Momento decisivo

Momento decisivo

Escolhas precoces elevam índice de desistência no Ensino Superior: mais da metade dos alunos que entram nas universidades não conclui o curso, segundo Inep

Mais da metade (59%) dos alunos que ingressam no Ensino Superior não concluem o curso, segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. Os dados abrangem, de maneira semelhante, tanto universidades públicas, quanto privadas. Os motivos que levam a desistência são variados, vão desde a falta de conhecimento e de identificação com a carreira até a pressão familiar e fatores externos, como a necessidade de priorizar o trabalho em detrimento do estudo, especialmente em famílias de baixa renda. É consenso entre os especialistas, no entanto, a necessidade de olhar para estes índices de desistência com mais atenção para formular ações que reduzam os números de abandono do curso superior.

 


Para Mozart Neves Ramos, professor titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), polo Ribeirão Preto, as universidades deveriam trabalhar com formas mais flexíveis de acesso e de permanência, sem que os jovens se sintam obrigados a definirem o curso ainda muito cedo, em média aos 18 anos. Ainda segundo o professor, os testes vocacionais deveriam ser mais empregados nesse processo e oferecidos pelas próprias universidades, o que permitiria que a instituição conhecesse melhor seus alunos. 

 


Mudar se for preciso

 


João Vítor Silva Robazzi é professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) campus de Sertãozinho, onde dá aulas nas áreas de Engenharia Elétrica e computação. Chegar até aqui, no entanto, foi uma longa caminhada, que passou pela desistência de um curso universitário e a escolha de outro diferente, com um processo de amadurecimento no meio do caminho. O gosto por tecnologia (montar e desmontar coisas) acompanhava João Vítor desde a infância e o influenciou na escolha do curso de Engenharia Elétrica após o Ensino Médio. Mas, a reprovação nos três vestibulares prestados o desanimou. “Fui muito mal, acredito que por falta de maturidade. Eu tinha 18 anos”, conta. Abalado por não ter sido aprovado, decidiu não prestar vestibular no ano seguinte, até que, muito por conta da pressão dos pais, já que os dois irmãos estavam na faculdade, optou por fazer cursinho para tentar entrar na universidade novamente. “Nesse ano de cursinho, me deparei com professores muito bons de Física. Gostei das aulas e me interessei ainda mais por essa área”, revela.

 


No final daquele ano, João Vítor prestou vestibular para Física Médica na USP de Ribeirão Preto, não apenas porque passou a gostar de Física, mas, também, porque, segundo ele, era uma área menos concorrida. Foi aprovado. Foram seis meses cursando Física Médica até que ele percebeu que não estava feliz. Conversou com os pais que, a princípio, ficaram um pouco assustados por conta de mais essa mudança. “Fiz um acordo com eles. Continuei no curso de Física Médica e, em paralelo, voltei a estudar para prestar vestibular novamente. Consegui passar na USP em São Carlos para o curso de Engenharia Elétrica, o que eu queria desde o início. Hoje, sou professor na área”, conclui.

 

 

Apoio familiar e vivências

 


De jovem indeciso a professor, João Vítor ressalta a importância do apoio familiar no decorrer de todo esse processo. “Eles me deram um suporte muito bom, me levavam nos vestibulares, me orientaram a fazer terapia para diminuir a ansiedade. Hoje, eu entendo que, quando se é jovem, nessa fase de escolha, é importante ter um foco, um norte, uma diretriz. Conseguir entender o que se gosta e visualizar um caminho a seguir. Mas, não é ruim você se desviar um pouco e ajustar a rota, conhecer outros caminhos para ter certeza da decisão que tomou ou pretende tomar”, aconselha.

 


O apoio e o incentivo vindos da família, independente da escolha profissional do jovem, também é ressaltado como positivo – e deve acontecer ao longo de todo o Ensino Médio – na opinião de Hubert Basques, diretor geral do campus da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) de Ribeirão Preto. “O estudante, na adolescência, é pressionado a tomar uma decisão que vai repercutir ao longo de toda sua vida em um momento em que ainda está imaturo. Muitos tomam essa decisão de forma precipitada. Não recomendo a pressão familiar, quando pais exigem que o filho siga a carreira de um deles, por exemplo, ou já é uma opção imposta, porque isso acaba criando profissionais frustrados ou levando à desistência no meio do curso”, observa.

 


Sempre haverá a influência do ambiente familiar, mas, as vivências, o conhecimento e a troca de informação são ferramentas para uma decisão mais assertiva. “A vocação pode ser detectada a partir das experiências que o jovem vai tendo ao longo dessa fase, experimentos que ele faz, observações do ambiente em que está inserido e, obviamente, a busca por informações. Família e escola devem estar unidos nessa fase”, diz.

 


Menos cobrança e mais parceria, ressalta Eduardo Gula Sobrinho, diretor pedagógico do Colégio Einstein em Ribeirão Preto. Para ele, família e escola devem fazer um trabalho contínuo, ao longo de todo o Ensino Médio, para ajudar o estudante na compreensão sobre si e sobre o seu futuro. “Muitos alunos optam pelo curso mais fácil e usam a nota do Enem para entrar na universidade, independente de gostarem da área ou não. Isso leva a desistências, além da frustração e decepções”, observa. Segundo ele, a escolha é resultado de uma construção, amadurecimento e do comprometimento do jovem consigo mesmo e com o seu futuro, algo que leva tempo e engajamento de todos os envolvidos. “Sugiro ao estudante que esteja nesta caminhada que faça testes vocacionais para se conhecer e conhecer as áreas com as quais tem mais afinidade, visitar universidades e conversar com profissionais da área. Muitas vezes, há uma visão romântica da profissão e a realidade é outra”, recomenda.

