O desafio da Malha Viária

O desafio da Malha Viária

Com mais de 1.500 quilômetros de extensão, as ruas e as avenidas de Ribeirão Preto necessitam de investimentos urgentes, em especial na manutenção ou troca da pavimentação

Considerado elemento vital para a melhoria da qualidade de vida nas cidades, o conjunto de vias de um município, classificadas e hierarquizadas segundo critério funcional, constitui o principal suporte físico à mobilidade urbana. Essa soma de ruas e avenidas, denominada como malha viária, é considerada como o espaço público essencial para a vida urbana, que, democraticamente, assegura o direito de ir e vir de pedestres e de veículos. Essas vias também servem de suporte para instalações de infraestrutura — saneamento, rede elétrica, telefonia e TV a cabo —, além de serem utilizadas como espaços de lazer, palco de lutas sociais, manifestações, entre outras atividades.

 Apesar de toda essa importância, a malha viária da maioria cidades brasileiras beira a precariedade, necessitando de investimentos urgentes. Em Ribeirão Preto, o panorama não é diferente. A falta de manutenção, de estrutura e de recursos para obras periódicas, nos últimos oito a dez anos, agravou sistematicamente a situação, deixando pedestres e motoristas irritados — quando não, prejudicados — com tantos buracos, desgastes do asfalto, falta de sinalização, péssimas condições das calçadas, entre outros problemas. Além disso, a questão é um dos principais desafios para o poder público na busca por soluções viáveis e rápidas para recuperar e manter em dia os 1.500 quilômetros de extensão da malha viária municipal.
 “Já recuperamos 100 km de ruas e avenidas da cidade”, ressalta Pedro. Fotos: Luiz Cervi
Pedro Luiz Pegoraro, secretário municipal de Obras Públicas e de Infraestrutura, reconhece que a manutenção precária da pavimentação é um dos principais problemas da malha viária ribeirãopretana. Praticamente em toda sua extensão, possui um asfalto muito antigo, ultrapassando a casa dos 15 ou 20 anos. A situação, segundo o secretário, já estava agravada pela estrutura deficitária, quando foi iniciado o governo Duarte Nogueira. A equipe e a frota de veículos estavam defasadas e a oficina mecânica sem as condições mínimas de funcionamento. Esses foram os principais entraves para que a Prefeitura pudesse avançar mais do que o previsto inicialmente: recuperar 700 km de vias públicas. “Com R$ 25 milhões em investimentos, no primeiro ano de gestão, conseguimos recapear 100 km de ruas e avenidas da cidade”, aponta Pedro.

De acordo com o secretário, o trabalho será intensificado em 2018, com a retomada de algumas obras, como a duplicação da avenida Antônia Mugnatto Marinceck, que dá acesso ao complexo de bairros do Ribeirão Verde. Orçada em R$ 35,9 milhões, esta é uma das intervenções de mobilidade urbana realizada com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II), com financiamento total aprovado de R$ 310 milhões. “Outras obras estão no nosso planejamento, como a duplicação da Av. Adelmo Perdiza e a finalização da Av. Dina Rizzi, além de obras de mobilidade urbana que estão em fase de elaboração de projetos executivos, como pontes, viadutos e implantação de 50 km de corredores de transporte coletivo, com previsão de término para 2020”, antecipa o gestor.

 Com o projeto de recapeamento das vias, o secretário estima que o serviço emergencial de tapa-buracos seja diminuído. O material utilizado nesse tipo de serviço, segundo ele, passa por controle de qualidade e não apresenta inconformidade. A qualidade, inclusive, é palavra-chave para o engenheiro civil José Leomar Fernandes Júnior, professor especialista em infraestrutura de transportes e de sistemas de gerência de pavimentação. De acordo com ele, essa característica deve ser mantida, tanto em relação ao material empregado, quanto ao processo executivo. “Trata-se de um problema gerencial, não de dificuldade técnica”, ressalta José Leomar. Para o engenheiro, a malha viária de Ribeirão Preto está consolidada, com relativamente pequena necessidade de novos pavimentos, mas com grande carência de manutenção e de reabilitação dos pavimentos existentes.
Para José Leomar, a malha viária de Ribeirão Preto tem pouca necessidade de novos pavimentos, mas grande carência de manutenção e de reabilitação dos pavimentos existentes
 O professor observa que as avaliações da condição dos pavimentos devem ser realizadas previamente à definição do que fazer, para um melhor rendimento dos recursos empregados. Para José Leomar, a única possibilidade de quebrar o círculo vicioso — pavimentos em más condições, intervenções mal planejadas, continuação dos pavimentos em más condições — é com a implantação de um Sistema de Gerência de Pavimentos Urbanos (SGPU). “Infelizmente, a implantação desse sistema na cidade não foi concluída em 2015, ou seja, apesar dos alunos de Engenharia Civil terem sido treinados para fazer um levantamento mais apurado, não foram feitas as avaliações nem foi concluído o banco de dados que seria desenvolvido para as análises”, lamenta o professor.

Esse trabalho incluía, também, uma interface com o Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto (DAERP) para evitar problemas decorrentes da falta de uma base comum de dados para todos os órgãos da Prefeitura que se utilizam da malha viária, seja na superfície ou subterrâneos. Leomar explica que a finalidade de um SGPU é exatamente definir o melhor a se fazer em cada quarteirão, além de estabelecer quais os segmentos prioritários, onde e qual o melhor momento de fazer as intervenções. “Na época, a administração municipal teve tudo para implementar o serviço com apoio da USP de São Carlos e dos cursos locais de Engenharia, mas, por razões que eu desconheço e, certamente, não são técnicas, não foi dada continuidade ao processo que possibilitaria à cidade ter um SGPU”, conta Leomar.

