
Por uma “Cidade Limpa“
A lei Cidade Limpa propõe uma revisão de valores que tem gerado controvérsias, embora, a longo prazo, seja considerada vantajosa pela maioria
Se o ditado popular “depois da tempestade vem a bonança” se aplica à polêmica lei Cidade Limpa implantada em Ribeirão Preto, só o tempo vai dizer. Por enquanto, as opiniões se dividem quanto à aplicabilidade. De um lado, comerciantes do centro da cidade parecem satisfeitos com a mudança. Muitas vezes escondidos, em meio às grandes fachadas vizinhas, os pequenos estabelecimentos apoiam a padronização visual. Arquitetos e urbanistas também.
De outro lado, em grandes avenidas comerciais, como a Independência e a Presidente Vargas, há quem reclame da nova lei, considerando-a onerosa (principalmente para quem investiu na fachada há menos de dois anos), e até mesmo ditatorial, por impedir o uso de faixas e cartazes promocionais nas vitrines a uma distância inferior a um metro.
Embora algumas pessoas acreditem em uma provável revisão da nova lei pelos próximos legisladores, antes de três anos de sua promulgação isso não pode acontecer. E como a lei é nova, ainda não existem parâmetros de jurisprudência que indiquem sua inconstitucionalidade. Ainda assim, em São Paulo, o juiz da 10ª Vara da Fazenda Pública deu parecer em uma ação concluindo que a Lei Cidade Limpa “sobre-excedeu sua competência normativa, violando princípios constitucionais como o da proporcionalidade e do livre exercício de atividade profissional regulamentada pela União, além de ter indevidamente coarctado (ou mesmo suprimido) o direito de informação, quando vedou em absoluto a propaganda comercial na cidade”.
A alternativa viável, por enquanto, parece estar na adequação que, para uns, representa seguir à risca o que diz a lei municipal; para outros significa arriscar manter a fachada como está, enquanto a fiscalização não chega. Há, ainda, aqueles para quem a adequação consiste em apenas retirar a fachada antiga, para evitar a notificação, enquanto adequa o bolso a um novo investimento, ou se aguarda por mudanças nas regras. Com o chamado “jeitinho brasileiro”, tudo se assenta.
A cidade possui quatro fiscais responsáveis por um número estimado em 30 mil estabelecimentos. Com isso — mais do que nunca —, e principalmente os contrários à aplicação da nova lei apostam na falta de fiscalização.
Arquitetura à mostra
Discussões à parte, do ponto de vista urbanístico, a lei Cidade Limpa parece agradar. A arquiteta Dulce Palladini, presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural do Município de Ribeirão Preto (CONPPAC), aprova a nova lei, ainda que o Conselho não tenha participado diretamente da elaboração. “No escopo do CONPPAC está a prioridade em olhar a cidade entendendo-a como organismo de muitos. Organizamos o nosso viver, habitar, trabalhar e lazer e, muitas vezes, esquecemos ou deixamos passar despercebidamente o local em que vivemos: nossa cidade. A nova lei está fazendo com que o município repense os padrões que vinham sendo adotados como meios de comunicação visual, bem como a manutenção das edificações, imóveis em geral, e não somente os considerados como de valor patrimonial, de cunho histórico, cultural ou arquitetônico”, avalia a presidente.
Segundo Dulce, os frutos da nova lei ainda serão colhidos, mas já existem exemplos evidentes em imóveis na região central e em outros eixos comerciais da cidade, como o prédio de esquina entre as ruas Barão do Amazonas e General Osório, que depois de adequado aos padrões da nova lei, evidenciou a arquitetura eclética da construção do início do século passado. “Gradativamente, a paisagem urbana será transformada e, nós, cidadãos, poderemos perceber as edificações e ter novas referências urbanas”, ressalta a especialista.
Os fins justificam os meios
Do ponto de vista dos comerciantes, num primeiro momento, a Lei Cidade Limpa representa transtorno porque está sendo preciso investir, afinal, a lei determina uma grande intervenção nas fachadas e nas estruturas de alvenaria de alguns prédios. “O que apuramos é que a maioria dos comerciantes, apesar dos transtornos e gastos, está procurando cumprir a lei, na expectativa de que todo o comércio terá benefícios a longo prazo. Isso mesmo diante da dificuldade de haver um grande número de fachadas a serem adequadas e o número de empresas que prestam esse tipo de serviço ser insuficiente”, pontua o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp), Pedro Abrahão Além Neto.
Segundo o dirigente, o Sindicato entende que a Lei Cidade Limpa veio para melhorar a vida do comerciante, no longo prazo, acabando com os excessos que causam a poluição visual e tornando a cidade mais agradável para o consumidor. “O Sincovarp não é contra a Lei Cidade Limpa, apesar dela representar um fator de oneração para o comércio que já sofre com a escalada dos impostos no Brasil. O que defendemos é que as regras do jogo sejam sempre transparentes, que a Lei seja cumprida de forma a conciliar os interesses de todos, uma vez que o comércio varejista é um dos pilares do desenvolvimento socioeconômico de Ribeirão Preto”, afirma.
