“O trânsito é feito de pessoas”

“O trânsito é feito de pessoas”

Anderson Manzoli, engenheiro, especialista em Engenharia de Transportes avalia a qualidade do trânsito em Ribeirão Preto

Um trânsito mais humanizado significa um ambiente viário que coloca as necessidades e segurança das pessoas em primeiro lugar, sejam elas condutores de veículos ou pedestres. O respeito mútuo e a acessibilidade devem ser respeitados. Isso passa por uma infraestrutura adequada, transporte público eficiente, sinalização compreensível, educação, fiscalização e aplicação correta das leis. Sendo assim, se faz necessário, portanto, considerar todos os aspectos para garantir a qualidade de vida dos usuários da via. É o que salienta Anderson Manzoli, engenheiro, especialista em Engenharia de Transportes e professor no Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto. 
 

Qual sua avaliação sobre o trânsito de Ribeirão Preto? A maioria das cidades brasileiras, principalmente capitais e grandes centros urbanos, tende a ter um tráfego muito intenso, principalmente nos horários de pico, e sofrem com problemas de infraestrutura e falta de sinalização adequada, além de excesso de veículos. Geralmente isso ocorre por ausência de planejamento urbano e falta de projetos para lidar melhor com esse grande fluxo de carros. Em Ribeirão Preto, especialmente no período da manhã e final da tarde, são comuns os congestionamentos nas principais avenidas da cidade como a Presidente Vargas, a 13 de Maio e a Castelo Branco. Isso ocorre por falta de planejamento da infraestrutura para lidar com esse aumento no número de veículos e também porque houve muita demora em um trabalho de melhoria do sistema de transporte público levando à diminuição no número de veículos, especialmente carros, nas ruas. 
 

Existe um privilégio maior ao motorista em detrimento do pedestre? A forma como a vida foi planejada privilegia o uso do transporte individual que é o carro. Atravessar algumas avenidas movimentadas é extremamente desafiador para o pedestre, especialmente quem tem algum tipo de mobilidade reduzida. Em vez de se construir cidades para pessoas, infelizmente se pensou em construir cidades para carros. Não são os carros que fazem a maior parte de movimentação de pessoas, apesar de ocuparem a maior parte dos espaços. O transporte público, a pé ou de bicicleta somam uma quantidade maior de movimentação de pessoas. Os problemas vão além como calçadas estreitas, falta de rampas para acessibilidade, buracos em vias e outros que dificultam a locomoção das pessoas pela cidade.
 

Falta sinalização, orientação ou conscientização aos condutores?

 

É preciso entender que o espaço público é de todos nós e não um espaço de ninguém. Muitas vezes a pessoa sai de casa com o objetivo fixo de chegar a outro ponto da cidade e esquece que, para fazer essa movimentação, vai interagir com outras pessoas, socializar, dividir um espaço coletivo. Essa negligência gera atitudes incoerentes. É preciso atualizar os cidadãos sobre as leis de trânsito e conscientizá-los sobre um comportamento seguro ao dirigir, lembrando que o trânsito é feito por pessoas e é necessário um pouco de empatia é importante. Muitas vezes o trânsito é utilizado como medidor da saúde da população. Uma população muito agressiva no trânsito está socialmente adoecida. Uma das medidas fundamentais é educar as crianças para que cresçam com essa informação de que o trânsito pede prudência, respeito à sinalização, às regras e ao próximo. 


Qual sua opinião sobre a mobilidade?

 

Há incentivo em utilizar o transporte público e reduzir o número de carros nas ruas? A ideia de melhorar a mobilidade é justamente essa. Temos um limitador que é o espaço físico, não temos espaço para todo mundo utilizar seu carro em um determinado horário. Se isso acontecer, a cidade para. É necessário ter alternativas, principalmente na área de transporte público. Na maioria das vezes a pessoa não quer o carro, ela quer o serviço, se deslocar do ponto A para o ponto B. Um transporte público de qualidade e acessível, inclusive financeiramente, atrai as pessoas e faz com que muita gente deixe de utilizar o carro, reduzindo o número de veículos nas ruas. Mas para isso ele tem que ser bom, barato e atrativo. Por isso órgãos públicos devem fazer esforços e investimentos constantes na área da mobilidade. 

