Polarização das relações

Polarização das relações

Conflitos políticos no período eleitoral têm prejudicado relações familiares; a prática da alteridade é essencial para uma sociedade democrática

A polarização política na reta final do período eleitoral dividiu não somente opiniões, como também relações sociais. A alteridade – a capacidade reconhecer as diferenças do outro e respeitá-las – é essencial para evitar esse tipo de conflito. “No plano familiar, as discussões levam a um acirramento das divergências e conflitos pessoais, acarretando manifestações de ódio, preconceito, rejeições e impossibilidade de convivência comum”, explica o psicólogo e docente da USP de Ribeirão Preto, Sérgio Kodato.

 

 

Para buscar um bem comum, a política passa por embates de projetos, valores e perspectivas diferentes. De acordo com o cientista social e professor, Breno Carlos da Silva, isso se torna prejudicial quando o outro é tratado como inimigo e o desejo se torna o de eliminação dos rivais. A partir do entendimento do diferente, a alteridade implica no reconhecimento, no respeito e na convivência com o outro, com aquele que é essencialmente diferente. “Se tem algo que pode definir a condição humana ao longo da história é justamente a diversidade, a pluralidade, a diferença. Essa dimensão da alteridade é importante para pensarmos não só na condição humana, mas em uma perspectiva política, uma projeção de um horizonte político, democrático e inclusivo”, acrescenta Silva.

 

 

CONFLITOS DE IMPACTO

Segundo o psicólogo e professor do Centro Universitário Barão de Mauá, Felipe Areco, discussões ideológicas e morais podem, em algumas situações, gerar impactos na saúde física e mental. “A expectativa que se cria sobre o que eu vou ouvir gera ansiedade, angústia, conflitos internos no que diz respeito ao que o outro candidato está dizendo ser diferente da forma que eu penso, ou do que o meu candidato está abordando”, descreve. Além disso, segundo Silva, no social e no político os impactos dessa animosidade são extremamente nocivos para a sociedade. “Quando não sabemos lidar com o outro, com o diferente, aquele que pensa, sente, age diferente, com aquele que tem perspectivas morais, religiosas, conceituações e princípios ideológicos distintos dos meus, isso é extremamente ruim para uma sociedade que se imagina, que se projeta democrática”, coloca.

 

 

Uma das estratégias adotadas por algumas pessoas foi se abster de qualquer debate político. Para os especialistas, essa pode ser sim uma opção válida, mas tem suas controvérsias. “A própria família pode traçar suas regras e limites. Quando os ânimos se exaltam, pode ser uma boa ideia encerrar a discussão e, se for o caso, retomar o assunto em um momento de mais calma. Passado o conflito mais intenso, é hora de se dedicar à recomposição das relações, trabalhando em cima dos objetivos do grupo fa- miliar e do bem comum”, discorre Kodato. Por outro lado, contradições, conflitos, problemas fazem parte da vida. Como a vida em sociedade é uma vida inerentemente política, o indivíduo tem que saber lidar com isso. “Discutir política é essencial para o avanço da sociedade como um todo, porque sociedades que criminalizam, demonizam a política, só trazem para si mesmas piores consequências”, acrescenta Silva.

 

CESSAR-FOGO

Após o resultado eleitoral do segundo turno, fica a expectativa de como se darão as reuniões familiares nas festividades de final de ano. Para especialistas, o futuro da Ceia de Natal deste ano envolve reconhecer as diferenças. “Por mais que haja divergências sobre um tema, é possível pensar em pontos comuns com o propósito de estar juntos”, ressalta Kodato. Para Areco, atualmente, tem sido difícil estabelecer um diálogo saudável, pois as divergências de discurso de ódio, intolerância, preconceito, tem tomado muito mais à frente do que o debate de ideias. “Não é um pessimismo a da minha parte para pensarmos em um diálogo saudável, mas temos antes que desconstruir o que já existe”, finaliza.


Foto: Pixabay (Ilustrativa)

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