O caminho para o conhecimento

O caminho para o conhecimento

Professora da rede municipal de ensino de Ribeirão Preto, Valéria Turci ressalta que o domínio da Língua Portuguesa é a base para o desenvolvimento de competências em todas as áreas do saber

As lembranças das histórias contadas pelas professoras e das apresentações temáticas de fim de ano fizeram com que Valéria Turci associasse a escola a um ambiente seguro e feliz. Essa vivência foi determinante para que escolhesse prosseguir na sala de aula profissionalmente, recriando uma atmosfera especial, em que a busca pelo aprendizado é feita de uma maneira agradável, respeitosa e criativa. Graduada em Letras com habilitação em Língua Inglesa, Espanhola e suas respectivas Literaturas, com especializações nas áreas de Linguística, Gestão Escolar e Uso de Tecnologias no Ensino Básico, atua como docente há 14 anos, sendo nove deles na rede municipal de ensino de Ribeirão Preto. Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP) e leciona em duas instituições: na Escola Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Prof. Anísio Teixeira, como professora de Língua Portuguesa, e na EMEF Profa. Maria Ignêz Lopes Rossi, como professora de Língua Inglesa. A professora acredita no poder do domínio do idioma como ferramenta para fomentar a educação, independente da disciplina, e se empenha para, por meio de projetos de incentivo à escrita, à leitura e ao desenvolvimento da oralidade, promover uma verdadeira transformação social.
    
Por que é tão importante falar e escrever o português corretamente?


O uso da língua deve estar adequado ao contexto de produção do discurso e ao gênero textual, ou seja, podemos recorrer à linguagem informal/coloquial quando estamos escrevendo um bilhete ou em uma reunião com amigos, situações que fazem parte de uma esfera familiar. No entanto, em um ambiente mais formal, ao fazer uma entrevista de emprego, por exemplo, é importante utilizar a língua de acordo com a norma padrão, que é o conjunto de prescrições sobre o que é certo e errado encontrado nas gramáticas. A capacidade de falar e de escrever corretamente é uma competência muito importante no âmbito profissional, pois um simples erro de concordância pode gerar confusão, perda da clareza e até conflitos. De nada adianta ter uma boa formação se a pessoa não tiver uma comunicação clara, que transmita, com efetividade, o seu conhecimento.

Alunos são motivados a colocar os ensinamentos passados em sala de aula na práticaO primeiro passo para o desenvolvimento dessa habilidade é dado na sala de aula. Qual deve ser o papel do professor nesse processo?

É necessário levar nossos alunos a reconhecer que a língua é um instrumento de interação. Em paralelo com a família, é na escola que ocorre a socialização e a humanização. Temos que valorizar o conhecimento que eles já têm e ensiná-los que é aqui que desenvolverão ainda mais esse saber. Além disso, é importante ampliar o repertório comunicativo por meio do trabalho com gêneros textuais orais e escritos que circulam na sociedade, permitindo que aprendam variantes diferentes das formas que já dominam. Outro papel importante do professor é promover o reconhecimento da diversidade linguística como riqueza de nossa cultura, conscientizando-os, no entanto, de que todas as nossas manifestações verbais, faladas ou escritas, estão sujeitas a julgamento social e à avaliação das outras pessoas com quem interagimos. Sendo assim, é fundamental adaptar a maneira como nos expressamos de acordo com o contexto em que estamos inseridos. 

A leitura contribui para esse aprimoramento?

É imprescindível que o hábito de ler seja cultivado desde cedo para que a criança desenvolva uma relação positiva com a leitura e continue lendo na vida adulta. Seja por prazer, para estudar ou para se informar, a prática da leitura enriquece nosso vocabulário, dinamiza o raciocínio e a interpretação e aprimora nossa habilidade comunicativa, de forma constante e progressiva ao longo de toda a vida. Antônio Cândido, um importante crítico literário, em seu artigo “O direito à literatura”, mostra que o contato com o saber é um direito humano. Conforme o autor, “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o semelhante”. Assim, se quisermos formar cidadãos conscientes, críticos e atuantes, se quisermos reduzir a pobreza e as desigualdades, educação de qualidade é fundamental. Só alcançaremos um país próspero por meio da educação. Para isso, é necessário que as famílias participem da vida escolar dos filhos, incentivando-os a estudar e apoiando a escola e os professores. 

A linguagem se renova de tempos em tempos?

