População em Ribeirão Preto sofre com as dívidas

População em Ribeirão Preto sofre com as dívidas

Cartão de crédito ainda é o grande vilão dos consumidores, contribuindo para altos índices de inadimplência

Cerca de 80% da população em Ribeirão Preto está endividada, ou seja, oito em cada dez pessoas que moram na cidade acumulam dívidas e um terço está inadimplente. Os números são do Instituto de Economia Maurílio Biagi (IEMB) da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) baseado em dados referentes ao mês de julho. Livia Piola, analista do IEMB, aponta que este é um percentual em crescimento desde que o Instituto começou a acompanhar o cenário econômico do município, no 2º semestre de 2022. “De janeiro para cá, a taxa de endividamento subiu de 77,62% para 80,33% e a de inadimplência de 28,27% para 29,07%, o que indica altas de 3,78% e 3,13% pontos percentuais, respectivamente”, explica.


Segundo a analista, neste universo de credores estão os endividados, aqueles que possuem um montante de dívidas superior à sua capacidade orçamentária, mas ainda são capazes de arcar com estes gastos, e os inadimplentes, que são aqueles que já não podem mais honrar com os compromissos assumidos e deixaram de quitar as dívidas. De acordo com informações do SPC Boa Vista, 80,33% dos ribeirãopretanos têm dívidas superiores à própria restrição orçamentária, considerando um total de 727.986 pessoas. A quantidade de endividados corresponde, portanto, a 584.791 habitantes, dos quais 36,19% já estão inadimplentes. Em relação à população total, os que já não são mais capazes de honrar seus compromissos financeiros são cerca de um terço (29,07%), o que totaliza 211.651 pessoas. 


Para o economista Guilherme Malagolli, não apenas a pandemia de Covid-19, mas as altas taxas de juros e inflação ajudam a explicar esse cenário de endividamento. “A inflação é o aumento contínuo e generalizado de preços, o que reduz o poder de compra das famílias. Com menos consumo, há menos produção e, consequentemente, menos emprego”, observa. Livia Piola aponta, ainda, outro ponto que contribuiu para o aumento da inadimplência em Ribeirão Preto: a queda no salário médio do trabalho, cuja redução foi de 10% entre 2017 e 2022. “Somado à inflação dos últimos períodos, verifica-se um grande corte no poder real de compra do consumidor”, frisa.

 

Comida no prato


Segundo o levantamento, o perfil dos inadimplentes é formado por 50,1% de mulheres e 40,9% de homens, com predominância da faixa etária de 25 a 44 anos. O cartão de crédito ainda é o grande vilão, sendo que as principais dívidas contraídas neste modo de pagamento são em supermercados (alimentos), produtos (roupas, calçados, eletrodomésticos, entre outros), medicamentos, alimentos por delivery e gastos com transporte (combustível). “Os gastos do cartão são, em grande parte, com itens de subsistência, revelando que as pessoas têm tido necessidade de jogar para frente custos básicos de vida. O problema é que isso vai se acumulando e o endividado, em algum ponto, acaba perdendo o controle e o poder de pagamento”, revela Livia.


O economista Jaime Fabreti Júnior aponta que a priorização do abastecimento explica os gastos com supermercado serem superiores aos demais. “O cidadão dá prioridade a voltar a comer, se vestir, se deslocar, manter as crianças estudando. Mas, esse cenário positivo não se reflete no pagamento das dívidas de cartão, dos boletos e outras situações de inadimplência que podem se renegociadas e postergadas. Infelizmente, esse cenário de endividamento está prejudicando muito a saúde financeira do brasileiro”, afirma.

