Percepção exagerada da dor
O médico reumatologista Carlos Faria: diagnóstico difícil | Foto: arquivo pessoal

Percepção exagerada da dor

Síndrome caracterizada por quadro generalizado de dores, entre outros sintomas, é a segunda abordada em nossa série sobre a campanha Fevereiro Roxo

Síndrome que acomete em torno de 2,5% da população brasileira, segundo estimativas da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a fibromialgia é a segunda condição clínica abordada em nossa série sobre o Fevereiro Roxo, campanha nacional de saúde que visa a conscientizar sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce da doença de Alzheimer, da fibromialgia e de lúpus. O problema afeta mais mulheres do que homens e costuma se manifestar entre os 30 e 50 anos, ainda segundo a SBR. 


De acordo com o médico reumatologista Carlos Faria, a síndrome é caracterizada por dor musculoesquelética difusa, associada a sintomas de fadiga, sono não reparador (pessoa acorda cansada) e outras síndromes associadas, como alterações de memória e atenção, intestinais, ansiedade e depressão. “Uma característica da pessoa com fibromialgia é uma percepção alterada da dor”, afirma. Usando de uma comparação simples, é como se um “botão da dor” existente no cérebro para avisar que algo vai mal no organismo estivesse desregulado, exagerando na intensidade desse aviso. O “botão” representa os neurotransmissores, substâncias que também podemos chamar de “mensageiros químicos”, por serem responsáveis pela comunicação entre os neurônios, as células do sistema nervoso central. O diagnóstico da síndrome é exclusivamente clínico e deve ser fechado por um reumatologista, embora, idealmente, o tratamento deva ser acompanhado também por psicólogo e psiquiatra. “Exames complementares são pedidos mais para excluir outras situações presentes, exatamente porque é muito fácil confundir a fibromialgia com outras doenças”, explica Faria. 


Tratamento


Não existe ainda uma causa conhecida para a fibromialgia, mas algumas pistas. Por exemplo: pode aparecer após eventos graves na vida de uma pessoa, como trauma físico, psicológico ou mesmo uma infecção grave, mas o mais comum é começar com uma dor localizada crônica – uma disfunção de ATM (disfunção da articulação temporomandibular), por exemplo – que progride para envolver todo o corpo.


No caso da empresária Ana Machado, os sintomas começaram após o falecimento de um filho, há 9 anos. “Junto com as dores emocionais vieram as físicas e uma grande dificuldade de recuperação. Meu psiquiatra, que considero um ótimo profissional, me encaminhou para um neurologista, que me diagnosticou com fibromialgia após alguns exames”, lembra Ana, que preferiu ser medicada pelo psiquiatra. Ela diz que ajudou bastante voltar às caminhadas e fazer massagens com uma quiropata, mas primeiros remédios prescritos não diminuíram as dores. Após novas tentativas medicamentosas, decidiu buscar caminhos alternativos. Fez cursos de shiatsu, de florais Bach e aromaterapia para administrar o que considera serem causas emocionais da síndrome. Ajudaram tanto que até passou a trabalhar com os dois últimos. Hoje, ocasionalmente, Ana ainda sente dores, mas consegue administrar. “Percebo que situações de estresse causam tensão, que levam às dores”, comenta.


 

A empresária Ana Maria Machado: sintomas apareceram após perda | Foto: Rubens Guerra 


O reumatologista Carlos Faria explica que como cada pessoa tem uma história químico-cerebral, o medicamento que faz efeito para uns, pode não fazer para outros, mas tudo bem, porque o médico pode tentar outras combinações até chegar a uma que funcione. Mas ele enfatiza que, antes disso, deve vir a prescrição do tratamento não-medicamentoso, que consiste em 150 minutos semanais de atividade física aeróbica – de preferência uma que o paciente goste de fazer – para liberação das famosas endorfinas (neurotransmissores que diminuem a percepção de dor); fazer “higiene do sono”, que implica garantir um ambiente calmo e escuro e, principalmente, sem uso de celular na hora de dormir; e psicoterapia, que pode ser de qualquer modalidade.


“Quando a gente fala em psicoterapia existe uma enormidade de tipos, que podem ser conduzidas por psicólogos e psiquiatras, desde que tenham tido a formação adequada. A diferença é que o psiquiatra pode medicar e o psicólogo não”, instrui o psiquiatra Mauro Vasconcelos Reis, que considera a atividade física a prescrição mais importante no tratamento da fibromialgia. Ele explica que a questão abordagem psiquiátrica deve fazer parte do tratamento porque, frequentemente, os quadros da síndrome estão associados a transtornos depressivo ou de ansiedade. “É até difícil dizer qual surgiu primeiro”, comenta.

 




O psiquiatra Mauro Vasconcelos Reis: atividade física é o mais importante no tratamento | Foto: Luan Porto 

 

Já a terapia farmacológica de tratamento da fibromialgia inclui medicações que objetivam aumentar no cérebro a quantidade de neurotransmissores que ajudam no controle da percepção de dor. “Medicações derivadas de opioides também são opções, mas não gosto de usar porque gera um pouco de dependência. Temos ainda o canabinoide medicinal, mas as evidências médicas de sua eficácia não são tão robustas, por isso temos que avaliar cada caso para decidir por seu uso”, diz Faria.


Consciente


A cabelereira aposentada Eloísa Matheus Cirino é um exemplo de como a conscientização sobre fibromialgia é importante. Quando foi diagnosticada pela primeira vez, há mais de 20 anos, achou que era frescura, modismo, por isso foi “empurrando com a barriga” o tratamento. “Quando finalmente resolvi me cuidar certinho, melhorou tudo”, conta. Ela já tratava uma depressão e, também no seu caso, foi preciso tentar mais de um medicamento até chegar ao que melhorou o quadro de dores. 




A aposentada Eloísa Matheus Cirino, que melhorou com tratamento: conscientização | Foto: Luan Porto 

 

Mais tarde, em um período no qual teve que ficar sem atividade física devido a um rompimento do menisco, Eloísa teve a comprovação do quanto faz diferença no tratamento. Por isso, assim que pôde, a retomou. Nos 13 anos seguintes, em meio a várias mudanças de cidade por conta da profissão do marido militar, fez pilates, hidroginástica e musculação. Em 2020, porém, veio a pandemia mundial de covid19 e ela parou com tudo novamente para cuidar do marido, que quase morreu, e dela mesma. 


Após a recuperação, porém, Eloísa não retomou o tratamento, e os sintomas foram voltando gradativamente. No ano passado, o quadro ficou insuportável. “Eu já saía da cama dolorida e cansada. Punha o pé no chão e parecia que pisava em espinhos. Não conseguia iniciar atividade física”, lembra. Foi quando decidiu procurar reumatologista em Ribeirão Preto e chegou ao dr. Carlos Faria, que acertou sua medicação na primeira tentativa. Logo ela se animou a voltar para a academia. Hoje, nove quilos mais magra, Eloísa não sente mais dores ou desânimo e decidiu que não vai mais se negligenciar. “Enquanto você não se conscientizar, levar a sério que deve se cuidar, não adianta só o médico querer ajudar”, conclui. 

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