Nota baixa para a qualidade

Nota baixa para a qualidade

Segundo especialistas, falta planejamento, controle, boa formação dos profissionais ligados ao ensino e à gestão, entre outros fatores

Não é difícil perceber que o ensino público no Brasil não vai bem. Se analisados os índices atingidos pelas escolas nas avaliações nacionais, a média geral seria reprovada. Segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), no início deste ano, o Brasil ocupa a 88ª posição no Índice de Desenvolvimento Educacional (IDE), atrás de países como Paraguai, Equador e Bolívia. “Se analisarmos os concursos internacionais de conhecimento, como os de matemática ou de lógica, o Brasil está sempre entre os últimos colocados. Esse fator já é uma indicação clara de que a educação no país vai muito mal”, argumenta o economista Alberto Matias, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração e professor da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, que coordena pesquisas sobre o tema. “Evidentemente, sempre existem municípios que se destacam, como Cajuru. Os indicadores do Ministério da Educação (MEC) vêm indicando uma suave melhora, mas ainda falta muito”, acrescenta Alberto Matias.

O professor aposentado e ex-secretário municipal da Educação de Ribeirão Preto, José Norberto Callegari, detecta o início da reversão da baixa qualidade, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apesar da educação ainda viver uma fase crítica. “No século passado, foram enfatizadas questões em nome do desenvolvimento e da tecnologia. O ensino fundamental começou a ser relegado a um plano secundário, que se intensificou com a desvalorização dos profissionais desse nível”, explica Callegari. Em relação à queda da qualidade do ensino, o professor destaca a questão socioeconômica e a estrutura familiar como importantes elementos. “O desempenho escolar deixou de ser acompanhado e cobrado pela família. A esse desinteresse deve ser acrescentada a falta de respeito aos profissionais da educação”, relata Callegari.

Segundo ele, a situação está melhorando. “Entre os aspectos positivos, figura o atendimento de, praticamente, toda a demanda para o Ensino Fundamental, atingindo média superior a 98%”, acrescenta Callegari. Em Ribeirão Preto, foram disponibilizadas mais de 23 mil vagas nas escolas do Ensino Fundamental este ano, tendo aumentado em mais de mil vagas em relação ao ano passado. No Ensino Infantil municipal também houve um crescimento no número de vagas. O mesmo não aconteceu com o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), com o Ensino Profissionalizante e com a Educação Especial, cujas vagas diminuíram em relação a 2009.

Para a secretária de Educação de Ribeirão Preto, Débora Vendramini, a rede municipal de ensino está vivenciando uma nova fase. “Essa fase começa com a criação de vagas, principalmente na Educação Infantil, devido à abertura de novas unidades escolares, passa pela melhoria das escolas já existentes — como, por exemplo, os novos laboratórios de informática implantados nas escolas de Ensino Fundamental — e termina com o investimento maciço na formação continuada dos professores de todos os níveis de ensino” afirma Débora.

De acordo com Alberto Matias, a estrutura de escolas do município não é ruim. “Em Ribeirão Preto e na região, foram feitos investimentos em infraestrutura, mas somente a destinação desses recursos não é suficiente. O problema da educação não é a estrutura propriamente dita, nem baixos investimentos, mas sim a falta de planejamento e de controle”, aponta.

Controle
Segundo Alberto Matias, a gestão da educação brasileira deixa a desejar. “O planejamento estratégico deve ser feito de forma central e, depois, disseminado para as escolas. Essas unidades educacionais poderiam fazer parte da elaboração desse projeto apontando suas necessidades, mas seu papel fundamental seria o de executar de forma eficiente o que foi determinado”, indica o especialista em administração. Para o professor, o plano educacional deve ser projetado por um período mínimo de 10 anos, para que se tenha uma continuidade. “Tudo o que se faça agora pelo ensino brasileiro vai ter reflexos na próxima década. Por isso é importante manter o mesmo projeto, e, quem sabe, os bons secretários e ministros por pelo menos 10 anos”, analisa. As escolhas políticas para cargos estratégicos são, para Alberto Matias, um dos grandes problemas da má gestão pública brasileira, incluindo a educação. “Entre esses cargos, contam também os diretores da escolas, que devem ter formação em educação, administração e em relacionamento”, argumenta.

O segundo passo para melhorar a educação seria estabelecer mecanismos de controle mais eficientes, tanto na execução desse planejamento quanto na formação de professores, da equipe escolar, dos dirigentes e dos alunos. “Mesmo com o risco de ser considerada uma utopia, pensamos que uma conscientização de todos os envolvidos — sociedade (pais, alunos e comunidade, imprensa), educadores e dirigentes é um grande avanço. Antes deles, o comprometimento das autoridades (executivo, legislativo, judiciário), cumprindo preliminarmente com suas missões e obrigações e, posteriormente, cobrando as ações de cada um dos demais”, afirma José Norberto Callegari.