 

Essa seria uma das soluções para um trânsito mais humano e organizado?

 

Um trânsito mais humano parte das nossas próprias relações sociais. O uso excessivo das redes sociais e do celular, por exemplo, gera um certo individualismo e um esquecimento desse espaço público que é de todos. É necessário investir em relações sociais melhores, no respeito à legislação e em um comportamento mais ético no trânsito. Leis devem ser seguidas, mas ainda são negligenciadas. Excesso de velocidade, por exemplo, é uma das principais causas dos acidentes.

 


Foi divulgada recentemente uma redução no número de mortes no trânsito em Ribeirão Preto na ordem de 16%. Qual sua opinião sobre isso?

 

Toda vez que a fiscalização aumenta há resultados positivos nos números. Há 20 anos não era obrigatório uso do cinto de segurança e os índices de violência nos acidentes eram altíssimos e com muita gravidade. A obrigatoriedade do uso do cinto trouxe polêmica com um processo de convencimento da população. A fiscalização foi eficiente, reduziu-se o índice de gravidade dos acidentes e não apenas porque também os carros melhoraram em qualidade com airbags etc. O cinto de segurança salvou muitas vidas. Uma fiscalização bem-feita, nos locais e horários corretos, ajuda a inibir transgressões e a diminuir os índices de acidente no trânsito.

 

 

Estudos apontam que os principais agentes causadores de acidentes são os motociclistas. Como o senhor vê o comportamento deles no trânsito e o que poderia ser feito para reduzir o número de ocorrências e vítimas?

 

O primeiro deles é justamente uma fiscalização efetiva, aplicando multas e penalidades para infrações muito comuns como ultrapassagens indevidas, excesso de velocidade, falta de uso de equipamento de segurança. Isso leva o condutor a enxergar a necessidade de se adequar ao correto uso do espaço público. As leis de trânsito são para todos. Há ainda a conscientização com campanhas educativas direcionadas a esse público enfatizando a prudência na direção, inclusive para se proteger porque, perto dos carros, o motociclista é o mais frágil. É importante também aprimorar o treinamento e capacitação no processo de habilitação do condutor com cursos mais incisivos quanto a direção defensiva, técnicas de pilotagem segura, manutenção preventiva da moto.

 

Qual sua opinião sobre o Plano de Mobilidade Urbana que foi aprovado recentemente?

 

Toda melhoria na infraestrutura do transporte público, principalmente em uma cidade como Ribeirão Preto, é bem-vinda, reduzindo a quantidade de carros e congestionamentos, diminuindo a poluição, melhorando a qualidade do ar, aumentando inclusão social e a acessibilidade. Se bem aplicado, o plano de mobilidade dá às pessoas motivo para deixar o carro em casa e utilizar esse modal. 

 

O senhor acredita que falta conscientização aos condutores e pedestres sobre sua postura no trânsito? Ou fiscalizações com punições como multas são mais eficientes?

 

É preciso que ambos caminhem juntos, mas o ideal é a conscientização de condutores e pedestres. Devemos nos lembrar que, antes de tudo, estamos falando de pessoas, de vidas que devem ser respeitadas e que os espaços são de todos nós. Atitudes como dirigir alcoolizado, excesso de velocidade, uso do celular são causadoras de acidentes. Educação faz toda a diferença. Se as pessoas forem educadas desde pequenas a conhecer e respeitar as leis de trânsito, elas se tornam adultos conscientes e o reflexo estará na redução do número de acidentes e vítimas. Muitas vezes a criança está sentada no banco de trás do carro, observando o comportamento dos pais que ultrapassam em local perigoso, furam o sinal vermelho, brigam no trânsito. Elas acabam assimilando aquelas atitudes. Os adultos devem dar bons exemplos. Aliado a isso, cabe ao poder público investir na fiscalização. Para muita gente só funciona quando dói no bolso. Quem sabe no futuro, quando houver mais empatia e ética nas relações sociais, a punição se torne menos necessária.


Foto: Luan Porto

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