'Oceano' ameaçado
Lagoa do Saibro é uma das áreas de preservação da zona Leste visando a recarga do Aquífero Guarani

'Oceano' ameaçado

Comparado a um 'oceano' subterrâneo e responsável por 100% do abastecimento de água em Ribeirão Preto, Aquífero Guarani segue fornecendo mais do que recebe pela falta de conservação eficiente de suas

Daqui 50 a 100 anos, Ribeirão Preto terá que lidar com a inviabilização total do uso da água subterrânea para abastecimento público, caso as políticas públicas de conservação das áreas de recarga do Aquífero Guarani sigam influenciadas, ainda que indiretamente, por interesses econômicos em detrimento do social e do ambiental. A previsão é do engenheiro, administrator e advogado com doutorado em Gestão e Instrumentos de Política Ambiental e das Águas Marcelo Pereira de Souza, professor titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo), também atuante em Avaliação de Impacto Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental, Zoneamento Ambiental e Avaliação Ambiental Estratégica.


Responsável por 100% do abastecimento de água em Ribeirão Preto, o Aquífero Guarani é considerado o maior reservatório subterrâneo de água da América do Sul, sendo responsável por abastecer centenas de cidades brasileiras e até algumas estrangeiras – na Argentina, Paraguai e Uruguai – tanto para consumo humano quanto para atividades produtivas. Segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta, ocupa uma área de 1,2 milhão de km, dos quais 70% estão no Brasil. “É uma espécie de oceano de água doce embaixo da terra, só que localizado dentro de rochas porosas”, compara Marcelo de Souza.



O professor universitário e doutor em Gestão e Instrumentos de Política Ambiental e das Águas Marcelo Pereira de Souza

 

Como mostra o livro “Urbanismo e Urbanização em Ribeirão Preto: história e desenvolvimento”, assinado por nove autores, entre engenheiros, arquitetos, historiadores e outros profissionais familiarizados com o tema, os interesses econômicos prevalecem nas decisões de ocupação e uso do solo desde a formação do município, o que fez com que seu crescimento fosse determinado, majoritariamente, pela especulação imobiliária. Para seu idealizador e co-organizador, o arquiteto-urbanista ribeirão-pretano Rodrigo de Faria, a tendência permanece até os dias de hoje, em detrimento do interesse público.


E o que a preservação do Aquífero Guarani tem a ver com o uso do solo? A resposta é: tudo! Porque a manutenção dessa reserva subterrânea depende de haver reposição permanente da água, o que se dá por meio da infiltração das chuvas através do solo. Acontece que essa reposição só pode ocorrer nas chamadas áreas de recarga, que possuem uma camada permeável de solo. E a infiltração só ocorre se este solo não for impermeabilizado por asfalto, por exemplo.


De acordo com a Secretaria de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Saerp), a cidade conta com uma região aflorada do manancial concentrada na região Leste e minimamente na região Norte, correspondendo a quase 30% do Aquífero sob Ribeirão Preto e a 22% da área do município. Na zona de afloramento é evidenciada uma recarga, visto que o manancial se encontra aproximadamente 60 metros abaixo da superfície do solo. “Nos poços desta região não se verificam rebaixamento do nível freático, apontando a recarga. Outrossim, nesta zona, os últimos estudos apontaram uma redução do nível freático do manancial em 70 metros, nos últimos 50 anos”, informa a pasta em nota. 


A zona Leste de Ribeirão é adensada por bairros que vão desde o Jardim Paulista, próximo ao Centro, até os mais periféricos, como Jardim Manoel Penna, por exemplo. De acordo com Marcelo, que participou de estudo realizado há seis anos, envolvendo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Ministério Público de Ribeirão Preto, empreendedores, associações ambientalistas, universidades e institutos de pesquisa, para que a recarga ocorra de forma eficiente nesta região, no mínimo 35% do solo deve ser mantido permeável – leia-se ambientalmente preservado –, sem contar os 5% de área institucional obrigatórios por lei. Mas isso não ocorre atualmente.
Questionada sobre o assunto, a Prefeitura confirmou, por meio da Secretaria Municipal de Planejamento, que “a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LC3175/23) estabelece parâmetros de reserva de espaços livres de uso público (Áreas Verdes e Sistemas de Lazer) em processos de parcelamento de solo de 35% da área de empreendimentos, que devem ser mantidos permeável”, mas não esclareceu se isso é cumprido. Acrescentou que, para lotes situados nesta Zona Urbana Especial (ZUE), a taxa de permeabilidade exigida é de 15% para terrenos com até 250m² e de 20% para demais lotes. “Tais condicionantes são exigidas durante os respectivos processos de licenciamento junto a esta Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano”, informou.

FRAGILIDADES


Ainda segundo o ambientalista Marcelo Pereira, a zona Leste de Ribeirão Preto tem uma série de fragilidades ambientais a dificultarem a recarga do aquífero, como bacia endorreica – onde não há escoamento da água quando chove. “A zona Leste é uma área com características ambientais completamente diferentes, que requer um olhar específico”, comenta Marcelo, chamando a atenção também para o fato de a região ter ocupações de baixo poder econômico, onde a qualidade da infraestrutura de água e esgoto deixa a desejar. “É comum ter vazamento e vermos esgoto espirrando para tudo quanto é lado. O pior é o esgoto que rompe e começa a infiltrar, contaminando a água subterrânea”, alerta. 


Além de tudo isso, Ribeirão Preto ainda deve 150 quarteirões de áreas verdes públicas não implantadas só na zona leste, de acordo com Marcelo. “Isso é omissão!”, acusa ele, emendando que entre as que já existem há muitas sem manutenção. E a saúde das áreas verdes é essencial para garantir uma permeabilidade eficiente nas áreas de recarga. Questionada, a Prefeitura respondeu, por meio da Secretaria Municipal de Planejamento, que “está sempre empenhada em buscar maneiras de melhorar as condições ambientais do município e soluções sustentáveis para questões relacionadas à permeabilidade urbana e ao meio ambiente”. 


Alternativa? 

Em julho de 2023 foi anunciado o primeiro passo para o projeto de captação da água do Rio Pardo, em Ribeirão Preto. O Projeto Pardo foi apresentado por técnicos da Saerp em um evento na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP). A primeira etapa consiste na elaboração de um projeto e a realização de estudos de viabilidade. Essa fase terá o custo de R$ 3,1 milhões e deverá ser executada em até nove meses. Desse montante, R$ 2,9 milhões serão financiados via Caixa Econômica Federal, com contrapartida de R$ 189 mil da Prefeitura. A partir desses estudos, serão definidas as principais diretrizes do projeto executivo, bem como o valor global. A expectativa é que o projeto executivo seja estruturado entre 2024 e 2026, e as obras ocorram entre 2027 e 2030. Até essa data, Ribeirão Preto segue totalmente dependente do abastecimento via Aquífero Guarani.


Mais dados sobre o Aquífero Guarani


• Foi nomeado em homenagem ao povo guarani, indígenas que até a chegada dos colonizadores de origem europeia, no século 16, ocupavam grande parte do território do aquífero;
• Tem volume de aproximadamente 33 mil km³;
• Possui profundidade máxima por volta de 1.500 metros;
• A população atual do domínio de ocorrência do aquífero é estimada em 15 milhões de habitantes.
• Tem uma espessura média de 250 metros;
•  Sua capacidade de recarregamento é de estimada em aproximadamente 160 km³ ao ano por precipitação (chuvas). 

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