Por um planeta melhor para todos

Por um planeta melhor para todos

O presidente da Soderma, Paulo Finotti, aborda os principais problemas ambientais de Ribeirão

Químico industrial na modalidade engenharia química, especialista em termodinâmica química e engenharia nuclear, professor universitário aposentado, presidente da Sociedade de Defesa Regional do Meio Ambiente (Soderma), vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, ex-conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e integrante da Comissão Técnica de Meio Ambiente do Conselho Regional de Química, além de articulista em jornal impresso, aos 68 anos de idade, Paulo Finotti é um homem sui generis. Ambientalista — sem radicalismos —, colecionador de canetas e apaixonado por fotografia, mergulho e aviação, Paulo vive um casamento de mais de 40 anos, “graças à paciência da esposa”, e o limite entre a ranzinzice e o bom humor para levar a vida como acredita ser melhor: em consenso

Texto: Yara Racy
Fotos: Júlio Sian e Ibraim Leão

Aos 15 anos, era comum Paulo Finotti colocar as “tralhas” no bagageiro da bicicleta e pedalar quase três horas, da Aclimação à Guarapiranga, em São Paulo, para armar sua barraca de plástico e passar dois ou três dias pescando. “Isso me trouxe a visão da vida natural, da água, do verde e, daí para frente, me envolvi. Aproveitei minha profissão, a química, para ajudar a natureza, e não para atrapalhar”, conta o químico industrial.

A trajetória do garoto que gostava da natureza ao homem que resolveu trabalhar por sua preservação foi marcada por uma sucessão de coincidências do destino, entre elas, ter tido um excelente professor de química, que o motivou a ser um profissional da área, ter se especializado em energia nuclear, o que lhe rendeu o convite para integrar o Conama, e ter se tornado professor na Unarep, motivo que o trouxe a Ribeirão Preto. “Com a mudança para o município, apareceu a possibilidade de ingressar na Soderma e desenvolver uma série de trabalhos. Me apaixonei. Fui um dos fundadores do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comdema) e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. Desde então, atuo de uma maneira muito tranquila, inclusive, não sou ambientalista radical, apenas procuro ver tudo sob a forma de um consenso”, explica.

Aos 68 anos, com muitas histórias de dedicação às causas ambientais para contar e bastante propriedade no que diz, discorre sem demora sobre os principais problemas que Ribeirão Preto enfrenta, dividindo o tema sob dois aspectos: o da população e o do poder público.

Áreas verdes
Para o presidente da Soderma, os ribeirãopretanos desconhecem o setor ambiental da cidade. Prova disso está na cultura de quebra, corte e destruição da arborização. “Fico com pena dos engenheiros florestais que trabalham na prefeitura porque fizeram curso, às vezes com grande sacrifício, para manter a arborização, melhorar a qualidade da vegetação e, no entanto, são obrigados a licenciar corte de árvore a todo momento. Esse é um problema sério”, avalia.

Segundo Paulo, a população ainda não percebeu que a arborização urbana é fator preponderante para resolver grande parte do problema do calor na cidade. “Ribeirão Preto está encrustrada em um buraco, é uma cratera com basalto em seu subsolo, uma pedra escura e estremamente dura, utilizada para pavimentação de ruas que, durante o dia, absorve grande quantidade de calor e, à noite, libera parte dele, retendo o restante. Eu moro em uma casa com 12 mangueiras em volta. Se medir a temperatura na casa vizinha, provavelmente estará entre dois e três graus acima da temperatura da minha”, explica.

Analisando a questão sob o ponto de vista do poder público, o ambientalista vê a necessidade de se estabelecer um relacionamento mais amplo com a sociedade organizada e de iniciativas que motivem o plantio de forma ordenada. “Poderia se conceder, por exemplo, um desconto de IPTU ao indivíduo que planta em frente à sua casa. Mas teria que ter fiscalização. O Horto Florestal tem um trabalho de educação muito bom, indicando o que plantar, a maneira e a época ideais, distribuindo mudas. Isso é exclusivamente vontade de fazer alguma coisa”, incentiva.

Água
Outro problema grave da cidade, na visão do ambientalista, está no desperdício de água. “São dois problemas: o consumo exagerado da população, inclusive lavando calçada com o que chamo de ‘vassoura hidráulica’ (mangueira), e a perda de água por vazamentos, principalmente em função das tubulações antigas. Observo que a população chega a consumir até 30% a mais do que deveria, sem pensar que nossa água é praticamente a mais nobre do planeta — 100% da água distribuída em Ribeirão Preto é obtida do Aquífero Guarani”, enfatiza.

