Orçamento recorde

Orçamento recorde

Cerca de R$ 5 bilhões estão previstos na proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) de Ribeirão Preto para 2024; especialistas analisam a gestão desses recursos

Estamos otimistas, mas cautelosos”. A declaração é do secretário da Fazenda de Ribeirão Preto, Afonso Reis Duarte, a respeito dos quase R$ 5 bilhões de arrecadação previstos na proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. Segundo ele, esse valor (exatos R$ 4.866.887.002,00) pode ser considerado um recorde, “a maior proposta orçamentária que o município já teve”, afirma. O montante representa a estimativa de receitas da Administração Direta, Indireta, Autarquias e Fundações. De acordo com o secretário, também resulta do aumento da arrecadação e do saneamento das contas públicas, com ações iniciadas em 2017, no início da administração do prefeito Duarte Nogueira (PSDB), para pagar dívidas que o município acumulava com fornecedores, reduzindo, desta maneira, as dívidas públicas e, sobretudo, as dívidas de custeio, aumentando consequentemente as possibilidades de investimento.


“Os parâmetros utilizados levam em conta a arrecadação de anos anteriores, a inflação, o potencial de crescimento da economia (PIB), ampliação da base de cadastros de imóveis e de aberturas de empresas, ações fiscais e tributárias, nível de emprego, inadimplência, operações de crédito, dentre outras análises que resultaram numa projeção de 9% para os impostos e de 12,9% no total geral em relação a 2023”, ressalta o secretário.
Para Luciano Nakabashi, professor doutor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEARP-USP), os quase R$ 5 bilhões previstos no orçamento do próximo ano representam um valor bastante expressivo e relevante, mas isso deve ser visto com certo distanciamento. “Uma estimativa pode ser frustrada, por isso, pede-se muita cautela ao olhar estes números. Daí a importância da transparência, além de um planejamento sério e real”, enfatiza.


A Lei Orçamentária Anual (LOA) é um dos instrumentos legais de gestão pública de aplicação dos recursos. Há ainda a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que aponta as prioridades do município para o ano seguinte e o Plano Plurianual (PPA), que é o planejamento de longo prazo do município. Todos estes instrumentos de gestão guardam relação direta entre si e são aprovados e fiscalizados pelo Legislativo Municipal, sociedade civil organizada, Tribunal de Contas e Secretaria do Tesouro Nacional, entre outros. 

 

Distribuição dos recursos


A distribuição dos recursos da LOA levam em consideração três áreas prioritárias: saúde, educação e assistência social. Segundo a Secretaria de Fazenda de Ribeirão Preto, no caso da saúde, a aplicação constitucional é de 15% da Receita Total de Impostos. No entanto, a previsão é aplicar 35%, o que representa R$ 894.411.460,00, ou seja, 133% a mais do que a determinação legal.


Na educação, a aplicação constitucional é de 25% da Receita Total de Impostos, mas a previsão da Fazenda é aplicar 32%, o que representa R$ 827.411.460,00. “Superamos as expectativas iniciais criadas a partir da realidade encontrada no início da gestão. Começaremos a utilizar este orçamento priorizando as demandas principais de cada área”, frisa o secretário Reis Duarte.


Para o economista Luciano Nakabashi, investimentos para a universalização dos serviços de saúde e educação têm como meta de longo prazo reduzir desigualdades de renda e permitir aos mais carentes a acesso a estes serviços. A saúde, por exemplo, tende a exigir cada vez mais recursos, uma vez que a população está envelhecendo, o que leva a uma demanda maior que a oferta. “Outras áreas relevantes de investimento são a segurança pública, que no Brasil se mostra essencial e está relacionada à educação. Essa, por sua vez, permite uma melhor formação, colocação no mercado de trabalho e a consequente distribuição de renda, impactando, lá na ponta, na redução das desigualdades e violência”, explica o professor. 


Infraestrutura e meio ambiente são outras áreas apontadas por ele como relevantes. “Temos que discutir como sociedade o que queremos, porque não dá para fazer tudo”, salienta. Para Claudia Passador, professora do Departamento de Administração da FEARP-USP, os investimentos dos recursos públicos devem ter como foco a melhora da qualidade de vida dos cidadãos. Podem estar ligados à saúde, como a construção de mais postos de saúde, por exemplo, ou à infraestrutura com a ampliação no número de pontos de ônibus. 


“Há uma gama de serviços oferecidos pelos gestores e, quanto mais qualidade essa administração tiver, bem como a eficiência no direcionamento dos recursos, necessariamente haverá uma melhor oferta no serviço público”, observa a professora, que é também uma das coordenadoras do GPublic – Centro de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas.


“Hoje existe uma discussão sobre a qualidade de investimento do dinheiro público. Se gasta bem esse montante quando ele chega para um maior número de pessoas de um município. Toda gestão pública deve se basear justamente nisso, elevar a qualidade do gasto. Na destinação dos valores, as prioridades são a saúde e a educação, mas o município pode ponderar investimentos em outros setores como as áreas verdes, por exemplo. Toda essa discussão é alinhada por meio de instrumentos como o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Por trás dessa organização, há ainda as demandas sociais. Isso é o que deveria funcionar não apenas no papel, mas também na prática”, pondera.

 

Participação popular


As boas práticas na elaboração e aplicação dos instrumentos de gestão incluem uma efetiva participação popular que deveria acontecer por meio das audiências públicas, envio de contribuições e sugestões aos órgãos gestores e iniciativas como, por exemplo, o Programa Prefeitura Perto de Você, realizado pela Prefeitura de Ribeirão Preto, onde prefeito e secretários visitam semanalmente bairros da cidade para ouvir as demandas da população. O secretário da Fazenda avalia como significativa a participação no programa que já visitou nove bairros do município.


Na opinião do economista Luciano Nakabashi, a participação dos cidadãos, seja em Ribeirão Preto ou em outras cidades do país, e essencial, mas ainda pode ser considerada pequena. “A sociedade brasileira é pouco engajada, é uma questão histórica. Existe uma reclamação muito grande, mas, por outro lado, há um envolvimento muito pequeno nestes espaços de discussão das políticas públicas. A sociedade deveria preencher mais os espaços abertos para ela. Muitas vezes a pessoa sequer se lembra do seu último voto, então como vai cobrar do seu representante?”, questiona. “Não existe essa cultura da cobrança, da fiscalização popular. Espera-se muito do setor público, mas muitas vezes também não se faz nada como cidadão”, conclui.


Cobrança, fiscalização e transparência também são medidas apontadas por Claudia Passador como importantes para alcançar eficiência na elaboração e aplicação dos recursos públicos. Segundo ela, cabe aos representantes do cidadão no Legislativo debater, priorizar, recomendar e, ao mesmo tempo, legitimar as decisões do Executivo. 


“Não podemos nos esquecer que essas prioridades e metas são elaboradas após a realização de audiências públicas nas diversas regiões da cidade. Quanto mais a população participa, quanto mais a Prefeitura ouve essa população, mais esse conteúdo será incorporado no PPA, na LDO e na LOA. Quanto mais os vereadores debatem, questionam, verificam e fiscalizam esse orçamento, maiores as chances de se gastar o recurso público de maneira responsável”, pontua. “Hoje toda gestão pública deve se basear, justamente, nessa tentativa de elevar a qualidade do investimento para que isso reflita na melhoria da qualidade de vida da população”, conclui. 


Foto: Guilherme Sircili

Compartilhar: