ONG ribeirãopretana leva projeto social de Interação Assistida com Animais a instituições

ONG ribeirãopretana leva projeto social de Interação Assistida com Animais a instituições

Pacientes e educandos com necessidades especiais interagem com cães na Somar Inclusão

A tarde transcorria anormalmente fresca para um dia de janeiro em Ribeirão Preto quando a reportagem chega à clínica e centro educacional Somar Inclusão para acompanhar sua primeira sessão de cãoterapia – termo simplificado para Intervenção Assistida com Animais (IAA), técnica que os utiliza como facilitadores de atividades nos campos de saúde e educação, com objetivos terapêuticos em humanos. No caso do projeto social Dr. Cãopaixão, os agentes facilitadores são cães sem raça definida adestrados para a função.


Logo à entrada, a equipe é saudade pela adulta especial Rafaela Costa da Silva, 26 anos, ansiosa por apresentar Homero, um dos quatro “terapeutas” peludos escalados para o dia. Chama a atenção a desenvoltura com que todas as crianças e adultos especiais interagem com os cães, pois sabemos haver entre eles diagnosticados com síndromes que têm entre suas características uma aversão inata ao toque e á socialização – caso do espectro autista. 


A fonoaudióloga Deise Alves dos Santos: animais reduzem ansiedade nos atendidos

 

A casa mantém as sessões semanais de Cãoterapia para parte de seus 100 atendidos há cerca de cinco anos. Segundo a fonoaudióloga e sócia do local, Deise Alves dos Santos, os ganhos extrapolam as sessões, reduzindo a ansiedade e o estresse dos pacientes e educandos, trabalhando a autoestima e a parte sensorial. “Além de prover alegria na interação com pessoas que não são do cotidiano deles, ainda tem a parte de pentear cabelo, escovar dentes, tomar banho, que os voluntários simulam nos cães e acabam sendo modelos para eles. Ou seja, se o cachorro escova os dentes, ele também vai escovar”, exemplifica.

A odontopediatra Marina Nogueira atende aluno especial com o vira-lata Homero ao colo

 

A sessão seguinte foi no Recanto do Vovô, instituição de longa permanência para idosos onde encontramos o aposentado Sebastião Amauri Fernandes entre os primeiros a se acercarem dos visitantes peludos. “Sempre gostei de cachorro. Tinha desde menino. Quando montei minha casa, arrumei logo um. Quando morriam, eu arrumava outro. Esses cachorros que vêm aqui são ensinados e trazem muita alegria, muita coisa boa, me sinto melhor com eles por perto”, declarou.


Para Aline Aparecida Caetano, auxiliar de enfermagem gestora e responsável pelo Recanto, é comum as sessões com cães despertarem lembranças nos internos, mas o que é mais ativado é o afeto. “As sessões são realmente uma terapia para eles, que estampam felicidade na hora. Outra coisa positiva é o ativamento da socialização entre os idosos após uma sessão”, afirma. Ainda segundo a gestora, a cãoterapia também alivia as reações dos idosos à chamada Síndrome do Entardecer, sintoma de agitação desencadeado em alguns quadros de demência. 

Benefícios


De acordo com a artista plástica e vice-presidente da ONG Cãopaixão, Mércia Bologna Soares de Oliveira – vulgo Meca –, as sessões de consistem, basicamente, na interação entre humanos e os cães. “O contato com os animais produz alegria e hormônios importantes para geração de felicidade e prazer. É cientificamente comprovado esse benefício, especialmente naquelas pessoas com o perfil que trabalhamos. Os resultados são fantásticos!”, afirma Meca, que trabalha com cães desde sempre. Teve animais diversos enquanto crescia, na fazenda de sua família e, adulta, passou a criar cães da raça pastor alemão, com pedigree, para exposição, junto com o ex-marido. Há cerca de 40 anos, quando era apenas voluntária na Cãopaixão, conheceu Luís André Jacinto, exímio adestrador com quem manteve amizade e parceria de décadas, até ele falecer, em setembro do ano passado.

 




A gestora do projeto Dr. Cãopaixão, Mércia Soares de Oliveira

 

A dupla descobriu a IAA em 2015 e imediatamente começa a estudar o assunto. Ambos fizeram cursos no Ibetaa (Instituto Brasileiro de Educação e Terapia Assistida por Animais) e, ao longo de dois anos, resgataram, reabilitaram e adestraram animais para atuarem na técnica. Em 2017 fizeram a primeira visita com eles ao Lar Padre Euclides e não pararam mais. Hoje a Dr. Cãopaixão é um projeto social gerido por Meca, que visita locais que os solicitam como voluntários, sem nenhuma cobrança. “André e eu mantínhamos isso com recursos próprios, como sigo fazendo agora sem ele”, diz ela. 


Atualmente, a entidade conta com o trabalho de 20 voluntários, entre eles Luís Felipe – filho de André – e a veterinária Bianca Shimizu, da clínica FrancisCão. O projeto mantém 20 cães, entre animais de terapia e de treinamento para demonstrações. Todos chegaram com traumas causados por maus tratos, atropelamento ou agressão e foram tratados e reabilitados. Segundo Meca, nem todo cão tem perfil para atuar como facilitador na interação assistida. O requisito principal é ser dócil. Mesmo assim, o animal tem que passar por adestramento e, em seguida, por treinamento especial para que se mantenha impassível ante situações adversas. “Porque pode acontecer dele ser agredido por uma criança assustada, por exemplo. O cão tem que se manter calmo até se alguém puxar sua orelha”, exemplifica.


Além de idosos, crianças e adultos especiais, a ONG leva sessões a deficientes visuais, pessoas acamadas, em situação de risco e de drogadição.

Distração e calma

No consultório odontológico do Centro Ann Sullivan Brasil Ribeirão Preto, que atende pessoas com deficiência, três crianças entram vacilantes, olhando desconfiadas para a cadeira da odontopediatra Marina Nogueira. Convidados a acariciar o vira-lata Homero, já presente, elas vão, aos poucos, desanuviando suas expressões. No mais entusiasmado dos dois meninos, ela muda para encantamento. A menina mantém-se séria, mas é evidente que já não tem medo. No mais jovem deles, aplacar a fobia é mais difícil, mesmo com sua avó ao lado dizendo frases de carinho.


Aos poucos, dentista e voluntários da Cãopaixão conseguem distraí-lo o bastante para colocá-lo na grande cadeira, com o cão Homero deitado em seu colo. Mas basta Marina iniciar o exame bucal, com toda paciência e ludicidade possíveis, para o choro do menino começar. Mesmo choramingando ele se deixa atender, distraído pelas carícias que faz no cachorro. Terminado o atendimento, a odontopediatra garante que, não fosse o projeto de Atividade Assistida por Cães, que a Cãopaixão conduz no Centro desde 2019, sequer teria conseguido colocar a criança na cadeira odontológica. 


O idoso Sebastião Amauri Fernandes interage com ‘terapeuta peludo’

 

Para Marina, mais do que calmante, o cão exerce um efeito de distração sobre a criança especial, tirando o foco do atendimento. “O cachorro, no primeiro contato, também desperta ternura e incentiva sentimentos de compaixão e carinho. Isso já muda o ambiente do atendimento odontológico, que normalmente é tenso”, conclui Marina. 


Fotos: Luan Porto

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