Meu sobrenome é trabalho

Meu sobrenome é trabalho

Mais do que um profissional bastante dedicado, o workaholic é, literalmente, viciado em trabalho — uma diferença tênue que exige muita atenção para ser percebida

Anos fora do país dedicados ao trabalho fizeram Carolina perceber que a família e seus hobbies estavam ficando para trás.O currículo de Carolina Couto Galli é extenso: médica veterinária com MBA em marketing e formação em liderança criativa no Center for Creative Leadership, que fica no Colorado, Estados Unidos. Carolina fala quatro idiomas — francês, inglês, espanhol e português — e acumula em seu histórico um curso de design de interiores. Talentosa, a profissional alcançou belas conquistas no mercado de trabalho ainda muito jovem. Começou a trabalhar em 1997, aos 21 anos e, dois anos depois, ingressou na Royal Canin. Pelos excelentes resultados, em seis meses, foi convidada a estudar na França, de onde só retornou depois de se tornar gerente de produto.

Desde então, Carolina não parou mais. Logo foi convidada para ser gerente de marketing de todas as linhas da empresa, o que serviu de vitrine para se tornar chefe de projeto no Polo Inovação, do time global, com sede no Sul da França, o que a fez mudar, aos 30 anos, para a Europa. De lá, partiu, aos 35 anos, para San Juan, em Porto Rico, para trabalhar como CEO da filial da multinacional. “Em cada local, tive a oportunidade de aprender, inovar e criar diferentes produtos, além de implementar diversas estratégias ao redor do mundo. Os bons resultados me faziam uma profissional cada vez mais apaixonada pelo trabalho, mas, também, sem tempo para outras questões, como estar com minha família, andar de skate e cozinhar”, lamenta Carolina.

Casos como o da médica veterinária ilustram bem uma situação que se tornou corriqueira no mercado de trabalho, conhecida como a “epidemia workaholic”, onde os profissionais passam cada vez mais tempo dentro das empresas, assumindo responsabilidades e atribuições em nome de um crescimento profissional, de um ideal de eficiência para acompanhar o ritmo frenético dessa empreitada. 

Aliás, indivíduos que fazem do trabalho a razão de uma existência não são novidade. Esse comportamento ganhou destaque no Brasil nos anos de 1990, após o “boom” das compulsões, que caminhavam de jogos, sexo, drogas a, claro, trabalho. “A expressão workaholic refere-se à pessoa que emprega energia e tempo demasiadamente nas atividades profissionais, excedendo horas de trabalho com prioridade a qualquer outro compromisso”, explica Ana Paula Tosetto, terapeuta cognitiva e psicóloga educacional do Centro Universitário Moura Lacerda. 

Quem planeja um almoço com a família durante meses e, na esperada data, atende a um almoço de negócios inadiável deve acender um alerta. Segundo a especialista, a situação é aceitável se acontecer uma vez, mas se a pessoa começa a perder os encontros com amigos, adiar as férias com a família e a passar os finais de semana trabalhando, é possível que tenha se tornado um workaholic. Reconhecer essa característica não é tão fácil quanto parece. “Na maioria das vezes, os workaholics encontram no trabalho uma fuga para as frustrações da vida. Essa pessoa também pode ser aquele profissional que deseja satisfazer o ego a qualquer custo”, avalia Érika Callegari, psicóloga especialista em gestão de pessoas. 

Carolina lembra que, em diversas ocasiões, iniciava as atividades corporativas de madrugada e não parava durante todo o tempo. Também costumava permanecer conectada “full time”. Entretanto, seu corpo e sua mente passaram a sofrer com a ausência da família. “Sempre que morei em outros países ou cidades, não pude estar presente em uma série de eventos, desde o aniversário dos meus pais ou de afilhados até simples encontros com os amigos. Claro que os reencontros eram vividos com grande emoção. Contudo, a hora da partida, ao pensar que ficaria meses longe, começou a me fazer questionar sobre minha vida profissional”, lembra a médica veterinária. 