Qualidade do ensino
Mesmo tendo avançado na direção de disponibilizar escolas para mais estudantes, falta investir na qualidade do ensino oferecido. “Culpar a progressão continuada pela queda na qualidade é uma forma de atribuir a outrem a culpa de cada um que não conseguiu, não pôde ou não soube realizar a sua parte”, analisa Callegari. Sobre o mesmo tema, Alberto Matias aponta que inúmeros trabalhos indicam que a reprovação é entendida pelo aluno como forma de exclusão. “O governo não pode ter a opção da exclusão. Deve, sim, estimular a qualificação da formação. Temos que formar bons alunos e também bons professores”, opina.

Callegari concorda que a formação de profissionais da educação deveria ser melhor. “Atualmente, encontramos muitos alunos ingressando nos cursos de pedagogia ou licenciatura com deficiências na alfabetização, o que permite supor que poderemos encontrar analfabetos funcionais entre os professores alfabetizadores”, aponta Callegari, que faz muitas críticas em relação aos cursos de Pedagogia e Licenciatura. Fórmulas mais eficientes na avaliação e na formação desses futuros profissionais ajudariam a solucionar o problema.

A secretária Débora Vendramini afirma que o município está preocupado com isso. “Uma nova postura de gestão do município valoriza e estimula iniciativas pedagógicas que resultem em melhorias na qualidade do ensino”, garante.

Apesar disso, a qualidade vem melhorando, segundo Callegari, mas em uma velocidade muito lenta. “As iniciativas chamadas de formação continuada, aperfeiçoamento ou capacitação são, em parte, responsáveis pela melhoria”, lista. A valorização da categoria também se faz necessário, mas não é suficiente. “O simples aumento dos recursos para reajustar os salários não pode ser considerada solução sem uma análise geral do sistema, que atualmente só avalia o aluno”, argumenta Callegari. “A revisão dos planos de carreira e valorização do magistério, determinada pelo MEC (Resolução Nº 2/2009 do Conselho Nacional de Educação), traz a necessidade de avaliação, aprimoramento e valorização, mas como valorizar sem avaliar”, questiona.

Alberto Matias concorda que falta valorizar o profissional. “ Há que se investir tanto no desenvolvimento didático e de conteúdo, quanto no alinhamento dos professores com os objetivos gerais e com as organizações sociais. Falta engajamento. Uma peça chave é o professor e a outra é o diretor”, esclarece Matias. Estabelecer uma carreira para os profissionais da educação, em que se valorize o trabalho desenvolvido por cada um, observada a diversidade de situações para o desempenho das atividades, é a indicação de Callegari. “As avaliações devem permitir o reconhecimento daqueles que têm um bom desempenho, diferenciando-os dos que têm performance regular ou ruim. A situação atual, em que apenas o tempo de serviço e títulos são elementos considerados para promoções, desestimula quem produz e quem não falta, ou seja, nivela por baixo”, acrescenta, adicionando à receita uma avaliação permanente da equipe escolar, com promoções igualmente por mérito. O envolvimento da sociedade na cobrança e na execução de bases mais sólidas para a educação brasileira também é importante e pode fazer grande diferença.


Gestão pública diferenciada

O Centro de Educação Municipal Integrada (CEMEI) João Gilberto Sampaio, na zona Norte de Ribeirão Preto, é um bom exemplo de gestão de recursos e pessoas que faz a diferença. Dirigida há 22 anos por Antonio Carlos Caroto Ribeiro, a escola realiza muitas parcerias privadas para oferecer, além de um ambiente mais agradável para as crianças, opções diferenciadas de lazer e aprendizagem, como as práticas esportivas de handball, atletismo, futsal e natação, aulas de karatê, capoeira, informática, inglês e música. O CEMEI também tem uma cozinha industrial, montada para oferecer formação de padeiro e confeiteiro aos interessados, um espaço destinado à criação de animais e uma horta própria, que ajuda a complementar as cinco refeições diárias servidas. A Escola já foi visitada por grupos de educadores de diferentes países e é apontada como referência por pesquisadores da USP-RP com relação à violência escolar. No portal da Revide — www.revide.com.br — está disponível, na seção de vídeos, uma matéria com depoimentos do diretor e imagens que comprovam os bons resultados obtidos no CEMEI. Confira também.

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