Mentes notáveis

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Olimpíadas de conhecimento atraem jovens da região que, além de levarem medalhas para casa, também se preparam para o futuro profissional

Esqueça o campeonato de futebol ou a disputa de vôlei. Troque os esportes por conhecimentos como matemática, astronomia e informática. Será que é possível desenvolver o prazer de competir nos estudos como se compete nas atividades físicas? Para jovens de Ribeirão Preto, não só é natural passar horas em meio a cadernos e livros que tratam de assuntos complexos, como também é possível levar para casa medalhas que consagram o esforço intelectual.

Guilherme Machado, de 14 anos, é a principal revelação da cidade em competições estudantis. “Desde o sexto ano, tenho participado e conquistado medalhas importantes nessas competições. Agora, estou no início do primeiro ano do Ensino Médio e sonho em conquistar uma medalha internacional. Vou tentar nesse ano, mas sei que tenho até o término do terceiro colegial para conseguir”, diz o jovem, que já soma 20 medalhas. 

Aos 14 anos, Guilherme já soma 20 medalhas em olimpíadas de conhecimento

Para garantir as boas notas e boas colocações nas disputas, Guilherme se esforça diariamente em busca de conhecimento. Ele já garantiu ouro na Olimpíada Paulista de Física, no Canguru de Matemática Brasil, na Olimpíada Brasileira de Astronomia e na Olimpíada Brasileira de Informática. Em quase todas, ele foi campeão mais de uma vez. “Estudo em cerca de duas a três horas por dia em casa. Na escola, eu me dedico nos estudos apenas para as provas. Eu estou ansioso para as competições internacionais, mas lido com todas as olímpiadas da mesma maneira”, explica. 

A busca pelo conhecimento é tamanha que, em 2019, a família do adolescente decidiu se mudar para Valinhos, na Região Metropolitana de Campinas, onde o garoto irá estudar em uma escola especializada na preparação para competições e futuros ingressos em universidades. O pai, Ronaldo Machado, diz investir com orgulho na carreira do filho. “Decidimos nos arriscar para que ele consiga ter um futuro promissor. Acreditamos que o Guilherme irá cursar a faculdade fora do país e as conquistas nessas olimpíadas contam muito. Eu fico muito orgulhoso, pois é difícil ver meninos dessa idade com uma dedicação e vontade de estudar tão grande. Ele faz o próprio horário e, com essa rotina de estudos, acaba avançando na rotina da escola”, afirma. 

Com objetivos semelhantes aos de Guilherme, Felipe Nuti, de 16 anos, também se sobressai na área do conhecimento. Com 18 medalhas e cursando o terceiro colegial, ele deseja aprofundar os estudos em áreas relacionadas a engenharia e inovação. 

“Sempre optei por tentar entender a matéria e conhecer de um jeito mais intuitivo”, diz Felipe

A rotina de Felipe é repleta de estudos, mas ele prefere buscar o conhecimento pela curiosidade. “A preparação sempre passa por ir bem na escola, porque a base do aprendizado é o colégio. No entanto, é preciso que haja uma procura pessoal por conhecimento, que deve ocorrer de uma maneira saudável. Tem gente que faz estudos intensivos para essas provas, mas eu prefiro prezar pela minha própria vontade e sempre fui atrás por curiosidade própria. Conforme pesquiso, aprendo”, afirma. 

Para o estudante, a criatividade é fundamental em qualquer profissão — e é o mesmo pré-requisito para se sair bem nas olimpíadas. “Eu acho que o conhecimento não pode ser recebido de forma volumosa, pois isso pode se racionalizar em excesso e acabar com a criatividade. Entre minhas maneiras de estudar, eu sempre optei por tentar entender a matéria e conhecer de um jeito mais intuitivo. Por exemplo, na física, se você tiver um entendimento, você consegue criar as fórmulas”, conta.

O adolescente também começou a participar das competições no sexto ano, mas foi apenas no sétimo que ele arrebanhou as primeiras conquistas. “No primeiro ano eu não tive resultados tão bons, mas com o incentivo certo, no segundo ano eu já consegui medalhas expressivas. O objetivo das olimpíadas não é, necessariamente, ganhar medalhas, mas elas são vistas como uma forma de incentivo ao competidor. O verdadeiro ganho é o conhecimento. Uma das vantagens de estudar para as competições é que você cria liberdade maior para estudar. Isso permite que você conheça uma matéria e passe a gostar de assuntos que não o interessavam em outro momento”, avalia.

Para quem for dar início às disputas ou mesmo quiser se preparar para o vestibular, a dica do jovem — e estudante experiente — é manter a calma. “No momento da prova, sempre tento ir de maneira mais relaxada. Eu penso que se até agora o repertório não falhou, ele vai continuar assim. É preciso ir calmo, mas sem confiança em excesso”, aconselha Felipe. 