Estudos mostram que o vício no trabalho é semelhante à dependência do álcool, por exemplo, e está relacionado à compulsão. O vício faz com que o individuo esqueça, em algumas ocasiões, partes fundamentais, como família e amigos. Para o workaholic, há apenas o trabalho, sem que seja possível manter um equilíbrio. 

Em busca dessa harmonia, Carolina decidiu voltar para Ribeirão Preto e ficar perto da família. “Retornei recentemente para casa, procurei me reaproximar dos meus hobbies, como o de cozinhar. Como não consigo ficar parada, após uma promoção, acabei sendo selecionada para assistir ao vivo à final do Masterchef Brasil, um sonho realizado”, relata entusiasmada. 

Alerta para a saúde

Ana Paula comenta que as pessoas dificilmente reconhecem os prejuízos da dedicação excessiva ao trabalho.De acordo com os especialistas, o vício pelo trabalho é uma dependência como qualquer outra. Por esse motivo, os profissionais o consideram uma patologia. Entretanto, é preciso ressaltar que excesso de trabalho e vício são itens completamente diferentes. Érika explica que uma pessoa pode trabalhar demais em um projeto específico por uma determinada duração por exemplo. Já os workaholics perdem esse senso e passam a ter uma dedicação excessiva por tempo indeterminado. “A pessoa não adquire um vício de uma hora para outra. Costumo relacionar com a hora extra: hoje, o indivíduo trabalha 15 minutos após o expediente, amanhã mais 15 minutos e assim nos outros dias. Ao final de uma semana, o organismo já estará condicionado a esse horário e entenderá que o trabalho é oito horas e 15 minutos. Pouco a pouco, aquela pessoa estará trabalhando 14 horas por dia”, explica Ana Paula.

A psicóloga e terapeuta cognitiva comenta que as pessoas dificilmente reconhecem os prejuízos advindos da dedicação intensa ao trabalho, pois, geralmente, são consideradas muito inteligentes e criativas, com grande capacidade de trabalho e de realização. No entanto, nem sempre apresentam um bom repertório de habilidades sociais, já que suas relações interpessoais são superficiais e pouco frequentes. Costumam achar um desperdício de tempo qualquer outra ocupação que não seja de trabalho. “Pode-se esperar, portanto, sérios prejuízos na vida pessoal e familiar, na maioria das vezes identificadas, inicialmente, pelas pessoas que convivem diariamente com esse profissional, que passam a se queixar de ausência, de falta de atenção e de cuidados com a família e com a casa”, revela a psicóloga. 

“Na maioria das vezes, os workaholics são pessoas que encontram no trabalho uma fuga para as frustrações da vida”, pontua Érika.A especialista ainda acrescenta que o profissional viciado em trabalho começa a perceber alguns sintomas, como cansaço frequente, estresse, dedicação, irritação, dificuldade de relaxar, insônia, cefaleia, tensão muscular, pensamento acelerado, ruminação, entre outros. Juntam-se a tais queixas problemas de saúde física e psíquica, sendo comuns na prática clínica pessoas com transtornos de humor, incluindo depressão e transtornos de ansiedade. “Em uma sociedade marcada pelo capitalismo e pelo consumismo, esses e outros problemas, como a Síndrome do Pensamento Acelerado, caracterizada pelo turbilhão de pensamentos e ideias que invadem a mente de muitas pessoas, sem que percebam os danos acarretados em sua vida pessoal. Esses sintomas acabam sendo ignorados pelas pessoas que sofrem, sendo identificados e diagnosticados tardiamente, acompanhados de muita resistência a mudanças em sua rotina”, exemplifica Ana Paula. 

O estresse e o excesso de trabalho também podem levar a um quadro depressivo e até a um Burnout — situação de completo esgotamento físico, mental e emocional. Vale ressaltar que o responsável pelo desencadeamento da doença é a própria pessoa, de dentro para fora, e não de fora para dentro, como muitos pensam. Pesquisas da International Stress Management Association (Isma), dos 100 milhões de trabalhadores brasileiros, 30% sofrem com a Síndrome de Burnout. “Dá para ser competente e comprometido sem ficar conectado 24 horas por dia, pensar em trabalho nos momentos de folga e cancelar compromissos familiares ou com amigos para resolver questões do escritório. Para ser um profissional qualificado sem se tornar workaholic, sugiro que prioridades sejam definidas de acordo com o momento da carreira e, assim, o desejo de ascender profissionalmente venha de maneira equilibrada com a saúde”, finaliza Érika. 

