Prevenção: o melhor remédio

Prevenção: o melhor remédio

Apesar dos avanços da ciência e da possibilidade de garantir boa qualidade de vida a quem convive com o vírus e com a doença, prevenir-se ainda é a melhor forma de lidar com o HIV e a AIDS

Décadas de estudos foram necessárias para desvendar os mecanismos do HIV e da AIDS. “O vírus infecta, preferencialmente, os linfócitos T CD4, principais células de defesa do corpo humano”, explica a infectologista Karen Mirna Loro Morejon (CRM: 102.251). Ao levar o T CD4 a níveis abaixo de 200 células, expõe o indivíduo às chamadas infecções oportunistas. São elas as reais culpadas pelos óbitos relacionados à AIDS — tuberculose e pneumonia estão entre as principais.

As pesquisas permitiram, também, o desenvolvimento dos antirretrovirais, fármacos que procuram impedir a multiplicação do vírus e garantir uma baixa carga viral, aumentando a qualidade de vida de quem convive com a doença. “O primeiro medicamento do gênero foi o AZT. A utilização começou em 1986 e segue até os dias de hoje, em alguns casos, associado a outros antirretrovirais”, afirma a infectologista. Mostrando-se altamente eficaz, a Terapia Antirretroviral (TARV) combina recursos medicamentosos capazes de minimizar os efeitos do HIV no organismo. Os chamados “coquetéis” já evoluíram bastante. Hoje, são formados por um número menor de pílulas e causam menos efeitos colaterais.

No Brasil, os antirretrovirais são distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1996. Segundo o Relatório de Monitoramento Clínico do HIV, apresentado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2017, até junho do ano passado, havia mais de 517 mil pessoas em TARV no país, o que significa uma cobertura de mais de 60% dos pacientes infectados e doentes. “O HIV e a AIDS são tratados com muita seriedade no Brasil. Por aqui, os pacientes realmente têm acesso aos medicamentos de ponta”, garante Karen.

O relatório já mencionado informa que, em 2015, foram gastos mais de U$ 790 milhões com HIV e AIDS, entre campanhas de prevenção, testagem, tratamento e outras iniciativas. Ribeirão Preto recebe parte desses recursos, que são direcionados ao Programa IST/AIDS, Tuberculose e Hepatites Virais, vinculado à Divisão de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde. Implementado em 1993, o Programa é, atualmente, coordenado pela enfermeira Lis Aparecida de Souza Neves. “Já fazia parte da equipe da coordenadora anterior, Fátima Regina de Almeida Lima Neves, que atuava junto ao Programa desde a implantação. Posso dizer que, por esforço dela, encontrei um trabalho bem estruturado, que se mantém na vanguarda daquilo que acontece em termos de prevenção, testagem e tratamento de HIV e de AIDS”, ressalta a atual coordenadora. 

Segundo Lis Neves, o dado mais preocupante em relação ao HIV e à AIDS é o crescimento do número de novas infecções entre os jovens do sexo masculinoNa cidade, foram realizados mais de 46 mil testes de HIV só em 2016. Para quem tem a doença, o município mantém cinco ambulatórios especializados e conta com a retaguarda hospitalar do HC, que acompanha os casos mais graves. “O Programa orienta os pacientes diagnosticados e presta todo auxílio”, complementa Lis. São oferecidos, ainda, dois serviços fundamentais: os grupos de convivência, que se reúnem uma vez ao mês na Unidade Básica de Saúde (UBS) Simioni e no Centro de Referência em Especialidades Central (CRES), e o acompanhamento individual psicológico, quando necessário. “Fazemos aquilo que é possível com uma estrutura enxuta e os mesmos recursos repassados desde que o Programa teve início”, argumenta a enfermeira.