Aspectos da Lei
A lei nº. 12.730/12 (Cidade Limpa) estabelece que os anúncios devem buscar o princípio da equidade entre os estabelecimentos e, com isso, contempla três dimensões possíveis, relacionadas com a largura da testada do lote (testada é a largura que o imóvel tem medido de um lado ao outro do terreno, na parte que faz divisa com a calçada), onde podem ser fixados anúncios.
Nos anúncios, é possível ter o nome, a logomarca, o telefone e o site do estabelecimento. “Não pode ter logomarca, site ou telefone de representante de produtos que sejam comercializados no local. São permitidos apenas os dados do estabelecimento naquele local e o serviço que ali se presta. Slogan não pode, pois já é uma publicidade, e isso não está autorizado pela Lei”, explica o arquiteto e urbanista da Prefeitura, José Antonio Lanchoti.
De acordo com Lanchoti, tanto quem procura a Secretaria da Fazenda quanto quem procura a Secretaria do Planejamento e Gestão Pública recebe as orientações para regularizar sua fachada. O telefone para tirar dúvidas é o (16) 3977.5700 ( ramal 5824) e o e-mail [email protected].
Fiscalização
Ainda segundo Lanchoti, os quatro fiscais da Lei Cidade Limpa foram capacitados, após muitas reuniões técnicas, inclusive em uma reunião em parceria com a equipe do Cidade Limpa de São Paulo. “Todos nós fomos para lá e, por dois dias, discutimos a nossa lei e as experiências que eles passaram nestes anos todos com a legislação que está em vigor na capital. Participaram dessas reuniões de capacitação os técnicos das secretarias da Fazenda, do Planejamento, do Meio Ambiente, do Jurídico e da Guarda Municipal”, comenta.
Segundo o urbanista, os possíveis conflitos de interpretação da Lei são legítimos. “Eu que estou neste processo há muito tempo, tenho dúvidas quando a colocação apresenta alguma postura não clara na lei ou que ainda não foi discutida. Quando isso acontece, buscamos similaridade de interpretação, sem contrariar a legalidade da questão, ou remetemos à Comissão de Controle Urbanístico (CCU), que tem atribuição para tomar esta decisão”, afirma.
Investimento
“Estou há um ano e três meses neste ponto e tinha acabado de reformar, por isso, tive um gasto maior. Em termos de estética, quando todos tiverem alterado suas fachadas, acho que ficará bom.”
Lucas Pereira da Silva
Expectativa
“Tínhamos uma fachada grande, feita há menos de dois anos, que custou R$ 2.800. Apesar do gasto para retirá-la, acredito que, na hora em que todos tiverem se adequado, ficará bom”
Gislene Soares Barbosa
Visual limpo
“Achei a nova Lei interessante porque havia fachadas exageradas, o visual era congestionado. As pessoas terão que começar a cuidar melhor dos prédios. Fachada chama atenção, mas não é tudo. Tirei a minha fachada e pretendo colocar uma placa.”
Marcos Antônio Sian
Mudança
“Acho que faltou planejamento. Podia ter sido feito em etapas, mas quando tudo estiver pronto, quando todos tiverem refeito as suas fachadas, acredito que teremos uma ideia melhor do resultado da
nova Lei.”
Genilza Aquino
Resultados da Lei
“A Lei Cidade Limpa será um dos legados que deixarei como legislador, já que o projeto promoverá, a longo prazo, maior qualidade de vida para a população, com a redução do estresse, do cansaço visual e mental provocado pela poluição. Também vai diminuir os riscos de acidentes no trânsito. A lei gerou polêmica por um grande equivoco da iniciativa privada, que acreditava poder usar o espaço público em beneficio próprio. Ainda é difícil as pessoas olharem para o coletivo, pois o individualismo está muito presente no ser humano. Essa mudança de comportamento gerou controvérsias. Toda lei, principalmente as que criam regras para a sociedade e fazem o ordenamento do Município, devem ser revistas de tempos em tempos, mas o ideal é que haja audiência pública, para que as alterações não mudem o objetivo principal. É preciso atender ao interesse coletivo e não o particular. As peças de grandes dimensões conflitam com a rede elétrica, não respeitam os recuos obrigatórios na edificações, obstruem passeios público descumprindo as normas de acessibilidade universal. Além disso, promovem a descaracterização da arquitetura e da história da cidade e diminuem e eficiência da legibilidade da informação pública, como por exemplo nome das ruas e da sinalização de trânsito. A Lei Cidade Limpa é embasada no princípio da igualdade, no direito constitucional da paisagem urbana, nas normas ABNT, no Código do Meio Ambiente e na defesa contra a invasão do espaço público. Agora, Ribeirão Preto possui uma lei que, segundo os especialistas em urbanismo, é a nova tendência mundial de paisagem urbana, seguida, aliás, por muitos municípios no Brasil e referência para outros países.”
Vereador Marcelo Palinkas, Autor da Lei Cidade Limpa.
Texto: Yara Racy
Fotos: Carolina Alves, Júlio Sian e Ibraim Leão
Ilustrações: Lucas Chaibub