
Os caminhos para investir
Mesmo com um perfil predominantemente conservador em termos de aplicações no mercado financeiro, os brasileiros têm buscado informações para diversificar as aplicações e, assim, potencializar a renda
De acordo com dados divulgados recentemente pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o volume total de dinheiro investido pelos brasileiros em aplicações financeiras somou R$ 3,3 trilhões em 2019, o que representa um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Alavancado pelo cenário macroeconômico estável, pelas quedas nas taxas de juros e pela inflação controlada, entre outros fatores, esse foi o maior crescimento percentual registrado desde 2015. Entre os investidores iniciantes, a preferência continua sendo pela poupança. A modalidade, mais conservadora, recebeu R$ 783,2 bilhões no ano passado, alta de 7,2%. Os títulos de renda fixa, que possuem uma previsibilidade de rendimento e riscos controlados, também apresentaram avanço.
O que chama a atenção dos especialistas é o interesse da população por outros tipos de produtos, como os fundos multimercados, os fundos de ações e os fundos imobiliários, que são ativos de renda variável. Cada vez mais pessoas têm buscado informações sobre essas operações, com o intuito de diversificar a carteira de investimentos, elevar a rentabilidade e, assim, construir um patrimônio sólido e duradouro. Quando comparados aos países desenvolvidos, os números ainda são discretos, porém revelam um segmento com enorme potencial a ser trabalhado. Ingressar e se manter nesse universo não é tão difícil quanto muitos pensam, mas demanda certos cuidados. Na entrevista a seguir, Wagner Vieira discorre sobre os conceitos básicos do mercado financeiro. Com vasta experiência na área, o sócio fundador da BlueTrade, escritório que está entre as cinco operações mais relevantes da XP Investimentos em todo o Brasil, esclarece as principais dúvidas sobre o assunto e aponta algumas opções interessantes para cada perfil de investidor.
É verdade que o brasileiro tem uma postura conservadora em relação a investimentos?
Costumo falar que, no Brasil, essa conduta cautelosa é totalmente cultural e compreensível. Saber que o país viveu uma instabilidade monetária, econômica e política ao longo da década de 1990 é essencial para entender esse contexto. Você dormia com cruzado, amanhecia com cruzeiro. Tinha 1 milhão na conta e podia comprar uma mansão. Depois de um, dois ou três meses, com o mesmo valor, não tinha condições de adquirir um carro popular. A inflação era muito alta. Em alguns anos, chegou a 1.000%. Por isso, quando as pessoas conseguiam juntar um dinheiro, buscavam uma garantia e investiam, por exemplo, em imóveis, moeda forte no mercado nacional. Hoje a realidade é outra, com juros baixos e inflação controlada. Se nos últimos 50 anos a população brasileira cresceu mais de 400%, a perspectiva para os próximos 50 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de pouco mais de 10%. Portanto, a valorização do produto imobiliário, atualmente, não é a mesma do passado. Algo bem semelhante acontece com a poupança. A modalidade gera um rendimento abaixo da inflação, mas, tradicionalmente, passa essa sensação de segurança. Um dos principais fatores que contribuem para essa postura conservadora ainda é a falta de conhecimento. A matéria de mercado de capitais entrou nas grades das universidades de Economia e de Administração há pouco tempo. Temos um grande trabalho de conscientização a ser feito.
Para quem quer entender melhor o universo de ações, qual o primeiro passo?
O passo mais fácil e simples é procurar por um escritório de investimentos, com assessores que indicam as melhores opções de acordo com o perfil do cliente – conservador, moderado ou agressivo –, seja ações, fundo de ações, fundo de multi-mercados ou, até mesmo, renda variável. Outra alternativa é buscar conhecimento em cursos, palestras, livros e canais especializados, monitorando dados e acompanhando as notícias, o sobe e desce das ações em tempo real, para embasar as decisões a serem tomadas. Esse é um setor extremamente dinâmico, com diversas possibilidades e variações. Quando a taxa de juros estava em 14% ao ano, o investidor aplicava na renda fixa, cruzava os braços e ganhava 14%. Hoje, esse retorno é de, aproximadamente, 3% a 4% ao ano. É preciso se informar, pesquisar, manter-se antenado. O principal é que as pessoas mudem esse modelo mental engessado e limitado, abrindo espaço para novas oportunidades e novos produtos do mercado. Isso, com certeza, fará a diferença em longo prazo.
