidade para reflexão e conscientização sobre a importância do cuidado com a saúde mental materna

Quem nunca ouviu falar, agora já sabe: além de amarelo (segurança no trânsito), cinza (câncer no cérebro), laranja (abuso de crianças e adolescentes) e roxo (doenças inflamatórias intestinais), o mês de maio também é Furta-Cor. Maio foi eleito, desde 2021— em função do Dia das Mães —, para a realização de campanhas de sensibilização sobre a importância de se cuidar da saúde mental materna. Isso porque, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna em 2021, a cada 100 mil nascimentos, o Brasil teve, em média, 107 mortes de puérperas nos primeiros 42 dias após o parto — um aumento de quase 95% no número de óbitos maternos e 258% maior do que a meta proposta. Estudos mundiais apontam que 3,7 mulheres se suicidam no pós-parto, a cada 100 mil nascidos vivos. Para fins comparativos, 1,92 mulheres morrem de hemorragia pós-parto na mesma proporção. Mortes que poderiam ser evitadas. Além disso, uma em cada quatro mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica apresenta ou apresentou sintomas depressivos no primeiro ou no segundo ano pós-parto.

 


O período perinatal pode agravar condições prévias de saúde mental, como ansiedade, depressão e transtorno bipolar. A depressão pós-parto, além de interferir na capacidade da mulher de cuidar de seu bebê, impacta na família, na sociedade e até na economia. Trata-se de uma luta pela infância também, afinal, mães com depressão apresentam menos estímulos sensoriais, cognitivos e afetivos, o que impacta negativamente no desenvolvimento e na saúde mental das crianças. O maio Furta-Cor busca conscientizar sobre essas questões, para prevenir e estimular a construção de políticas públicas voltadas para a saúde mental materna. 
A campanha está presente em 17 países e não tem fins lucrativos. Em Ribeirão Preto, a coordenação das ações está sob a responsabilidade da psicóloga clínica parental e perinatal Paula Naldi e da consultora em amamentação e doula Jana De Ross. “Este ano, temos cerca de 100 pessoas envolvidas com a campanha em Ribeirão Preto, Sertãozinho e Araraquara. Não imaginávamos tamanho acolhimento aos nossos convites e recrutamentos de profissionais ligados ao cuidado materno infantil. A campanha cresceu, alcançou diversos locais e se estendeu a cidades vizinhas. Ficamos muito felizes em ‘romper a bolha’ e somar esforços com diferentes áreas para esse fim. Está sendo muito bonito ver essa união de tantos profissionais e famílias em prol dessa causa tão nobre e urgente”, destacam as coordenadoras.

 

 

CUIDADO COM A MATERNIDADE

 


Segundo a Fiocruz, 55% das mulheres com filhos no Brasil não desejaram engravidar. De acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, há prevalência de 26,3% de sintomas depressivos em puérperas. A taxa de depressão pós-parto é de cerca de 30%, sendo que 60% dessas mulheres já apresentam indícios na gestação, sem diagnóstico. A pandemia, segundo profissionais, acentuou consideravelmente a sobrecarga materna e as questões de gênero, além das dificuldades financeiras: 7 em cada 10 mulheres tiveram sua renda diminuída. E o Brasil tem mais de 11 milhões de mães inteiramente responsáveis pela criação dos filhos. Em 2020, mais de 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho devido à sobrecarga em cargos não-remunerados. Todos estes são dados que alertam para opressão de um cenário que, se não observado e cuidado, pode significar severas distorções sociais e econômicas. “As mulheres realizam cerca de 61h de trabalho não-remunerado por semana, o que leva à exaustão, depressão e ansiedade. Neste quadro, são comuns sentimentos de elevada exigência, auto reprovação, insuficiência e culpa. Por isso, precisamos olhar para a saúde mental materna — não somente sob a ótica do adoecimento psíquico, que ainda traz muitos mitos e tabus —, mas expandir o olhar para o que precisamos fazer enquanto indivíduos, profissionais, família e sociedade, para permitir que a maternidade seja exercida de forma mais leve e que seja acolhida em toda sua intensidade e diversidade”, avalia Paula Naldi.
Habituada ao cuidado com a mãe durante a gestação e o parto, a doula Jana De Ross ressalta a importância da extensão deste cuidado à maternidade. “Uma mãe é responsável pelo mais intenso cuidado de um novo ser humano. Desde a barriga e, principalmente na primeira infância, este indivíduo em construção recebe influência do meio e da psique materna, o que pode impactar direta e indiretamente todo o seu desenvolvimento neurológico, cognitivo, emocional, psicológico e fisiológico. Quando paramos para pensar no tamanho e na responsabilidade dessa tarefa, percebemos o quão urgente e necessário é olhar para a mãe — que exerce esse cuidado e contribui para a construção de um ser humano em toda a sua complexidade”, convida a doula.

 

 

CAMPANHA EM RIBEIRÃO

 


A campanha nacional maio FurtaCor teve início em 2021, com eventos on-line durante a pandemia. Em 2022, Ribeirão Preto contou com alguns eventos presenciais e, em 2023, tomou proporções maiores, com a participação de mais profissionais, ampliação dos locais e temáticas e muitas mães engajadas na causa. Segundo a organização, em Ribeirão Preto, o cenário não é diferente do resto do país e do mundo — apesar de a cidade ser um centro de formação de profissionais e possuir serviços ligados aos pilares da humanização da gestação e parto —, por isso, ainda há muito por avançar.