Workaholic x Worklover

Maristela tem uma agenda profissional agitada, mas consegue equilibrar com a vida pessoal, o que faz dela uma worklover.É fundamental que o indivíduo compreenda que não é errado trabalhar até mais tarde em algumas ocasiões, mas é preciso saber identificar os exageros. Amar a área de atuação é ótimo, tendo em vista que as pessoas passam a maior parte do tempo dedicando-se ao trabalho, mas quem não consegue distinguir o amor do vício se perde entre os excessos. 

Pensando nessa linha tênue, os profissionais criaram a expressão “worklover” para se referir ao profissional oposto ao viciado. Murilo Carneiro, consultor e mestre em Administração de Empresas, declara que a maneira como se encara a profissão e as responsabilidades inerentes é determinante para a escolha entre os dois estados. “No sentido literal da palavra, worklover é uma pessoa que ama seu trabalho. Esse profissional percebe a importância e a transformação que sua atuação traz para sua vida e na de outras pessoas ou mesmo na humanidade”, garante Murilo.

É assim que a arquiteta e urbanista Maristela Orlando vê seu trabalho. A profissional garante que consegue nutrir uma paixão equilibrada pela carreira, sem perder de vista as realizações pessoais. Logo que se formou, Maristela foi convidada para trabalhar em uma construtora de grande porte em São Paulo, com negócios em Ribeirão Preto. Depois de certo tempo, foi transferida para o interior, onde permanece até hoje. Sua rotina implica em uma agenda agitada, flexível e motivada pelos desafios profissionais. “Amo o que faço, pois, através da minha atuação, sinto a contribuição da arquitetura na vida das pessoas, desde grandes projetos até pequenos detalhes”, expressa.

Segundo Murilo, o worklover percebe a importância e a transformação que o trabalho traz.Murilo pontua que um profissional que se entrega por horas a determinada atividade pode ser menos viciado que o outro, que dedica suas horas livres ao mercado que atua. O que define o workaholic é o tipo de vida que ele leva fora do trabalho. “Alguns especialistas dizem que, de forma geral, a diferença entre worklover e o workaholic é a falta de vício no primeiro e a ausência de paixão na atividade do segundo. Por serem apaixonados pelo que fazem, normalmente, os worklovers são hiperprodutivos, ou seja, conseguem realizar seu trabalho de forma extremamente eficaz”, garante o consultor. 

Worklover assumida, a arquiteta não vê problemas quando precisa trabalhar após o horário de expediente. Aliás, conta que se sente satisfeita em qualquer ocasião, pois se engaja no projeto que está sendo desenvolvido e, nem sempre, consegue concluí-lo no horário determinado de trabalho. “Acredito que tem se tornado cada vez mais interessante, pela forma de encarar o trabalho como uma extensão da vida pessoal. Esta separação é cada vez mais sutil até porque a arquitetura é um hobby nas horas vagas. Na verdade, um worklover, diferente do workaholic, tem a consciência e a lucidez necessárias para entender que sua vida pessoal e profissional estão equilibradas e, por isso, não carregam um peso na rotina”, garante. 

10 alertas para o  workaholic

1. Tem dificuldade de lidar com o fracasso.
2. Confere os e-mails do trabalho várias vezes ao dia, mesmo nas horas vagas.
3. Não aceita que os outros não se “dediquem” da mesma maneira.
4. Trabalha durante o almoço várias vezes na semana.
5. Aproveita qualquer brecha para discutir problemas profissionais.
6. Raramente tira férias e, se o faz, leva trabalho para os dias de descanso.
7. Tem sono ruim e costuma acordar no meio da noite para relembrar questões do trabalho.
8. O humor se altera com muita frequência.
9. Quanto mais trabalha, mais acha que está devendo algo.
10. Falta tempo para cuidar da alimentação, praticar atividades físicas e ir ao médico.