 Muito mais do que resolver o problema das condições de trafegabilidade da malha viária local, o secretário ressalta a importância de equalizar melhor o fluxo de veículos em determinadas vias, o que contribui para reduzir a durabilidade do asfalto. “Atualmente, o problema maior é o dimensionamento inadequado dos pavimentos, com pequenas espessuras, e não o excesso de carga”, orienta o especialista, sugerindo que a Prefeitura deve ter corpo técnico qualificado em todas as áreas. “Um setor tão importante como a pavimentação não pode ser esquecido ou tratado sem os cuidados necessários em termos de projeto, controle de qualidade e avaliação ao longo do tempo, ou seja, sem um SGPU”, conclui o secretário de Obras Públicas e de Infraestrutura.
 
Economia de até 70%

Creso de Franco Peixoto, engenheiro civil e professor do Centro Universitário Moura Lacerda, afirma que, a grosso modo, a gerência de pavimentação pode gerar uma economia de até 70% do valor do próprio pavimento. O professor estima que, uma vez estabelecida essa técnica, a Prefeitura passaria a ter o custo de manutenção muito reduzido, permanecendo a boa qualidade. “Essa ação deixaria de apenas estabelecer o trabalho de bombeiro: usar o pouco recurso da área para tapar buracos, o que não resgata a qualidade rodante. Basta ver o que ocorre em bairros como o Jardim Jóquei Clube: buracos em profusão, serviço de tapa-buracos que pouco dura e risco viário de veículos que desviam de um buraco e ficam cara a cara com outros e, não raro, em mão oposta. Danos em pneus e na estrutura de veículos complementam esse quadro de baixa qualidade na superfície das vias”, lamenta Creso.

 O que falta, segundo o docente, é a efetivação de sistema de gerência de pavimentos, tal como as concessionárias de serviços rodoviários aplicam: quando o volume de fissuras e trincas aumenta, já selam juntas, aplicando asfalto, para impermeabilizar e evitar redução drástica de vida útil. A água, segundo Creso, é vilã no interior do pavimento. “Esta técnica gera custo de aproximadamente 10% da capa asfáltica e permite elevar a vida útil em 1/3 da prevista”, ressalta o especialista, lembrando que o elevado custo consiste na reabilitação do pavimento na forma como ele está.

Praticamente, é preciso trocar todo o revestimento em várias ruas e avenidas e isso gera um investimento alto. “Posteriormente, com a efetivação da gestão adequada, esses valores cairiam dramaticamente”, estima o engenheiro.
 
Irregularidades previstas


Assim como Ribeirão Preto, muitas cidades brasileiras tiveram o calçamento de paralelepípedos como padrão. Com a evolução da tecnologia, gradativamente, esses calçamentos foram substituídos por asfalto, porém, em algumas vias, as obras foram realizadas sobre essas pedras, o que, muitas vezes, acabou gerando pequenas trincas e fissuras retangulares, indicando que a técnica construtiva já não era a ideal e as pedras deveriam ter sido removidas. Ao longo do tempo, o problema só se agrava, e, em alguns pontos, como na rua Barão do Amazonas, o asfalto vai sumindo, gerando irregularidades e deixando as pedras à mostra. 
Creso: “a gerência de pavimentação pode gerar uma economia de até 70% do valor do próprio pavimento”
 O professor reconhece que a massa asfáltica ou o concreto betuminoso, quando de melhor qualidade, exige avaliação constante e manutenção preventiva para que não extinga sua capacidade estrutural de forma antecipada. Outro problema que contribui para reduzir a vida útil do pavimento é o excesso de peso. “Para se ter uma ideia, um caminhão com peso em um eixo, no padrão 8,2 toneladas, caso dobre o peso acima deste, passando uma vez pela via, equivale à passagem de 60 eixos no peso padrão. Há efetiva necessidade de serviço de pesagem desse tipo de veículo em alguns locais onde se tenha espaço possível para tanto, objetivando minimizar ou extinguir o uso de vias por caminhões com claro excesso de peso. Esse problema poderia ser equilibrado pela gerência de pavimentos”, sugere Creso. 

Planejamento e qualidade

Dois quesitos que Rodrigo Fernandes Araújo, engenheiro civil e diretor da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP), considera primordiais para prolongar a longevidade da pavimentação planejamento e qualidade. Para ele, a falta de planejamento em médio e em longo prazo, tanto em relação à mobilidade quanto à manutenção, só agravam a situação da malha viária ribeirãopretana. Desta forma, um conjunto de fatores, como o aumento da circulação de veículos, a manutenção de forma inadequada, acaba deteriorando o asfalto que não suporta a combinação de chuva e de fluxo de veículos.
Foto Ibraim Leão
Segundo Rodrigo, o problema deveria ser tratado da forma correta, através de um estudo feito pelo engenheiro responsável, que acompanharia a operação. Se somente jogar massa asfáltica e compactar, o asfalto trincará novamente e, nas primeiras chuvas, os buracos voltam ao que era antes. Rodrigo aponta que o ideal seria arrumar aos poucos, de uma forma que não precise ser refeito nos próximos anos, gerando, assim, economia a longo prazo, e um asfalto melhor para todos. “Com planejamento, em médio prazo, teríamos um asfalto melhor na cidade toda”, avalia.

 Em relação ao serviço de tapa buracos, o engenheiro destaca que um especialista precisaria avaliar a “patologia” em cada local e definir qual a melhor maneira de ser corrigida, sempre avaliando a parte estrutural e funcional do pavimento. “Caso não seja executado da forma adequada, em pouco tempo, terá de ser refeito. O importante é salientar que a forma correta da recuperação desse asfalto deverá sempre ser acompanhada por um engenheiro responsável, pois ele conseguirá definir a eficiência entre técnica e economia”, reforça Rodrigo.

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