 


A programação, que inclui palestras, rodas de conversa, vivências, workshops, cafés da manhã e feiras de empreendedorismo materno, pode ser acompanhada no site: www.maiofurtacorrp.com.br. Além das ações abertas ao público em geral, também acontecerão algumas voltadas para um público específico, como no Centro Obstétrico do Hospital das Clínicas e nas Faculdades Estácio e Claretiana, de Batatais. “Como resultado de todo esse movimento em torno da temática, contamos, hoje, com 19 projetos de lei aprovados em diversas cidades de todo o Brasil (inclusive Araraquara) — em tramitação estadual e federal também —, e aqui em nossa cidade estamos na expectativa da realização, na Câmara Municipal, do Fórum Municipal para reflexões e informações sobre a saúde mental materna, no qual esperamos encontrar as Secretarias Municipais, Instituições de Ensino e de Saúde, públicas, privadas e suplementares, além da sociedade”, conclui Paula. 

 

 



 

 

“Acredito muito que o caminho para uma maternidade mais leve e a criação de seres humanos melhores está no cuidado da mãe. Quanto mais pudermos dar voz às mães e olhar-nos com empatia e acolhimento, melhor será nossa sociedade. A sobrecarga mental e física das mulheres que são mães é bastante silenciada e negligenciada e através da conscientização, da sensibilização da população, podemos compreender melhor os impactos disso para a primeira infância e a sociedade como um todo e criar políticas públicas voltadas a saúde mental materna". 

Jana De Ross, consultora em amamentação e doula

 

 



 

 

“Sempre tive muita clareza de que, para mudar o mundo, precisamos cuidar da vida desde o início, o que significa cuidar da mulher, da criança e da família. E com minha experiência profissional e pessoal, na construção da minha própria maternidade com a Maya, depois de uma perda gestacional, fica ainda mais claro para mim a importância de um suporte multiprofissional e também de rede de apoio. É urgente termos políticas públicas robustas para o cuidado da saúde mental materna”.

Paula Naldi, psicóloga

 

 



 

AMOR PRÓPRIO

 

“Tive a Alice e a Sofia em agosto de 2022, depois de um processo de fertilização e de um parto difícil. Passei por uma histerectomia de emergência, fiquei na UTI e não tive o primeiro contato com elas. Tinha um grande desejo de amamentá-las e medo de não conseguir. Depois, a amamentação se mostrou extremamente exaustiva, com horas e horas no peito. Apesar de ser recompensador vê-las se desenvolvendo, é algo que cansa demais, principalmente nas madrugadas. Sentindo ansiedade e angústia, agravadas pela privação de sono, busquei ajuda para passar pelas aflições ligadas a maternidade. É tudo muito idealizado e a gente só descobre isso vivenciando. Somos responsáveis pela nova vida — no meu caso duas vidas —, somos colo, alimento, afeto e quando o cansaço bate, vem a impaciência, a culpa, a auto cobrança, tudo misturado. A sociedade impõe que a mãe ‘dê conta’ de tudo: filhos, casa, marido, trabalho, mas ninguém dá conta de tudo isso. Pode parecer que sim, mas e a saúde mental da mãe? Foi isso que comecei a entender com a terapia, que eu preciso estar bem para deixar os demais bem também”.

Jessica Emanuelle Pantoni, mãe da Alice e da Sofia

 

REDE DE APOIO

 

“Conheci o movimento pelas redes sociais e me encantei por tratar de uma questão tão importante e pertinente, como a saúde mental materna, que pouco se vê discutir e, quando comentada, muitas vezes, é menosprezada. Sou mãe de uma menina de três anos e de um menino de um ano. Ela nasceu bem no início da pandemia e ficamos isoladas por muito tempo. Eu não pude, durante minha licença maternidade, contar com rede de apoio, mas tive dificuldade no início da amamentação e duas colegas de trabalho me levaram uma bombinha de tirar leite e um chá da mamãe, o que me fez sentir extremamente acolhida. Com meu segundo filho já foi diferente. Pude contar uma rede de apoio bem maior, o que foi e está sendo fundamental, pois a rotina se tornou bem mais complicada e cansativa. A maternidade, embora maravilhosa, em alguns momentos é exaustiva, principalmente para quem não pode contar com rede de apoio (paga ou não). Para mim, o mais difícil é o momento que preciso cuidar do pequeno (amamentar ou fazer dormir) e a maior chora por minha atenção. Nesses momentos, queria poder me dividir em duas para poder acolher os dois”.

 

Fabiana Cunha Almeida Silva, mãe da Carolina e do Benjamin

 

ADEUS ÀS CULPAS

 


“Por que precisamos de um mês para falar sobre saúde mental materna? Porque no dia a dia, como mães, queremos dar conta de todas as demandas e nem sempre é possível — o que nos causa muita culpa. Divido muito com meu marido as responsabilidades com a casa e os cuidados com as meninas, mas, eventualmente, me pego sentindo culpa por não estar presente nesse ou naquele momento, como um retorno ao pediatra, ou por ele ficar sobrecarregado em função de trabalhar em casa. Acontece que sou apaixonada pelo meu trabalho. Sentir-me produtiva é muito importante para mim e depois de ser mãe, tudo ficou muito intenso. Mel teve autismo regressivo e ter filhos com necessidades extras gera sobrecarga no núcleo familiar. Convivemos com o sentimento de nunca fazer o máximo, mesmo quando estamos fazendo o nosso melhor. Ainda bem que tenho um marido sensível à questão da saúde mental materna e que me dá muita força para cuidar de mim. A terapia me ajuda a entender que posso contar com ele, que não preciso sentir culpa de não dar conta de tudo e que ele está cumprindo seu papel. E, no final, percebemos que meu estado altera o humor e a energia da casa, pois, quando não estou bem, as meninas ficam mais irritadas e demandantes e nós, consequentemente, mais nervosos. É essencial a mulher ter apoio para manter o equilíbrio”.

Danielle de Paula, mãe da Melissa e da Izzi. 


Foto: Arquivo Revide

Compartilhar: