O desafio da mobilidade

O desafio da mobilidade

A mobilidade urbana e as soluções urbanísticas voltadas para desafogar o trânsito e melhorar a qualidade de vida dos ribeirãopretanos, na opinião de Luiz Gustavo Correa, ainda deixam a desejar

Ribeirão Preto possui cerca de 700 mil habitantes, segundo projeção realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já na Região Metropolitana, que abrange 34 municípios, são cerca de 1,7 milhão de pessoas que ocupam o espaço urbano e transitam por ruas, avenidas e rodovias.

Nos últimos 20 anos, a frota de veículos registrada em Ribeirão Preto cresceu 148%, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran.SP), passando de 215.043 automóveis em 1997 para 532.814 em dezembro do ano passado. Trata-se do deslocamento de mais de 45 mil pessoas por dia, principalmente de municípios limítrofes à cidade, que ocupa a 19ª posição no país entre aquelas com o maior número de carros nas ruas, conforme dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
 
Essas informações representam bem o cenário e a necessidade, cada vez maior, de se discutir um projeto eficaz e urgente de mobilidade urbana. Apresentar estatísticas, justificar possíveis causas de acidentes e divulgar informações sobre prevenção são algumas das ações do especialista em trânsito Luiz Gustavo Correa, de 48 anos, que visam à conscientização da sociedade em prol da segurança no trânsito. O profissional possui especialização em Planejamento e Gestão de Trânsito, MBA em Logística e Distribuição, graduação em Recursos Humanos e Técnico em Segurança do Trabalho. Na entrevista a seguir, Luiz debate o assunto e destaca qual seria o plano mais viável e eficiente para Ribeirão Preto.

Motocicletas são o meio de transporte preferido pelos ribeirãopretanos em razão do baixo custoA mobilidade urbana em Ribeirão Preto é um assunto antigo, inclusive com algumas intercorrências durante a elaboração do pacote de obras. Em sua opinião, por que há demora na execução dos projetos na cidade?

Acredito que Ribeirão Preto esteja atrasada em 20 anos na Mobilidade Urbana, comparando o município com outros do mesmo porte. Esse atraso representa, por exemplo, a falta de investimentos em estruturas que objetivam atender à demanda da maioria da população e reflete, diretamente, em nossos dias hoje. Implantações recentes como corredores exclusivos para ônibus já são realidade em outras cidades, assim como ciclovias. O que falar de uma cidade com a estrutura atual de canteiros centrais sem investimento nesse modal de transporte? Exemplos  como São José dos Campos devem ser copiados e implantados. Creio que a demora em executar as obras é de responsabilidade da gestão municipal anterior. Ribeirão Preto não pode se transformar em referência em outros setores sem ser exemplo, também, em Mobilidade Urbana. 

Até o momento apenas três pontes em avenidas foram entregues do total de R$ 310 milhões em melhorias viárias previstos no pacote. Em sua opinião, onde está realmente o entrave do andamento das demais obras?

Minha crítica se dá na escolha e na priorização do investimento. Entendo que em Ribeirão Preto temos vários locais com criticidade maior que o local escolhido e o planejamento e a execução das obras devem atender ao maior número de pessoas. Para mim, a mais complexa delas são os corredores de ônibus. Por outro lado, infelizmente, a população não está preparada para receber a melhoria que o transporte público pode trazer para o município. Nesse ponto, é preciso fazer uma reflexão: quando o transporte público não atende a demanda, as pessoas buscam alternativas para transitar no município. Hoje, Ribeirão Preto é a cidade das motos. Por quê? É de fácil custo e manutenção. Em contrapartida, temos mais de 50% dos óbitos no trânsito com motociclistas, um modal com grande risco de acidente. 

O que é preciso para conscientizar a população sobre a prudência no trânsito?

É necessário parar para pensar: ao fazer compras no centro, por exemplo, utilizando o carro é um tanto sofrido, pois existe o custo de estacionamento e risco de acidente. Com a melhoria no transporte público essa ação fica mais simples e prática, o custo pessoal é reduzido e, dessa forma, acredito até no aumento de pessoas circulando pelo Centro. Em Curitiba, grande parte da população que possui padrão aquisitivo elevado opta por esse modal. E por que não acontece isso em Ribeirão Preto? Apresente-nos um transporte público de qualidade que podemos iniciar a mudança na mobilidade urbana.

Depois de concluídas as obras, quais as principais melhorias para a população de Ribeirão Preto?

As obras devem trazer mais facilidade e alternativas de escolha para a população. Um exemplo gritante é a implantação de ciclovia integrada. As pessoas acreditam que a ciclovia é apenas para ciclistas. Engano total! É opção, também, para que as pessoas comecem a utilizar esse modal, inclusive, para viagens no dia a dia. Esse formato de transporte só tem benefícios a oferecer para a população: ganho na saúde por meio da atividade física, segurança, melhora no fluxo de transito, redução da poluição, entre outros. Não entendo o motivo de não investir em ciclovias na cidade. 

Em sua opinião, é possível encontrar soluções para um transporte público eficaz?

Ainda estamos no início das ações para a solução do transporte público na cidade com a implantação da faixa exclusiva de ônibus que diminui o tempo gasto entre as viagens.  Porém, outras ações integradas serão necessárias: pontos de espera adequados, integração, melhoria na qualidade da frota (ar-condicionado), entre outras.

Temos bons exemplos mundo afora onde a mobilidade realmente é eficaz. A diversidade de modais disponíveis e a facilidade de acesso é a principal característica da mobilidade urbana em Berlim, por exemplo. Lá, trens, ônibus, metrôs, carros e bicicletas circulam em harmonia. Como aplicar este modelo às ruas de Ribeirão Preto?  

Ribeirão Preto tem um grande potencial de se transformar em referência em Mobilidade Urbana, porém é necessário que o poder público entenda a necessidade de realizar ações direcionadas exclusivamente à população. Esse é o conceito de grandes cidades que se destacam em mobilidade urbana. Temos pontos na cidade que estão defasados em termos de planejamento e investimento, como, por exemplo, o bairro Ribeirão Verde. Desde a construção do bairro sempre se soube da dificuldade em manter apenas um acesso, entretanto, foi construído dessa forma. Por que, então, não foi pensada a adequação no início da construção do bairro? O investimento realizado no local não atende totalmente a população. É necessária a construção de um novo acesso com todas as melhorias e alternativa de mobilidade dos dias atuais.

O que falta, então, para a cidade se tornar exemplo para outras regiões?

Infelizmente não existe sinergia entre o poder público e a população. Os estudos realizados para implantação e definição das obras devem ser compartilhados para serem eficazes tanto em relação aos custos como para qualidade de vida dos moradores. É necessária a integração de diversos setores, entre eles, Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto (Daerp), para a eficácia dos projetos, evitando, assim, o retrabalho da manutenção de ruas e avenidas do município. Essa manutenção, inclusive, é uma situação delicada que merece tratativa diária, uma herança das últimas gestões do poder público que afeta diretamente todas as pessoas. A integração deveria ser prevista para minimizar riscos maiores de acidentes, principalmente com motociclistas.

Ribeirão Preto possui mais de meio milhão de veículos nas ruasÉ possível afirmar que o surgimento de novos bairros em diversas áreas da cidade contribui para o aumento de veículos nas ruas da cidade?

Os projetos estão voltados, também, para essas regiões? Infelizmente, não. Depois que o problema se estabelece e impacta na vida das pessoas, o poder público planeja as ações de melhorias. A promoção da mobilidade urbana compreende a construção de um sistema que garanta e facilite aos cidadãos o acesso físico às oportunidades e às funções econômicas e sociais das cidades. Trata-se de um sistema estruturado e organizado que compreende os vários modos e infraestruturas de transporte e circulação e que mantêm fortes relações com outros sistemas e políticas urbanas. Sinais e reflexos do crescimento econômico são visíveis em localidades, cidades e metrópoles brasileiras em várias regiões. É preciso ter planejamento e foco. 

Uma pesquisa divulgada pela Deloitte Consultoria mostrou que 56% de jovens entre 18 e 36 anos não pretendem ter carro próprio no futuro. Em sua opinião, qual o impacto dessa realidade na Mobilidade Urbana das cidades?

A escolha do meio de transporte está relacionada ao estilo de vida das pessoas. Hoje, o compartilhamento e, principalmente, o transporte por aplicativo, são tendências que vieram para ficar e têm agradado, principalmente, aos jovens, muito em razão de agilidade, segurança e facilidade em transitar. O custo de manter um veículo pesa na escolha do jovem. Entretanto, as cidades devem investir em projetos de mobilidade e oferecer alternativas para que o cidadão escolha a melhor forma de transitar seja por ciclovia (integrada), transporte público de qualidade ou bicicletas compartilhadas, que já são realidade em várias cidades do país. Entendo que a escolha dos jovens depende da estrutura da cidade. Em Ribeirão Preto, por exemplo, hoje temos pouca escolha se não utilizar os carros ou motos. Está acontecendo uma mudança importante na concepção de quem busca mais qualidade de vida e quer passar menos tempo no trânsito. 


Texto: Cristiane Araujo | Fotos: Luan Porto

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