 

Cartão de crédito, o vilão


Ainda segundo o levantamento do IEMB/Acirp, em Ribeirão Preto, 57% dos indivíduos que possuem alta ou altíssima propensão a compras utilizando o cartão de crédito são inadimplentes, sendo que esse grupo tem 1,32 vezes mais chances de se endividar com essa forma de pagamento em comparação ao restante da população. Guilherme ressalta a necessidade de atenção extra com o cartão de crédito, para muitos, um mal ainda necessário. Se o consumidor não tiver cuidado com as compras no cartão de crédito, ele pode não conseguir pagar a fatura total no mês seguinte, aumentando a dívida significativamente. “A dívida que fica com essa taxa de juros, somada ao consumo do mês seguinte, aumenta muito a chance de o consumidor não conseguir quitar o valor total da fatura do mês subsequente e vai virando uma bola de neve. O cartão de crédito pode ser uma opção para quem não tem acesso momentâneo ao crédito, mas ele deve ser utilizado com muita ponderação e cuidado”, lembra.


Na opinião de Jaime, o cartão de crédito e seus parcelamentos são um grande ofensor da redução do endividamento. “Parcelar o cartão é muito bom quando a gente consegue quitar a fatura no mês seguinte. O cidadão deve utilizá-lo quando sabe que, efetivamente, conseguirá pagar a próxima fatura de maneira integral. Se existe uma dívida, é preciso estabelecer um teto de gasto, bem como um prazo para a quitação. Tudo o que é desnecessário compra-se à vista e, se não tem dinheiro, não compra”, alerta. O especialista diz, ainda, que não se deve parcelar no cartão de crédito itens de primeira necessidade, como alimentos, porque esse é um gasto recorrente, que vai sendo acumulado ao longo dos meses.

 

Cenário futuro


O endividamento e a inadimplência não tiram o sono apenas do consumidor, mas impactam negativamente na indústria, comércio e serviços. Quando não há vendas, o empresário varejista, que faz parte de uma cadeia produtiva e também consome de outros setores fornecedores (atacado, indústria e agro) acaba por comprar menos ou ter dificuldade para arcar com essas despesas também, explica Livia. “Esse ciclo, além das pessoas físicas, gera também pessoas jurídicas endividadas e inadimplentes. Lembrando que muitos microempresários acabam misturando finanças pessoais e de CNPJ e entram nas estatísticas de pessoas físicas”, salienta.


Mas, há sempre o otimismo do brasileiro e uma já aventada redução das taxas de juros para o segundo semestre lança um pouco de esperança, tanto para o empresário quanto para o consumidor. Guilherme esclarece que essa melhora não é imediata. “Mesmo com o aumento do nível de emprego, a renda cresceu pouco para que uma melhoria mais consistente do cenário econômico seja sentida pela população. A melhora nos indicadores é uma ótima notícia e isso é animador, mas os patamares de informalidade e de subemprego ainda podem melhorar mais e aumentar o nível de renda de forma mais consciente”, finaliza.

 

Dívidas renegociadas


O governo federal lançou, recentemente, dois programas de renegociação de dívidas para ajudar a tirar os brasileiros da lista de negativados e retomar o potencial de consumo. O Desenrola se concentra nas renegociações de dívidas bancárias com limite no valor da dívida e na renda do consumidor. Já no Renegocia! não há um valor limite para a dívida e nem restrição de renda dos consumidores que queiram negociar, não apenas dívida bancárias, mas também com lojas e serviços como água e luz. “Na medida em que milhões de consumidores voltam a consumir, isso certamente deve estimular a produção, os investimentos e a geração de emprego. É um estímulo econômico importante, mas é preciso lembrar que as dívidas são renegociadas, ou seja, elas ainda existem. Se o consumidor não tiver muito cuidado na volta ao consumo, é muito provável que ele volte a se endividar”, adverte Guilherme.

 


Jaime também aprova as iniciativas governamentais e diz que são fundamentais para ajudar os consumidores que, muitas vezes, por necessidade, são pegos em armadilhas de crédito com cobranças abusivas. “A assistência do governo, nesse momento, é essencial para orientar esse consumidor de como se organizar financeiramente, checar a legalidade das cobranças e renegociar as dívidas com os credores para gerar um fôlego financeiro com o consequente estímulo do consumo. Assim, a roda da economia volta a girar”, conclui. 


Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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