Qualquer pessoa pode investir? Existe um valor inicial?
Não há um valor estipulado. Hoje, uma ação da Petrobras, por exemplo, está por volta de R$ 29,00.
O investimento traz retorno a curto e médio prazo ou é algo sempre a se pensar em longo prazo?
Depende. Se a pessoa tiver um plano a ser concretizado em um ou dois anos, como comprar um imóvel ou abrir um negócio, pode investir os recursos em produtos com liquidez diária ou com prazos mais curtos. Não tem problema nenhum. Agora, prazo e taxa de economia sempre andam juntos. Não existe mágica no mercado financeiro. Se a ideia é que os investimentos rendam mais em um período curto, o investidor precisa arriscar. O retorno vem mais rápido, seja lucro ou prejuízo. Se a intenção é reduzir os riscos, o prazo deve ser prolongado para conseguir uma taxa melhor.
Quais são as modalidades de investimento mais procuradas?
Dentro da renda fixa, temos: Certificado de Depósito Bancário (CDB), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Debêntures e títulos públicos. Temos os fundos multi mercados, que mesclam renda fixa, ações, moedas e câmbio. Há, ainda, os fundos de ações, com 100% de ações de renda variável. Os fundos cambiais são procurados por pessoas que querem se proteger de uma alta do dólar. Enfim, esse é um universo gigantesco. A modalidade mais procurada, ainda hoje, é, sem dúvida nenhuma, a renda fixa. Como já disse, o brasileiro é conservador por natureza, mas isso, aos poucos, vem mudando. Lá atrás, quando a taxa de juros estava em 14%, 15% ao ano, não compensava correr risco na bolsa para ganhar 20%, 30%, já que os 14%, 15% eram garantidos. Agora, com o juro a 4,5%, o investidor tem adotado uma estratégia diferente e saído da zona de conforto. A cada dia, cresce o número de pessoas que buscam novas formas de aplicar o dinheiro, aceitando assumir certos riscos controlados. Notamos um aumento na procura por fundos multi mercados e até por ações.
É preciso ter regularidade nas aplicações?
Para aqueles que estão começando a investir, regularidade é fundamental. É preciso ter disciplina, poupar todo mês para, em longo prazo, conseguir viver de renda.
Vale a pena investir mesmo com a economia atual ainda sofrendo com os efeitos da crise financeira?
Passamos por dois anos de recessão, onde o Brasil, de fato, registrou Produto Interno Bruto (PIB) negativo. No entanto, já tivemos crescimento em 2019 e, para este ano, as projeções são favoráveis. O país ainda passa por uma instabilidade política, mas não por uma crise financeira. Não há mais uma insegurança monetária. O Plano Real completa 26 anos e a inflação está controlada. Estou muito otimista com o que está por vir. Temos o Paulo Guedes à frente da nossa economia, uma pessoa comprometida, que tem uma postura liberal e tem contribuído para o desenvolvimento do nosso país, buscando privatizar diversas companhias. Vejo um cenário positivo para o investidor que tomar um pouco mais de risco e aumentar sua posição em renda variável.
A questão da longevidade do brasileiro tem interferido nessa dinâmica?
Com certeza. Na década de 80, a expectativa de vida era de 60 anos, em média. Hoje, gira em torno de 75, 80 anos. Graças à evolução da Medicina, ao acesso a informação e à adoção de práticas saudáveis, o brasileiro tem vivido mais. Para aproveitar essa fase da melhor maneira possível, é preciso pensar no futuro o quanto antes e traçar uma estratégia adequada de gestão de renda, garantindo, assim, estabilidade econômica no decorrer dos anos. Temos um déficit de previdência pública, os custos na terceira idade são elevados e as pessoas, quando não se organizam, acabam gastando todo o patrimônio acumulado. Ao investir corretamente os recursos agora, lá na frente, podemos viver mais tranquilamente com o retorno dessas aplicações. Essa preocupação já é comum em diversos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, 95% da população ativa tem um assessor financeiro de confiança para administrar seus recursos. No Brasil, o número ainda é tímido: apenas 5% dos investimentos são feitos por meio de uma assessoria. Portanto, esse é um mercado com grande potencial de crescimento.