
Para (nem) todas as idades
Professor e advogado Luís Gustavo Conde comenta o crescente consumo de obras audiovisuais durante a pandemia e a importância da classificação indicativa
Uma consequência dos novos hábitos, estimulados pela pandemia da Covid-19, está relacionada ao consumo de produtos audiovisuais na internet. Segundo levantamento da Kantar Ibope Media, no estudo Inside Video, publicado em março, 62% dos brasileiros consumiram vídeos on-line em serviços por assinatura em 2020. O professor Luís Gustavo Conde, advogado e colunista do Portal Revide, comenta essa tendência e a utilização da classificação indicativa nas obras audiovisuais.
Como a pandemia tem afetado a forma como se consome entretenimento atualmente?
O consumo do entretenimento tem mudado conforme a evolução das tecnologias envolvidas. Após as fitas cassete, os DVD’s e o Blue-ray, os streamings, liderados pela revolucionária Netflix, eliminaram o incômodo da logística das mídias físicas. A pandemia apenas consolidou o que já era um movimento natural: a praticidade dos streamings. E essa praticidade não é apenas em relação à eliminação das mídias físicas, mas, também, sobre a possibilidade assistir quando quiser e quantas vezes quiser, além da possibilidade de assistir pelo smartphone. Com isso, não só as videolocadoras foram superadas, mas também os canais de televisão, que impõem horário específico e não permitem a pausa. Assim, a única forma de entretenimento que poderia competir com o streaming era a experiência do cinema, mas que foi vencido pela pandemia, ao menos enquanto o isolamento perdurar — e talvez um pouco depois.
Segundo o site do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a classificação indicativa é uma informação quanto à recomendação de faixa etária para as produções audiovisuais. Você acredita que é uma ferramenta eficiente no controle de conteúdo para os pais?
A classificação indicativa é uma excelente ferramenta de controle de conteúdo pelos pais. Contudo, é apenas uma ferramenta e não substitui o acompanhamento próximo. Isso porque, a classificação é feita conforme critérios objetivos que, eventualmente, podem se contrapor aos ideais e às formas de educação que os pais querem passar para os filhos. Eu, por exemplo, tenho um filho de dois anos que não assiste a um dos mais famosos desenhos infantis, com classificação livre, mas o que ele assisti identifiquei modelos que eu não gostaria que ele aprendesse. Outro exemplo de como a análise das obras é subjetiva é o menino Rowdy Rogan, de apenas seis anos, que é considerado uma estrela do game Call of Duty Warzone, cuja classificação indicativa é para maiores de 18 anos. O menino transmite, via ‘live’, os seus jogos, sempre acompanhado do pai. Em resumo, a classificação indicativa é uma ótima ferramenta, ainda assim, é só uma ferramenta.
Você observa que essas informações são utilizadas de forma responsável pelos serviços de streaming mais populares, como Prime Amazon e Netflix? Você considera os conteúdos oferecidos por elas adequados ao público jovem?
Há um esforço das plataformas de streaming que precisa ser reconhecido, mas ainda não é ideal. Já me deparei com diversos erros de programação, como séries e filmes infantis com classificação 16+ e outras com conteúdo inadequado, mas classificadas como Livre. Em todo os casos, pareceu mais um erro do sistema da plataforma do que uma falha ao classificar as obras. De todo modo, é preciso atenção. Sobre a adequação ao público jovem, é preciso dizer que a sociedade está em constante evolução, principalmente no combate a preconceitos e a injustiças, e os jovens são os principais protagonistas dessas mudanças. Por isso, é tão comum encontrar obras direcionadas ao público jovem em que se discute o racismo, a homofobia, o bullying, entre outros temas socialmente relevantes. Tais temas devem mesmo ser apresentados aos jovens. Como as plataformas disponibilizam uma quantidade absurda de novos conteúdos, é difícil avaliar se são ou não adequados de forma geral, mas o melhor é que os jovens possam encontrar no ambiente familiar um espaço seguro para discutir os temas e até mesmo as próprias obras.
Como você recomenda a utilização dessa ferramenta aliada ao cuidado dos pais?
Além da classificação indicativa, o site do Ministério da Justiça e Segurança Pública tem páginas específicas para a pesquisa de obras audiovisuais, jogos e RPG’s; orientações e modelos de autorização para entrada de menores em cinema e eventos; e orientações sobre o uso das ferramentas de controle parental, inclusive, com informações específicas para as plataformas de streaming e outros sistemas. Não podemos esquecer que todos esses serviços oferecem a opção de perfis infantis com restrição automática de conteúdo, mas reforço que essas ferramentas servem como uma primeira etapa de seleção de conteúdo, não um parâmetro absoluto.
Você considera que a classificação indicativa é uma informação que passa despercebida?
Eu observo uma escala decrescente de percepção da classificação indicativa: é muito percebida pelos pais para que seus filhos só tenham acesso aos conteúdos de classificação Livre. Na adolescência, parece que apenas a classificação 18+ é notada. Já para os adultos, a classificação indicativa é praticamente ignorada, em relação a filmes e séries. Quando a obra é um game, a classificação indicativa é totalmente despercebida para todas as idades. O que me parece ser deixado de lado é que a indústria dos games há muito tempo tem focado no público adulto e a maioria dos lançamentos de sucesso tem classificação 18+, mas com um grande número crianças jogando livremente. A meu ver, os games são excelentes formas de entretenimento, estimulando a criatividade, a lógica e a resolução de problemas. Porém, os pais precisam se atentar à classificação indicativa também dessas obras.