Profissão: médico
A maioria dos médicos permanece concentrada nas regiões Sul e Sudeste do país

Profissão: médico

Os candidatos à carreira na medicina encontram atualmente, no Brasil, um paradoxo preocupante: excesso de oferta x distribuição desigual de profissionais

Atualmente são 545 mil médicos ativos no Brasil —  2,56 profissionais por mil habitantes, de acordo com Demografia Médica Brasileira 2023, estudo feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Segundo registros dos conselhos regionais de medicina, que alimentam o estudo, o número de profissionais mais do que dobrou nos últimos 20 anos e deve passar de um milhão até 2035. 


O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) não forneceu dados atuais regionalizados, mas os últimos, divulgados em 2012, mostravam que o estado concentra 28,66% dos médicos em atividade no país – taxa de 2,38 médicos por mil habitantes, melhor que as da França e dos Estados Unidos. Ribeirão Preto é a terceira cidade paulista melhor assistida (5,93), atrás apenas de Botucatu (6,12) e Santos (6). 


O CFM atribui esse crescimento ao alto número de novas escolas médicas e de vagas na graduação. Atualmente são 348 em todo o país, quatro delas em Ribeirão Preto: a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – pública – e as particulares Unaerp, Estácio UniSEB e Barão de Mauá, que formam uma média de 200 profissionais a cada ano.


À primeira vista são dados a se comemorar, mas análises mais estratificadas mostram que a distribuição desses profissionais pelo país segue extremamente desigual. A maioria dos médicos permanece concentrada nas regiões Sul e Sudeste, em capitais e grandes municípios – 62% deles nas 49 cidades com mais de 500 mil habitantes que, juntas, concentram 32% da população brasileira. Já nos 4.890 municípios com até 50 mil habitantes, onde moram 65,8 milhões de pessoas, há pouco mais de 8% dos profissionais da área, ou seja, em torno de 42 mil médicos. Resultado: a densidade de médicos (6,13 por mil habitantes) é muito maior em capitais e cidades maiores do que em regiões menores (1,14) e no interior (1,84). 

 

Sinal de alerta


Rui Alberto Ferriani, médico ginecologista diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, diz que essa má distribuição cria um cenário ruim para todos. “Leva à queda de remuneração, enquanto continua a faltar de assistência em locais carentes”, afirma. 


Um quadro difícil que, segundo ele, se agrava com a absorção de profissionais que não conseguem vagas em faculdades brasileiras e buscam formação em outros países da América Latina, regressando para exercer a profissão por meio do Revalida – programa de revalidação do diploma. São 538.352 médicos formados no país e 21.242 no exterior. Além disso, mais da metade — 272.524 médicos —, são formados no ensino privado.


Ferriani também questiona o número de escolas médicas no país. “É assustador. Nem todas têm qualidade e o número de médicos formados todo ano já é maior que o de residências médicas disponíveis, o que está comprometendo a qualidade dos formados. Deveria haver um exame de proficiência para médicos, nos moldes do que a OAB aplica aos advogados, e uma lei que obrigasse toda escola médica a ter um hospital associado”, afirma o diretor. 


Para Ferriani, quem deseja seguir a profissão deve buscar ensino de excelência e se dedicar ao conhecimento. “Ser bem-sucedido será uma consequência disso”, diz, alertando, ainda, para uma distorção que a sociedade pode reverter, valorizando mais os médicos pela qualidade do que pela fama. “Vemos jovens formados mais preocupados em se especializar em mídia do que em se atualizar”, dispara.


50 anos de medicina 


O termo excelência pode ser aplicado à história profissional do neurocirurgião Hélio Rubens Machado, 74 anos, formado na 17ª turma de medicina da USP-RP, em 1973. Reconhecido pelos dois casos de separação de gêmeas siamesas que nasceram ligadas pelo alto do crânio — um em 2018 outro em 2023, ambos casos extremamente raros e graves, que ocorrem a cada 2,5 milhões de nascidos vivos no mundo.


Com 50 anos de medicina recém-completos, Hélio se aposenta como professor da FMRPUSP em dezembro. Apesar disso, não pretende parar. “Posso continuar como professor sênior, que é o cargo que a USP dá para quem quer continuar, e eu certamente quero, porque tenho muita coisa para fazer ainda”, avisa.