Ainda de acordo com Paulo, grande parte dos vazamentos na cidade são por problema de reservação inadequada. “Temos poços que bombeiam água 24h por dia para distribuição nas residências. Acontece que há picos de utilização que exigem um bombeamento intenso e, quando a água é usada mesmo em pequena quantidade, a pressão na tubulação continua alta e aí surgem os vazamentos. Seria preciso uma reservação melhor elaborada, que trabalhasse com bombeamento só quando se atingisse um nível mínimo de água, além de uma logística de distribuição melhor aplicada”, explica.

Ainda em relação à água e ao meio ambiente, Paulo aborda dois aspectos que precisam ser tratados com muita seriedade: a expansão urbana na área de recarga do Aquífero Guarani e a abertura de poços.

Zona leste: “Estamos assistindo ao ‘boom’ da construção civil em Ribeirão Preto de forma quase desordenada. A região leste (área de recarga do Aquífero Guarani) é considerada zona de expansão urbana. Estamos preocupados com isso, claro, mas, do meu ponto de vista, é preferível que a região seja área urbana a que seja mal ocupada. É preciso ter um tratamento especial com o tipo de cobertura do leito carroçável, com a criação de espaço dentro dos lotes para absorção da água da chuva, com uma coleta de lixo bem desenvolvida, com um esgoto de qualidade e boa destinação e, principalmente, com educação da população que circula alí, para que entenda que se trata de uma região especial, que precisa ser tratada e cuidada. Dar atenção à natureza é obrigação, pois costumo dizer o seguinte: Deus perdoa sempre; o homem, de vez em quando; mas a natureza, nunca. Temos que aprender a preservá-la”, avisa.

Bacia do Rio Pardo: “Ribeirão Preto possui um sistema que é ótimo, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, um colegiado criado por lei estadual e constituído de membros do Estado, dos municípios (normalmente, os prefeitos) e da sociedade civil, responsável pela gestão das águas nas Bacias Hidrográficas. Uma das grandes realizações do Comitê foi dividir Ribeirão Preto em três zonas — central, externa (que vai até o anel viário) e rural — e limitar a abertura de poços somente pelo Daerp nas duas primeiras áreas e por particulares também na zona rural, porém, em todas, seguindo normas rigorosas. Assim, estamos cuidando para que, no futuro, ainda tenhamos água e possamos deixar
para nossos filhos e netos um planeta em igual ou melhor condição do que a que recebemos”, afirma Finotti.

Queimadas
Na lista dos problemas ambientais que a cidade enfrenta, Paulo refere-se, ainda, às queimadas, não só da cana de açúcar, mas também em terrenos baldios e quintais. “O ribeirãopretano é piromaníaco. Em qualquer terreno, se ele tiver oportunidade, coloca fogo. Fico preocupado com isso porque a quantidade de vapores produzidos na queima de uma lata de tinta, por exemplo, é muito prejudicial. A sublimação de substâncias químicas, muitas vezes tóxicas e carcinogênicas, é um perigo para a população que vive em torno do local. O problema não acontece só em Ribeirão Preto, trata-se de uma questão cultural. Já a queimada da cana de açucar, no Estado e no país, ao que parece, está sendo solucionada. Fala-se na eliminação total da queima da palha de cana até 2017”, ressalta.

Política ambiental
Para o ambientalista, Ribeirão Preto sofreu — e ainda sofre — seriamente com a extinção da Secretaria de Meio Ambiente, que foi transformada em departamento e depois recriada, na gestão passada, para atender a políticas do governo estadual de repasse de verbas. “Nossa Secretaria é de ‘segunda mão’, não tem praticamente poder nenhum e depende das demais pastas para desenvolver seu trabalho, mas pelo menos deixou de ser um departamento: agora é preciso vontade política para aprimorá-la. O problema é que o poder público é sempre um mastodonte que caminha a passos lentos, enquanto o desenvolvimento segue em frente. Ele necessita de três coisas: planejamento, gestão e execução. Não adianta nada planejar se não tiver gestão, assim como gestão não resolve sem execução. São três tópicos que estão sempre juntos, um depende do outro”, afirma.

Embora a política ambiental esteja sobrepujando uma série de outras políticas no Brasil e no mundo, ainda enfrenta fortes obstáculos. “Hoje, o candidato que não inclui em sua agenda um projeto ambiental provavelmente terá dificuldade para se eleger. Independente dessa moral utilitária do candidato, também há uma tendência, mas o poder econômico ainda impera. Nosso maior desafio ainda é o da inteligência política”, enfatiza o ambientalista.

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