Na vitrola

Na vitrola

Cada vez mais artistas têm lançado seus trabalhos em vinil. Seria um retorno dos saudosos discos?

A banda Motormama, quando tocou, em 2011, no Festival Pop Montreal, presenciou uma sucessão de acontecimentos inéditos que ficarão marcados na história do grupo: naquele ano, por exemplo, foi a primeira vez que eles tocaram fora do Brasil; andando pelas ruas da província canadense, os membros da Motormama cruzaram com um esquilo albino - uma raridade -, num parque de Montreal; e viram um clássico piano Hammond largado na calçada de uma loja de discos.

Como todo bom turista, entusiasmados, registraram em foto, entre outras coisas, o antigo piano e o raro esquilo, que agora estampam, a capa e a contracapa, respectivamente, do compacto em vinil “Flores Sujas do Quintal”, lançado oficialmente nesta quinta-feira, dia 25 de julho.

A ideia inicial da concepção de um disco surgiu enquanto a banda esteve em Montreal, onde os integrantes da banda presenciaram um cenário favorável à comercialização dos saudosos vinis. Tal atmosfera fez com que Régis Martins e Gisele Z. pensassem em lançar um compacto em vinil. “Precisamos fazer algo parecido”, comentou Régis, naquela época, com sua parceira de banda.

Como, segundo o vocalista, “tudo funcionou bem no Canadá”, a banda decidiu, através do disco, ilustrar o clima que vivenciaram durante a viagem da banda. “Nada melhor que lançarmos esse trabalho em vinil, que tem tudo a ver com a atmosfera de lá. Foi assim que nasceu a ideia do disco”, explica Régis.
 
A magia do vinil
Régis conta que a intenção, com o lançamento do vinil, é agregar valor ao trabalho da banda e registrar esse momento em uma mídia física, “que dure”, nas palavras do compositor. “Hoje em dia muitas bandas nem gravam suas músicas em CD. Quisemos fazer o inverso disso, algo ‘vintage’, pois hoje está tudo muito no ar, na nuvem”, explica. O vocalista cita uma frase do compositor Almir Sater que, recentemente, afirmou: “hoje os artistas gravam músicas no vento”.  “Não queríamos ter nada gravado no vento, mas na rocha. Algo que pudessem passar a agulha em cima, onde, do atrito com o vinil, origina-se o som”, conta.

A história da Motormama se funde a da trajetória do vinil no Brasil. O surgimento da banda, em 1999, coincide com o pior momento da indústria de discos que, na mesma época, entrava em declínio. No mesmo ano, o Napster, site de compartilhamento de músicas, entrava em cena para mudar a maneira como a música era consumida.

Ao longo desses 14 anos de carreira, a banda acompanhou o processo migratório da música, que saiu das prateleiras e foi para a internet e agora, de certa forma, tenta retornar às prateleiras, novamente em forma de disco. “É uma loucura pensarmos por este lado, mas é exatamente isso. Estamos presenciando o retorno dessa mídia (vinil)”, diz o vocalista.

Com o lançamento do compacto, a banda entra para o seleto time de bandas que tiveram seus trabalhos lançados em vinil. As músicas de artistas como Los Hermanos, Nação Zumbi, Vanguart, Pitty, Fernanda Takai e Lenine, agora podem ser ouvidas na vitrola. “Acho que há um pouco de saudosismo nos consumidores de vinil, mas acho também que é mais uma alternativa que nós, músicos,  temos para trabalhar e conquistar um novo público”, salienta a cantora e a compositora Gisele Z.

“Não aposentem suas vitrolas”, pede Régis, durante o lançamento de “Flores Sujas do Quintal”, nesta quinta-feira (25).

Mesmo não ouvindo o pedido feito pelo vocalista da Motormama, Luiz Gustavo Porto (20), estudante de psicologia, mantém em sua casa um acervo com mais de 3 mil discos de vinil. “Eu acredito que a arte do vinil não venha só do som, vem também das imagens. Vejo uma capa de vinil e toda uma estética, que é o que também me interessa”, explica o estudante.

Herança em discos
Luiz Gustavo Porto já era um apreciador dos vinis quando, em outubro de 2012, recebeu de herança do pai um vasto acervo com aproximadamente 3 mil discos. “Somos em seis irmãos, que são todos de fora de Ribeirão Preto. Depois que meu pai faleceu ficou acertado que os discos ficariam comigo, pois meus irmãos não teriam como levar”, diz Porto.

Luiz Gustavo Porto herdou cerca de 3 mil discosO estudante já está contribuindo com a coleção que herdou, e adquiriu recentemente os LP “Desconocidos”, da banda paulistana Quarto Negro e “Canções que vão morrer no ar”, da Banda Mais Bonita da Cidade. “Essas são apenas duas, das várias bandas novas que, assim como a Motormama, estão lançando seus trabalhos em vinil”, ressalta.

Porto acredita que, em breve, o Brasil possa ter a volta do vinil, mas afirma ainda que esse mercado corre o risco de não ser tão difundido como é fora do país. Pois, segundo ele, não é uma mídia barata. “Se você for comprar um vinil novo, ele geralmente é um pouco mais caro que um CD. Mas, uma opção, são os sebos, que sãos lugares que vendem discos muito bem conservados e até raro”, aponta.

Os Sebos, como foi citado pelo estudante, sempre foram uma opção e uma espécie de recanto para os colecionadores de vinil. No “Sebo do Brechó”, no centro de Ribeirão Preto, encontra-se um vasto acervo de vinis que, de certa forma, contribui para o resgate musical através dos “bolachões”. No entanto, Durval Silva, funcionário da loja há 13 anos, explica que há discos que são difíceis de serem encontrados. Ele conta que àlbuns como os das bandas Beatles, Led Zeppelin, AC/DC e Pink Floyd são discos que nunca param na loja. “Os de Rock, seguido pelos de Jazz e Blues, são sempre os mais procurados”, explica Durval, que atribui à internet a responsabilidade de muitos jovens terem adquirido esse gosto pelo vinil. “Muitas famílias, quando vêm aqui para dispor de alguns de seus discos, contam que seus filhos separam o que eles mais gostam pra começar uma coleção”, diz.

Ouvinte de música clássica, Durval revela ainda que até o ruído produzido pela agulha da vitrola é sedutora. Alguns clientes da loja, segundo o vendedor, ainda afirmam que o som é melhor que o do CD. “Outro ponto forte do vinil é a durabilidade do seu material. Um CD não duraria tanto, mesmo com todo o cuidado que se possa ter, é um material menos resistente”, ressalta.

O vendedor acredita que não haverá uma “volta dos vinis”, pois o mercado para eles jamais deixou de exisitir. No entanto, com a volta da produção da indústria brasileira de vinil, a Polysom, o mercado apresenta agora um novo problema: o valor de comércio do produto.

“Dependemos da produção em larga escala para que possamos ter produtos de qualidade com menor custo. Muitas pessoas começaram a consumir os novos discos lançados pela fábrica brasileira, espero que continue assim. Além de comprarem os discos antigos nos sebos”, finaliza.

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Texto: Bruno Silva
Fotos: Carolina Alves e Ibraim Leão

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