Os riscos da automedicação

Os riscos da automedicação

Tomar remédios por conta própria pode causar reações alérgicas, intoxicações e até overdose; profissionais da área da saúde alertam para a importância do uso correto de medicamentos

Tem dia que você sente aquela dor de cabeça e é muito comum já tomar um analgésico. Ou, então, percebe que seu filho está com tosse e administra para ele um xarope. Isso tudo sem prescrição e orientação médica.

 

Pode parecer algo corriqueiro, no entanto, a automedicação tem muitos riscos. Promovida pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICQP), a Pesquisa de Automedicação 2022 indicou que o número de pessoas que se automedicam no Brasil é de 89%.

 

O estudo alerta que recorrer a remédios irracionalmente significa consumir essas substâncias sem necessidade, pois medicamentos são insumos de proteção à vida, mas necessitam de racionalidade de uso. “A prescrição médica e o respeito ao tratamento reduzem os riscos de efeitos adversos”, destaca o ICQP. Além disso, a prática da automedicação é tão grave que se tornou um problema de saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).


A endocrinologista e professora nos cursos de Medicina do Centro Universitário Barão de Mauá e da Idomed, Larissa Cocicov Gyotoku, explica que automedicação é o amplo uso de remédios sem orientação ou prescrição médica, em geral acompanhado do desconhecimento dos potenciais malefícios associados.

 

“Dentre as consequências, podemos citar o risco de reações alérgicas, de intoxicação e overdose e de interação medicamentosa com outros fármacos de uso contínuo pelo paciente, podendo anular ou potencializar seus efeitos de forma indesejada”, detalha. Ela afirma que o alívio dos sintomas com o uso de medicamentos sem orientação médica pode mascarar e atrasar o diagnóstico de uma doença que, se não tratada corretamente, pode se agravar.

 

“No caso dos antibióticos, também temos o risco de selecionar cepas multidrogas resistentes responsáveis por infecções graves e potencialmente fatais”, ressalta. A médica avisa que o acúmulo de medicamentos nas residências favorece a prática da automedicação, facilita a ocorrência de confusão entre remédios, de armazenamento incorreto ou após a data de vencimento, levando à ineficácia do fármaco e até à ingestão acidental por crianças.

 

“Alguns pacientes possuem redução da função renal e hepática e necessitam de correções de doses dos medicamentos, uma vez que a maioria das drogas tem metabolização hepática e excreção renal. Portanto, a diferença de um remédio e de um veneno é a dose. Medicamentos precisam de quantidade, frequência e horários de administração corretos e devem sempre ser prescritos sob orientação médica”, reforça Larissa.


Ela ainda opina que, atualmente, as farmácias se tornaram supermercados, lugares de consumo exagerado, pouco supervisionado e estimulado pela publicidade. “As pessoas compram vitaminas e outros produtos aparentemente inofensivos que, se tomados sem orientação médica, podem não ter o efeito desejado ou até agravar seu estado de saúde. A automedicação corresponde a um entrave para diagnóstico precoce e correto das doenças e um risco oculto à segurança do próprio paciente”, previne a médica. Larissa também faz um alerta quanto ao consumo indevido de medicamentos como a Ritalina e o Zolpidem.

 

Ela explica que o metilfenidato (Ritalina) é um fármaco estimulante do sistema nervoso central, estruturalmente semelhante às anfetaminas, usado no tratamento de transtorno do déficit de atenção (TDAH) com possíveis efeitos colaterais, como dores de cabeça, insônia, labilidade emocional, tonturas e até casos graves, como surtos psicóticos e problemas cardíacos se usado sem supervisão médica.

 

Já o Zolpidem pertence ao grupo das imidazopiridinas, não-benzodiazepínicos, usado no tratamento de distúrbios do sono a curto prazo tem potencial de causar redução da libido, fadiga, irritabilidade e alucinações, dependendo da dose e da susceptibilidade de cada paciente. “São remédios com risco de dependência física e psíquica, principalmente se forem usados em doses incorretas ou por tempo prolongado, além do indicado pelo médico”, explica.


Complicações


Para o médico e professor do curso de Medicina da Unaerp, Tufik José Magalhães Geleilete, quando pensamos em riscos da automedicação, a maioria das pessoas pensa em reações alérgicas e complicações eventualmente fatais, mas existem outros problemas.