A análise epidemiológica realizada em Ribeirão Preto mostra que o número de infecção pelo HIV é preocupante: houve um aumento de 40% na taxa de detecção geral; entre os homens na faixa de 20 a 24 anos, esse crescimento chegou a 600%. Já o índice de mortalidade por AIDS vêm diminuindo sistematicamente na cidade, passando de 13,9 entre 100 mil habitantes, em 2007, para 6,9 por 100 mil habitantes em 2016. “Ainda assim, Ribeirão Preto permanece com uma taxa mais alta do que a verificada no restante do Estado de São Paulo, que atingiu um índice de mortalidade de 5,6 para cada 100 mil habitantes”, destaca Lis. Segundo a coordenadora, a melhora dos indicadores relacionados à doença se deve, especialmente, à evolução do tratamento disponível.

Ainda que tenha progredido, o tratamento traz desconfortos. O primeiro deles é o uso contínuo de medicamentos — como em outras doenças crônicas, como diabetes e pressão alta, que são passíveis de controle, mas não de cura. “A diferença é que o sucesso da TARV depende de um rigor maior na ingestão dos medicamentos, que devem respeitar o horário certo. O uso inadequado dos antirretrovirais pode levar à falha virológica, quando os medicamentos deixam de fazer efeito diante do HIV”, acrescenta Karen.

Quando encarado com seriedade, o tratamento é eficaz. Tanto isso é verdade que, no Brasil, cerca de 90% das pessoas vivendo com HIV medicadas adequadamente atingiram a supressão viral, ou seja, conseguiram rebaixar a carga do vírus no organismo a ponto de torná-la indetectável. Em patamares assim, o risco de transmissão para outras pessoas cai consideravelmente. Adotar um estilo de vida saudável — não fumar, não beber, alimentar-se bem e fazer exercícios físicos regularmente — é outra maneira de garantir mais qualidade ao dia a dia, independentemente da presença do HIV e da AIDS.

Números alarmantes

Os dados referentes à doença no mundo ainda assustam. De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), quase 40 milhões de pessoas convivem com o vírus e a doença. Entre os brasileiros, estima-se que mais de 820 mil indivíduos sofram com o problema, sendo que uma parte importante deles — cerca de 15% — não sabe disso. Se o conhecimento é o primeiro passo para o combate de qualquer doença, o país pode comemorar os dados apresentados no mais recente Relatório de Monitoramento Clínico do HIV. O documento mostra que o diagnóstico por aqui cresceu 18% e o número de pacientes em tratamento, 15%.

Os avanços estão alinhados à meta 90-90-90, lançada pela UNAIDS em 2014. A entidade, que reúne esforços de 11 organizações mundiais — entre elas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura  (Unesco), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial — propõe que os esforços de todos os países sejam feitos para que, até 2020, 90% de todas as pessoas vivendo com HIV no mundo conheçam seu estado sorológico positivo para o vírus, 90% dessas pessoas diagnosticadas tenham acesso ao tratamento antirretroviral e 90% dos pacientes em tratamento tenham carga viral indetectável.

No entanto, o Brasil ainda é o país latino-americano com o maior número de novas infecções: 49% das pessoas contaminadas em 2016 no continente são brasileiras, segundo a UNAIDS. No mesmo ano, calcula-se que tenham ocorrido 48 mil novos casos de infecção no país. O dado mais preocupante nesse sentido, de acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, é o crescimento da taxa de detecção de casos de AIDS na juventude. Para se ter uma ideia, de 2006 a 2015, os diagnósticos positivos entre jovens de 15 a 19 anos do sexo masculino triplicaram; entre os homens de 20 a 24 anos, a incidência mais do que dobrou.

Welber Henrique Frigeri Moreira, de 24 anos, faz parte dessas estatísticas. A descoberta aconteceu no dia 26 de dezembro de 2016, aos 22 anos. “Naquele dia, passei muito mal, tive vômitos e dores abdominais, mas nunca suspeitei que pudesse ter uma doença mais séria. Acabei procurando um médico por insistência da minha noiva”, relembra o representante. Na UBDS da Vila Virgínia, foi submetido a uma bateria de exames, entre eles, o teste de HIV, sífilis e hepatite. De rápido resultado, os testes podem ser feitos gratuitamente em qualquer unidade de saúde do município.