Principais diferenças

Workaholic

• Viciado em trabalho.
• É motivado, mas nunca está satisfeito com o trabalho.
• Se a vida profissional está ruim, descuida-se da saúde.
• Trabalha muitas horas por dia, inclusive aos finais de semana.
• Abandona a vida pessoal, os amigos e a família.
• Vive irritado e estressado.

Worklover

• Apaixonado pelo trabalho.
• Está sempre satisfeito com o trabalho e sabe lidar com as dificuldades.
• Se o trabalho está ruim, busca soluções para melhorar.
• Trabalha muitas horas por dia sem se queixar.
• Sabe equilibrar a vida pessoal e profissional.
• Se está sobrecarregado, prioriza tarefas e mantém o espaço para a vida pessoal.

Teste: Você é workaholic??

Leia as informações, concorde ou discorde de cada uma delas, dando uma pontuação de 1 a 4 sendo: 
1 = discordo totalmente, 2 = discordo parcialmente, 3 = concordo parcialmente e 4 = concordo totalmente.

(    ) Prefiro fazer a maioria das minhas tarefas sozinha do que pedir ajuda.
(    ) Perco a paciência quando preciso esperar alguém ou quando algo demanda muito tempo.
(    ) Parece que estou sempre com pressa, correndo contra o relógio.
(    ) Fico irritado quando alguém me interrompe enquanto estou fazendo algo.
(    ) Sou uma pessoa muito ocupada e faço várias coisas ao mesmo tempo.
(    ) Eu me pego fazendo duas ou três coisas de uma vez só, como almoçar, falar ao telefone e fazer anotações ao mesmo tempo.
(    ) Muitas vezes, sinto que estou dando um passo maior do que a perna ao me comprometer em fazer algo.
(    ) Sinto culpa quando não tenho nada para fazer.
(    ) É muito importante que eu veja resultados concretos de tudo o que faço.
(    ) Estou mais interessado no resultado final do meu trabalho do que no processo como um todo.
(    ) Para mim, tudo parece muito devagar ou demorar muito para acontecer.
(    ) Fico bravo quando algo não acontece do jeito que eu quero ou não me beneficia.
(    ) Pergunto várias vezes a mesma coisa sem perceber, mesmo depois de alguém já ter me respondido.
(    ) Passo muito tempo pensando e planejando acontecimentos futuros, enquanto deixo o aqui e agora de lado.
(    ) Sou o último a sair do escritório.
(    ) Fico nervoso com pessoas que não atendem meus padrões de perfeição.
(    ) Não estar no controle de tudo me deixa frustrado.
(    ) Pressiono-me com prazos que estipulo para mim mesmo.
(    ) Tenho dificuldade de relaxar quando não estou trabalhando.
(    ) Passo mais tempo trabalhando do que socializando com amigos, exercendo hobbies ou em atividades de lazer.
(    ) Mergulho de cabeça em projetos para que eles se concretizem o mais rápido possível.
(    ) Culpo demais a mim mesmo, até quando cometo o menor dos erros.
(    ) Gasto mais tempo e energia trabalhando do que em meus relacionamentos pessoais.
(    ) Esqueço, ignoro ou coloco em segundo plano as comemorações em família, como aniversários e festas em geral.
(    ) Tomo decisões importantes antes de considerar todos os fatores e de pensar bem nas consequências.

Resultado

De 25 a 54 pontos
• Tudo certo
Não precisa se preocupar, pois você administra carreira e vida pessoal com muito equilíbrio

De 55 a 69 pontos
• Preste atenção
Cuidado, pois o trabalho está começando a tomar mais espaço na sua vida do que deveria

De 70 a 100 pontos
• Hora de parar
As chances de você ser uma workaholic são altíssimas. Desacelere e tente equilibrar sua vida



Texto: Pâmela Silva
Fotos: Ibraim Leão e Julio Sian
Agradecimento: Une Robusti — Tel.: (16) 3329.4045
Modelo: Letícia Serrano 
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