 

“Acredito que o mais frequente é quando o paciente modifica a posologia de uma medicação que lhe foi receitada reduzindo. Aí o problema é a falta do resultado do tratamento. Em situações de uso de antibiótico isso é crítico, porque o tratamento fica incompleto e pode ter complicações tardias, como problemas renais e cardíacos por uma infecção que não foi adequadamente tratada. O paciente reduz a dose do hipotensor ou de um hipoglicemiante e acaba não tendo o resultado esperado no seu tratamento de pressão e para o diabetes”, informa. 


Ele esclarece, ainda, que tem medicações que cortam o efeito de outras, como os anti-inflamatórios não esteroidais, (Diclofenaco, Nimesulida, Cetoprofeno, Meloxicam), que reduzem o efeito de diuréticos, atrapalham no controle da pressão, atrapalham no tratamento da essência cardíaca e pioram o quadro dos pacientes que têm doença renal.

 

“Tirar o efeito da medicação já é ruim, mas quando agrava a doença é dramático. Todo paciente com uma doença crônica (hipertensão, insuficiência cardíaca, diabetes, insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatoide) tem que conversar com o médico a respeito dos remédios que ele pode usar em caso de necessidade”, orienta.


O médico comenta que nem sempre as pessoas terão um médico para orientar em situações simples do dia a dia, como quando um paciente tropeça e bate a perna, por exemplo, está com dor, mas não aconteceu nada mais grave, ou, então, acorda no dia seguinte a uma festa com dor de cabeça e sabe que não é grave, mas está com desconforto e não vai procurar um médico por conta disso.

 

“Se essa pessoa tem uma doença crônica, é importante que já tenha conversado com seu médico sobre qual é o remédio que pode usar nesses casos. Mas, se o paciente tem pressão alta ou diabetes e desconhece essa situação, não vai poder usar a medicação do amigo, do pai, do irmão ou do vizinho para se tratar. É potencialmente perigoso usar um remédio para tratar uma doença porque você viu na internet ou porque seu vizinho está tratando”, adverte. Ele reforça que quem tem uma doença crônica e faz tratamento tem um risco mais acentuado na automedicação. “Para saber se tem alguma patologia ou não, todo mundo tem que fazer um exame periódico de saúde”, recomenda o professor.

 

Acompanhamentos de rotina


De acordo com a enfermeira, psicóloga clínica e professora de Saúde Mental do curso de Medicina da Idomed, Tatiana Longo Borges, a facilidade de aquisição dos medicamentos no Brasil contribui para a automedicação, até porque muitos remédios podem ser comprados sem receita. Para evitar essa prática, ela observa que é importante fazer check-ups, ou seja, acompanhamentos de rotina para a prevenção de doenças, além de buscar manter hábitos de vida saudáveis, com uma boa alimentação, sono restaurador, exercícios físicos e gerenciamento do estresse.

 

“Em caso de sintomas ou desconfortos fortes, é importante procurar as unidades de pronto-atendimento, que estão equipadas justamente para queixas onde não é possível aguardar uma consulta médica de rotina”, aconselha. Ela ainda evidencia que a automedicação pode trazer consequências severas, impactando não só a vida do indivíduo, mas também o sistema de saúde como um todo, visto que serão mais pessoas doentes para serem atendidas e com problemas de saúde.


Em relação ao uso indiscriminado de remédios como o Zolpidem e a Ritalina, Tatiana esclarece que eles atuam no sistema nervoso central e são direcionados a queixas psicológicas que podem afetar a qualidade de vida do paciente. “No caso do Zolpidem, trata-se de um medicamento utilizado para tratamento de doenças do sono ou condições de saúde nos quais o sono possa estar alterado. A Ritalina é uma das opções para tratamentos de alguns transtornos do neurodesenvolvimento, porém, é conhecida por ‘aumentar a atenção’, por isso o uso indiscriminado.

 

As pessoas pensam que a Ritalina pode aumentar sua produtividade. No entanto, tais medicamentos são prescritos em condições muito específicas, sendo o médico o profissional mais adequado para fazer tais diagnósticos e direcionar a melhor terapêutica para cada caso”, especifica. No caso do Zolpidem, com o uso abusivo e em longo prazo, tem-se observado prejuízos na memória e dependência, segundo a professora.

 

“A Ritalina pode provocar irritabilidade, alterações de sono, apetite, entre outros. Cabe lembrar da necessidade de olharmos para nossa rotina, nossos hábitos, nosso cuidado conosco, pois tais medicamentos são importantes para algumas doenças, mas não podem realizar o autocuidado que nós mesmos deveríamos ter”, finaliza Tatiana. 


Foto: Pixabay (foto ilustrativa)

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