É afetada por fatores culturais, comportamentais e regionais, entre outros? Sim, está sempre em mudança, em renovação. Da mesma forma que novas palavras e expressões surgem, outras deixam de ser utilizadas com o tempo. Em razão disso, temos a norma-padrão como referência. A linguagem é afetada por variações geográficas: o português falado na região Sul é diferente do falado na região Norte. Além disso, fatores socioculturais de uma mesma região influenciam a diversidade de expressões, as chamadas gírias. É possível, também, constatar que a linguagem empregada em ambientes virtuais de conversação exige uma velocidade que acaba favorecendo o uso das abreviações. De qualquer modo, do ponto de vista linguístico, não existe uma variedade “mais correta” do que outra. Se ela permite que os seus interlocutores se comuniquem de forma eficiente, é adequada ao contexto em que é falada. É importante ressaltar que a língua adotada por determinados grupos sociais ou por pessoas que vivem em regiões distantes dos grandes centros urbanos, como na região rural, por exemplo, não deve ser considerada inferior ou ridicularizada. Quando isso ocorre, estamos diante de um preconceito social e linguístico.

Qual a sua avaliação sobre a questão dos neologismos?

Neologismos são palavras criadas com base em palavras já existentes. A partir do momento em que são pronunciadas, passam a existir. Essa dinâmica torna a língua viva e em constante inovação. Isso não ocorre apenas na Língua Portuguesa. Um exemplo é o termo “unlike”, que não existia e foi incorporado há pouco tempo aos dicionários de Língua Inglesa em razão do uso frequente nas redes sociais. Devemos considerar os neologismos e utilizá-los como objeto de ensino e de aprendizagem. Refletir sobre esse fenômeno é, também, uma forma de atrair o interesse dos alunos.

Como transportar esses ensinamentos da teoria para a prática?

Por meio de iniciativas que, de fato, envolvam os alunos. Um exemplo é o “Escritores de Futuro”, uma parceria entre a Secretaria Municipal da Educação e o jornal Tribuna Ribeirão que, em 2018, completou dez anos. O projeto permite que os estudantes realizem práticas sociais reais de uso da língua. A publicação nas páginas de um jornal ou de um livro é um enorme estímulo para o aluno se aventurar nos caminhos da escrita. Em 2017, organizei junto à assessoria pedagógica da área de Língua Portuguesa da rede municipal o primeiro volume do livro “Escritores de Futuro”, uma coletânea com 185 textos entre poemas, trovas, memórias literárias e crônicas produzidos por crianças e jovens dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. Os temas são variados, incluindo amor, família, bullying, preconceito e feminismo, entre outros. É preciso destacar que esse material foi elaborado mediante um significativo trabalho conduzido pelos professores de Língua Portuguesa do município, que garantiram aos alunos o direito à leitura, à escrita e à interpretação, possibilitando que se tornassem autores. 

Segundo a professora, é imprescindível que o hábito da leitura seja cultivado desde cedoEssa ação tem gerado resultados positivos?

Sem dúvida. No ano passado, inclusive, o projeto cresceu, tornando-se interdisciplinar com a área de Artes. Nove alunos-ilustradores tiveram desenhos selecionados por meio de um concurso cultural, os quais compuseram a capa, a contracapa, o sumário e as demais divisões do livro. O terceiro volume está em fase final de produção e a expectativa é que seja lançado ainda neste ano. Assim que isso acontecer, teremos um total de 537 alunos motivados, que se tornaram autores e tiveram a oportunidade de ver seus textos nas páginas de um livro. Todos os envolvidos têm muito orgulho dessa ação, pois ela evidencia que a função humanizadora da literatura tem permeado os corredores das escolas municipais. 

A tecnologia também pode ser utilizada como ferramenta de ensino?

À medida que as tecnologias de informação e de comunicação, o uso da internet e o relacionamento através de redes sociais se popularizaram, a sociedade adquiriu uma nova configuração. Cabe à escola e aos professores se adequarem a essa realidade digital e aproveitar ao máximo os benefícios que ela pode trazer. 

Existe algum projeto na cidade que promova esse tipo de interação?

Sim. Temos o “Da ponta do lápis às redes sociais: argumentação e autoria em discurso”. A ideia desse projeto surgiu quando conheci o trabalho realizado pelos booktubers — leitores que publicam vídeos com resenha de livros no Youtube. Considerando que o gênero vídeo vem ganhando cada vez mais destaque na comunicação, queríamos que os alunos produzissem e se aperfeiçoassem nessa nova prática de letramento digital. Iniciamos as atividades em 2018 e demos continuidade em 2019, com três turmas de 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof. Anísio Teixeira. A tarefa possibilita que os participantes desenvolvam competências como interpretação de textos, argumentação e construção de novos sentidos. Convidamos os alunos à leitura e ao debate, criamos novas possibilidades de trabalho, exploramos, experimentamos e aprendemos juntos


Texto: PAULA ZULIANI  | Fotos: JULIO SIAN

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