 


Uma boa formação em disciplinas básicas completa a lista de conselhos dos especialistas. Matemática e Língua Portuguesa são essenciais em qualquer carreira e, se não há uma boa base no Ensino Fundamental e Médio, haverá obstáculos difíceis de contornar no Ensino Superior. “Os jovens, tanto da escola pública, quanto privada, têm tido uma formação em Matemática e linguagens muito ruim. A falta desse conhecimento básico irá impactar no futuro, independente da profissão escolhida”, sinaliza Hubert Basques. E, sempre é bom lembrar: mudar não deve ser um “bicho de sete cabeças”, mas algo natural, uma correção de rota em busca da satisfação pessoal e da felicidade. “Gerações cada vez mais conectadas e com acesso cada vez maior às informações fazem escolhas diversas ao longo da adolescência. Em um mundo tão diversificado, há cada dia uma amplitude maior de caminhos a seguir”, conclui Basques.

 

Importante aliada

 

A orientação vocacional é uma das principais ferramentas utilizadas neste processo de escolha da carreira. Realizada por meio de entrevistas, questionários e conversas com um profissional da área de Psicologia, ela estimula o autoconhecimento por parte do aluno e contribui para decisões mais conscientes. Mayara Colleti é professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Barão de Mauá e docente da disciplina Orientação Vocacional/Profissional, além de supervisora do estágio em Orientação Profissional. Nesta entrevista, ela fala mais sobre como ajudar o jovem ao longo desta caminhada.

 

 

Um jovem, ao sair do Ensino Médio está preparado para escolher uma carreira? Sempre que escuto esta pergunta eu, inevitavelmente, reflito: será que nós estamos preparando os jovens para a escolha profissional? O jovem é alguém que, ao longo de sua vida, já fez outras escolhas. É claro que a escolha de uma profissão pode ser a primeira das grandes escolhas que ele fará, no entanto, acredito que é possível prepará-lo. Na maioria das vezes, nós questionamos se eles estão preparados sem ao menos considerar se estamos investindo e realizando esta preparação. 

 


Há muitos conflitos internos (carreira, profissão) e externos (família, amigos), além de pressões nessa fase da vida. Como lidar com tudo isso? A pressão familiar e social para a realização de uma escolha, somada às dúvidas e conflitos internos em relação às possíveis profissões, pode tornar este processo bastante estressante para o jovem. Para lidar com este momento é importante que ele considere, em sua escolha, aspectos individuais como: gostos, interesses, habilidades, expectativas, motivações, aspirações pessoais e também explore, de forma detalhada, as profissões e suas possibilidades de atuação e as características do mundo e mercado de trabalho atual. Buscar a ajuda de um profissional com certeza é uma boa opção. Os processos de orientação profissional são pensados e desenvolvidos considerando as diversas influências e aspectos que permeiam a vivência de um jovem em processo de escolha

 



Muitos jovens desistem no meio do caminho ou mudam de curso, fazem outras escolhas. Isso é positivo? Considero que a escolha pode ser problematizada ou examinada a qualquer momento da vida e, eventualmente, pode ser revista, a depender das motivações, interesses e necessidades. É essencial, antes de tudo, avaliar os aspectos que permeiam o desejo de desistência ou de reescolha. Eles podem estar associados a uma escolha imatura, mas também, podem estar associados a outros conflitos e demandas da vida do jovem ou, até mesmo, a uma não identificação com as disciplinas do semestre. Deste modo, entendo que o caminho seja avaliar estas motivações e, após esta avaliação, se a reescolha for a possibilidade encontrada, a vejo como positiva sim. A satisfação e a identificação do jovem em relação ao curso e a futura profissão é muito importante para a sua inserção no mercado de trabalho e manutenção na área escolhida. 

 


Que ferramentas a Psicologia possui para ajudar?  A orientação profissional pode ser realizada ao longo de toda vida e nos mais variados espaços sociais. Dentre as contribuições da Psicologia, podemos destacar o trabalho com programas de Educação de Carreira, que visam a aprendizagem ativa e facilitação da aquisição de informação pessoal e profissional para a tomada de decisão, e os processos de Orientação Profissional com focos específicos como: escolha e reescolha profissional, transições no interior da própria profissão e preparação para aposentadoria, por exemplo. Os testes psicológicos são conhecidos nesta área. Além deles, existem diversos instrumentos e técnicas que podem ser utilizados nos processos de orientação do jovem. A escolha de quais utilizar vai depender do profissional, do foco do processo e do perfil do orientando. 

 

 

Qual seria o papel da instituição de Ensino Superior nesta realidade de desistência e abandono do curso por parte dos estudantes? Considerando que informar-se e conhecer as possibilidades de atuação da profissão desejada é um aspecto muito importante para a escolha profissional, as universidades podem contribuir a partir da realização de feira de profissões; possibilitar que os alunos assistam aula do curso pretendido e fomentar momentos de diálogo com coordenador, professor e até mesmo alunos do curso. Os atendimentos de orientação profissional, oferecidos pelas clínicas escolas dos cursos de Psicologia também podem ser considerados uma contribuição importantíssima das instituições. Essa é uma forma de democratizar o acesso aos processos de orientação profissional, contribuindo, assim, para evitar situações de dúvidas e conflitos em relação à escolha profissional. 


Foto: Freepik

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