Sertãozinho 

Guilherme e Felipe são alunos de escolas particulares, mas os campeões não estão apenas nas instituições privadas: em 2018, por exemplo, estudantes de escolas estaduais e municipais do estado de São Paulo concluíram a Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) com 723 medalhas, sendo 64 de ouro, 159 de prata e 500 de bronze conquistadas por alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. 

De Sertãozinho, na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, Vitor Hugo Cirino Machado, de 15 anos, ganhou destaque ao faturar a medalha de ouro da Olímpiada Brasileira de Física das Escolas Públicas em 2018. O garoto era aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Roberto Zanutto Desidério. “Eu estudava com meu professor nas aulas semanais para quem iria fazer as provas, mas se eu tivesse alguma dificuldade em alguma parte, procurava entendê-la. Não sou tão dedicado a ponto de ficar horas e horas estudando, porém, quando percebo que preciso melhorar,  dou uma analisada no assunto”, explica. 

Vitor garantiu o ouro da Olímpiada Brasileira de Física das Escolas Públicas em 2018

O resultado positivo na competição eternizou a conquista, mas não foi a primeira participação do garoto na modalidade. “Tenho feito provas assim desde 2015. A cada ano, agreguei um pouquinho, mas sempre na hora da prova você tem de saber o que usar. É uma combinação de lógica, paciência e contas. Eu já havia feito outras provas de física e nunca tinha tido esse ‘destaque’. Foi importante na minha vida”, afirma. 

Organização de rotina 

Para se dedicar aos estudos e garantir bom desempenho em notas e competições, manter equilíbrio entre todas as atividades diárias é fundamental. O psicólogo Marcelo Filipecki explica que não se pode esquecer que os organismos, tanto físico, quanto psíquico, trabalham de forma sistêmica e integrada. Isso significa que quando há qualquer tipo de problema em um deles, a saúde fica comprometida. O indivíduo entra em sofrimento e, consequentemente, cai de produção e de rendimento. Portanto, a rotina de estudos deve respeitar, de forma disciplinada, um planejamento prévio, privilegiando metas cumpridas e não tempo gasto. 

De acordo com Marcelo, o resultado esperado, ao final de uma sessão de estudos, deve ser o aprendizado, sem a sensação de exaustão

Ainda de acordo com Marcelo, o resultado esperado, ao final de uma sessão de estudos, deve ser o aprendizado. “Não se pode ter, jamais, a sensação de exaustão, sob pena de, a médio e longo prazo, o comportamento ficar associado a algo ruim, tornando-se aversivo. Em outras palavras, considerando as 24 horas do dia, o planejamento mencionado deve garantir os estudos, de modo a coexistir com: atividades físicas (necessárias, inclusive, para o favorecimento da capacidade de memorização e relaxamento) ao menos três vezes semanais, alimentação adequada (garantindo completa nutrição, facilitadora dos processos cognitivos) e tempo mínimo de sono igual a oito horas (pré-requisito para funcionamento ideal na regulação das funções biológicas e emocionais)”, analisa. 

Para o psicólogo, como em qualquer atividade competitiva, o estudante precisa ter noção de processo — em que a evolução é gradativa e não imediata. Portanto, de acordo com a matéria da qual tratarem as olimpíadas, o competidor deve, já no treino, se desafiar na escolha das questões, em função do grau de dificuldade. Essa noção garante resiliência emocional.

Quanto ao vestibular, outro processo de alta performance competitiva, o preparo do estudante também deve ocorrer de forma equilibrada entre as demandas gerais, sendo elas intelectuais, biológicas e emocionais. “No entanto, também em razão de a preparação poder ter maior tempo de duração e mais intensa expectativa sobre ideais de sucesso de vida, a noção de persistência e evolução paulatina, mas constante, é ainda mais indispensável para obtenção, em algum momento, do resultado almejado, ou seja, a vaga na universidade. Essa noção possibilita a manutenção dos estudos sem que o candidato sofra com oscilações emocionais, especialmente as oriundas de pressões inadequadas e irrealistas, em níveis que o prejudiquem ou impeçam a execução de seus deveres e rendimento. Ou seja, que saiba lidar com elas, na exata medida de sua humanidade. Também é importante desenvolver flexibilidade para replanejamentos quando forem necessários, em função de imprevistos”, conta Marcelo. 

A dica do psicólogo é ser fundamentalmente realista — muito mais do que otimista e jamais pessimista —, para, assim, entender cada aspecto envolvido na competição que caracteriza o vestibular, de modo a lidar com ele eficientemente. “Desse modo, o estudante conseguirá autoconhecimento para perceber, objetivamente, as próprias necessidades em função das demandas dos exames, fator decisivo para o mais alto nível cognitivo, emocional e comportamental”, conclui. 