A sorologia positiva deixou Welber cheio de medos e de incertezas. “A primeira ideia que passa pela cabeça é a de que vamos morrer amanhã. No entanto, contar com o apoio da minha família, dos meus colegas de trabalho, da minha namorada e de toda a família dela foi primordial para que eu conseguisse me recuperar e encontrar forças para encarar o tratamento”, continua o representante, que também comemorou o fato de que a noiva não foi contaminada.

Nessa fase, o conhecimento foi o principal aliado de Welber. “Quando nos informamos sobre a doença, percebemos que é possível seguir adiante tendo uma vida com qualidade. Foi isso que decidi fazer”, acrescenta o jovem, que está de casamento marcado para o próximo ano. Segundo o paciente, que leva a sério a terapia e o acompanhamento médico, o preconceito é o aspecto mais pesado relacionado à AIDS. “É surpreendente o número de pessoas que desconhecem informações básicas sobre o HIV e a AIDS e, por isso, tratam os portadores com preconceito. Vale reforçar que essas doenças não são transmitidas pelo abraço, pelo espirro ou pelo ar de maneira geral. Piscina, banheiro, utensílios domésticos compartilhados: nada disso transmite a doença”, explica Welber.

Segundo o representante, todas as pessoas com vida sexual ativa devem se submeter ao teste. “Essa é a única maneira de tirar qualquer dúvida em relação ao HIV e à AIDS, e um diagnóstico precoce pode fazer toda a diferença”, acrescenta. Welber garante que a sorologia positiva não é o ponto final da vida, muito pelo contrário; pode apontar, na verdade, a hora certa de mudar os hábitos e de cuidar melhor da saúde.

Welber garante que o diagnóstico positivo para a doença não é o fim da vida, muito pelo contrárioPrevenção combinada

Vale lembrar que, quando o assunto é HIV e AIDS, a prevenção continua sendo o melhor remédio. Para isso, a receita é simples e conhecida: usar preservativo — masculino ou feminino — nas relações sexuais. Mais do que isso, é possível adotar uma série de estratégias para impedir a infecção pelo HIV, associando diferentes ferramentas ou métodos (ao mesmo tempo ou em sequência), ou seja, realizar a prevenção combinada. Faz parte da lista de ações a testagem regular para o vírus, pois é a partir do seu resultado que será possível iniciar qualquer tratamento. “Não custa reforçar que o diagnóstico pode ser feito pela rede SUS de forma gratuita e rápida”, acrescenta Lis. 

Também é possível ter acesso à Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que utiliza a medicação antirretroviral para combater a infecção pelo HIV após qualquer risco de contato com o vírus.  “Esse recurso só tem o efeito esperado se iniciado em até 72 horas após a exposição e deve ser mantido por 28 dias”, explica Karen. Mais recentemente, está disponível a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). O medicamento acaba de ser incluído na rede SUS e deve ser utilizado para proteger indivíduos que se encontram em situação de elevado risco de infecção. 

É preciso destacar, ainda, a prevenção da transmissão vertical, que acontece de mãe para filho durante a gravidez, no trabalho de parto, na hora do nascimento ou durante o aleitamento materno. “Por isso, toda mulher grávida deve fazer o teste para o HIV, uma vez que a utilização dos medicamentos certos, no tempo correto, pode evitar a transmissão do vírus”, observa Karen. O tratamento adequado também é uma forte ferramenta de prevenção, uma vez que a terapia antirretroviral pode suprimir a ação do vírus, diminuindo as chances de transmissão. Por último, há um pacote de políticas, de programas e de abordagens nomeado de “redução de danos”, cujo objetivo é reduzir as consequências prejudiciais associadas ao uso de drogas.

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