Piracicabano criado em Ribeirão Preto, Hélio cresceu em uma casa a 100 metros da unidade do Hospital das Clínicas no Centro. “Ficava vendo o movimento do hospital e já sonhava ser médico. Nunca pensei em outra opção de profissão”, conta. Já no segundo ano ele foi atraído pela disciplina de neuroanatomia. No quinto foi indicado para uma vaga de residente de neurologia e conseguiu um estágio de dois anos em dois hospitais de Paris. “Foi onde surgiu meu interesse em neurocirurgia pediátrica”, recorda.


Seguiu-se a isso uma carreira inteira dedicada ao tratamento de crianças com problemas graves, com lesões congênitas e hidrocefalia. “Posteriormente, me dediquei muito à cirurgia de epilepsia na infância, e faço isso até hoje, mas os casos dos dois pares de gêmeas, sem dúvida, foram os mais marcantes na minha carreira. Importante dizer que quando se trabalha com gente muito boa, nada é difícil”, ressalta.
 

Quatro gerações de médicos


Mais de um milhão de profissionais formados, de maioria feminina, jovem, mas ainda distribuída de forma desigual pelo país. Este é o perfil da profissão de médico projetado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para o ano de 2035.


Uma dessas médicas será Elisa Chaguri, que em 2035 terá 34 anos. A medicina é uma profissão comum na sua família há quatro gerações. Aos 16 anos trabalhou voluntariamente com a produção de perucas para crianças com câncer e esse contato com elas e suas mães a leva a cogitar uma especialização em Oncologia Pediátrica. Esse tipo de experiência é comum na sua família. A tia, Marina de Cápua Chaguri, oncologista, pediu aos pais como presente de aniversário de 13 anos assistir um parto. “Vi dois. Foi sensacional!”, recorda a filha do ginecologista e obstetra Antônio Luiz Chaguri e da endocrinologista Rosa Márcia de Cápua Chaguri.


Antônio admite a influência do tio, Rubens Issa Hallak – irmão de sua mãe – na escolha pela profissão. “Ele foi presidente do Centro Médico de Ribeirão, secretário da Saúde no mandato do Nogueira [pai do atual prefeito], era o único médico da família e eu segui seu caminho”, declara. Para ele e Márcia os filhos podem ser o que quiserem, a única exigência é serem boas pessoas, mas se escolhem ser médicos, precisam saber que terão que estudar para o resto de suas vidas, todos os dias. “O conhecimento da medicina é uma condição sine qua non [do latim, indispensável]. Você tem que saber aquilo que você faz e tem que conhecer suas limitações para encaminhar aquilo que você não sabe fazer, além de acolher cada paciente, isso é fundamental”, conclui. 

Uma especialidade em expansão


A especialidade Médico de Família e Comunidade é uma das mais recentes e promissoras em medicina. Surgiu em meados da década de 1980, ampliando o campo da prevenção. A possibilidade de “lidar com gente” atraiu Fernando Contin De Sanctis, médico de família preceptor dessa residência médica pelo HCRPUSP. Com duração de dois a três anos, essa residência coloca o profissional para atuar diretamente na atenção primária à saúde. 


Fernando gosta de dizer que o médico de família se torna um “especialista em gente”, porque é levado a enxergar o paciente como um todo, enquanto as demais especialidades se atêm a apenas uma parte do organismo humano. “É um médico com uma visão bem próxima da realidade da pessoa, porque acompanha a família por anos. Conhece a casa do paciente, a história, os hábitos, o filho, o pai, o irmão e onde trabalham. Levanta uma história clínica bem ampliada para dar atenção direcionada. Faz uma coordenação de cuidados, com orientação de atividades físicas e outras ações”, detalha.


Segundo Fernando, os programas Médicos de Família reduzem os gastos de saúde, pois resolvem cerca de 80% dos problemas que chegam na atenção primária, diminuindo hospitalizações. “Um dos principais focos da atenção primária é a prevenção, e o médico de família orienta antes de acontecer alguma coisa. Além, claro, de prover tratamento”, diz.


A tendência, segundo o médico, é que o campo para a especialidade aumente, devido a uma orientação do governo federal, de que a atenção à saúde no Brasil seja pautada na atenção primária. “Atualmente, o país tem cerca de 50 mil equipes de médicos de família e apenas 11 mil profissionais formados. Precisamos de mais”, afirma. 

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