Conhecimento gera inclusão 

Dois detentos da região de Ribeirão Preto chamaram a atenção por conquistarem medalhas em olimpíadas de conhecimento. Wellington e Davi, assim como os jovens estudantes e campeões, não deixaram de apostar nos estudos como ferramenta de transformação social. Medalhista de prata na última edição da Olimpíada de Matemática, em 2018, o reeducando Wellington Thiago Salles Carmessamo, de 37 anos, recebeu uma medalha pela segunda colocação. Ele cumpre pena na Penitenciária II de Serra Azul e conta que a paixão por números começou ainda na infância. Com a conquista, Wellington se sente ainda mais motivado para buscar novos desafios. “Quando estiver em liberdade, sonho em cursar faculdade de gestão de empresas”, planeja. Na Penitenciária de Ribeirão Preto também há um medalhista: o detento Davi Ferreira de Menezes, de 41 anos, que faturou bronze na mesma competição do ano passado. “O sentimento é de extrema alegria. Isso significa que existem portas abertas para o meu futuro”, comemora. 

Agora, ele pretende investir ainda mais nos estudos. “Achava que entrar na faculdade com a minha idade não era possível, mas essa conquista me fez acreditar que eu sou capaz. E esses são meus planos para quando retornar à vida em sociedade: nunca desistir”, finaliza. Outros sete detidos foram premiados com menções honrosas na Olimpíada de 2018 no estado.

Toda a formação escolar e reforço foram realizados nas unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP). Detentos que não possuem formação escolar podem concluir os estudos enquanto cumprem a pena, por meio de escolas vinculadoras instaladas dentro dos presídios, que oferecem formação dos ensinos Fundamental e Médio. Os reclusos também participam de cursos de línguas, profissionalizantes e do Ensino Superior. 

Wellington e Davi

Dicas de ouro 

Professor e coordenador de Tecnologia, Marcos Benfica é especialista em assuntos relacionados a olimpíadas educacionais. O especialista deu dicas para quem sonha em participar e conquistar medalhas nessas competições. Confira: 

O que um título em uma Olímpiada Estudantil pode resultar na carreira do aluno?
O título dá ao aluno uma grande distinção acadêmica. O nível das provas olímpicas, em fases mais avançadas, é superior ao dos vestibulares mais exigentes. Nas provas internacionais, o estudante estará lidando com a disciplina em uma complexidade equivalente à de uma graduação. Considerando um panorama no qual as universidades brasileiras começam a valorizar os eventos olímpicos (a Unicamp já reserva vagas para medalhistas), ele já se destaca dos demais candidatos na carreira pretendida se tiver uma história olímpica precoce.

Qual a importância dessas conquistas?
A primeira olimpíada científica com registros confiáveis ocorreu na Hungria, em 1894, na área de Matemática. No Brasil, só demos início a essas competições em 1979, também com a Matemática. Atualmente, esses eventos atraem a atenção de grandes universidades dentro e fora do Brasil, tornando-se verdadeiros celeiros de talentos. Campeões olímpicos podem receber bolsas de estudos em centros de ponta, como Yale, Harvard, Princeton e MIT, ou mesmo convites para participarem de programas avançados em universidades brasileiras, como USP e Unicamp, aprimorando a formação e construindo uma bagagem acadêmica bastante rica.

Como professor, quais são as dicas que o senhor oferece aos alunos que pensam em participar deste torneio?
A participação em olimpíadas científicas demanda a mesma disciplina de um atleta esportivo. O estudante precisa de uma rotina de estudos formada por dois itens essenciais: tempo exclusivo para a preparação e um roteiro que seja capaz de direcionar a sequência de suas atividades. Há muito material disponível na internet, em especial nas páginas dos próprios eventos. A parceria da escola e dos pais é muito importante nesse processo.

É necessário ter foco nos estudos?
Sem dúvida. O aluno que estuda em alto nível para as provas olímpicas está completamente focado nos seus estudos e tem um desafio pela frente. É claro que ele terá seu tempo de lazer e de descanso, mas durante a preparação utilizará de todo o empenho para melhorar suas habilidades na disciplina em que está se preparando, o que acaba por torná-lo um estudante melhor, também, nas demais áreas.

Marcos Benfica

Principais Olimpíadas de conhecimento no Brasil 

Grande Desafio Museu
Exploratório de Ciências
Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica
Olimpíada Brasileira de Biologia
Olimpíada Brasileira de Física
Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa
Olimpíada Brasileira de Linguística
Olimpíada Brasileira de Matemática
Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas
Olimpíada Brasileira de Química
Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente
Olimpíada de Geografia do Brasil
Olimpíada Nacional em História do Brasil



Texto: Pedro Gomes
Fotos: Julio Sian

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