Reestruturação na Educação Infantil gera polêmica

Reestruturação na Educação Infantil gera polêmica

Mudanças feitas pela Secretaria da Educação nas escolas municipais na metade do ano letivo geraram reclamações de pais e professores; pasta afirma que alterações cumprem as legislação vigente

Mudanças promovidas pela Secretaria da Educação no ensino infantil municipal,  no meio do ano, durante o recesso escolar, pegaram pais e docentes de surpresa e causaram polêmica em Ribeirão Preto. A reestruturação mudou a data de corte para matrículas, alterou a nomenclatura das turmas para alunos de 0 a 3 anos de idade e realocou professores. Por conta dessa reclassificação, muitos estudantes voltaram às aulas transferidos para novas turmas, com outras professoras. As alterações promovidas pela pasta determinam que poderão ser matriculadas e admitidas ainda em 2022 as crianças que tenham nascido até 31 de julho. Antes, a data-limite era 31 de março. As turmas da Educação Infantil, que eram divididas em Berçário I e II, e Maternal I e II, agora foram modificadas para agrupamentos por faixas etárias, chamados de ciclos: Ciclo I, II, III e IV. A nova resolução também estabelece que os professores de ensino básico (PEB I) podem ser realocados para suprir a demanda existente em novas turmas. Com isso, os docentes podem ser redistribuídos entre as classes, havendo troca ou aumento no número de educadores em cada turma. Na ocasião, o secretário Felipe Elias Miguel explicou que o objetivo das mudanças era aumentar o número de vagas na rede municipal de ensino para atender à lista de espera das creches do município, que possui cerca de duas mil crianças.


A reclassificação foi criticada por pais e professores, que fizeram um protesto pedindo a revogação da medida, logo após o anúncio da secretaria. Os manifestantes afirmam que os estudantes podem ter prejuízos pedagógicos e educacionais. Além disso, temem pela superlotação das salas de aula e que as crianças tenham dificuldade para se adaptar a novos professores e assimilar o conteúdo. Segundo a professora PEB I e membro da Associação dos Profissionais da Educação de Ribeirão Preto (Aproferp), Ana Laura Janolio Pardinho, quem vivencia o dia a dia de uma escola sabe que planejar é fundamental para o bom atendimento e as escolas municipais fazem um planejamento que conta com um plano de ensino anual, com projetos e temas a serem desenvolvidos mensalmente, além de um plano de ensino por bimestre. Ela afirma que a mudança foi repentina, sem consulta prévia da comunidade escolar, e acaba com todo o planejamento. “Outra questão que na Educação Infantil é indissociável etstá no vínculo que a criança de 0 a 3 anos precisa ter com o adulto para se sentir segura e ter mais confiança no ambiente escolar. Ressaltando que voltamos de uma pandemia em que os alunos não tiveram convívio social por quase dois anos, foi notória a dificuldade deles em se adaptar e começar a conviver de forma mais saudável. Muitos conseguiram se comunicar por fala já bem próximo ao meio do ano e, de repente, troca o adulto e o espaço que ele conhecia. Por essas razões, a mudança trouxe muito impacto negativo”, explica.


 “De repente, fomos pegos de surpresa com uma resolução que mudaria tudo, sem prévio aviso, às vésperas de um recesso e com o retorno já mudado, não pudemos nos organizar e planejar. Sendo assim, todo planejamento pedagógico feito em fevereiro com o projeto anual se perdeu. Houve um avanço da idade das crianças, mudando a data de corte, que deixou as mais novas em turmas com planejamento para alunos mais velhos, sem tempo para replanejar, perdendo todas as atividades pedagógicas previstas”, acrescenta Ana Laura. Para ela, o ideal seria que a Secretaria da Educação tivesse sido mais clara com a demanda real do município com antecedência. “Além da gestão de vagas, ninguém mais tem acesso à lista de espera, não há transparência. Outra medida seria mapear os bairros que mais necessitam e, com isso, planejar uma organização nas escolas em curto prazo e construções de novas escolas em longo prazo”, sugere a professora.

ADEQUAÇÃO DE IDADE


A pedagoga Patricia Rachel Pisani Manzoli, consultora Educacional da CNC Educacional e professora universitária da Estácio de Ribeirão Preto, defende que primeiro é preciso relembrar a trajetória histórica que pauta as decisões da Secretaria Municipal da Educação. De acordo com ela, o corte etário foi um modelo proposto pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação, pela Resolução CNE/CEB nº 2, de 9 de outubro de 2018, definindo sobre as Diretrizes Operacionais complementares para a matrícula inicial de crianças na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, respectivamente, aos 4 anos e aos 6 anos de idade. Esta resolução recebeu sua última alteração em 4 de julho de 2019, quando foi aprovado que as crianças que completam 4 anos de idade após o dia 31 de março, se forem frequentar a Educação Infantil, devem ser matriculadas no segmento pré-escolar, ou seja, período antes chamado de creche.


“Na prática, significa que estas alterações foram feitas pela secretaria pensando em adequar a idade da criança para o ingresso no 1º ano do Ensino Fundamental, que passou a ter nove anos de duração em 2006. Toda esta adequação é necessária para que o desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança acompanhe todos os processos e os conteúdos vinculados aos anos iniciais do Ensino Fundamental I”, detalha. Patricia esclarece que é essencial estabelecer uma data unificada e não determinar o corte etário impacta de duas maneiras na vida das crianças e dos sistemas de ensino. “O primeiro grande impacto é que alunos muito novos ingressariam no 1º ano do Ensino Fundamental sem terem um amadurecimento adequado, e o segundo impacto é que isso resultaria em dificuldade de atenção, concentração, dificultando a aquisição de todas as habilidades preditoras para seguir com o processo de alfabetização”, justifica. A pedagoga alega que fazer esta adequação no meio do ano ocorre para que, em 2023, o ano inicie dentro deste novo modelo. “Alguma hora essa adequação iria acontecer, pois, caso contrário, o que muitas escolas particulares vinham fazendo era propor aos pais que a criança cursasse duas vezes seguidas a mesma etapa. Por exemplo, fazer duas vezes o Maternal I para que chegasse na 1ª Etapa da Educação Infantil na idade adequada, seguindo desta maneira o corte etário para 4 anos no ensino infantil”, explica.


Patricia acredita que todas as demais medidas passam por implantações em longo prazo. Ela afirma que, se há salas ociosas na escola e isso ocorre por uma lotação em um único segmento, a segmentação por ciclos dentro da pré-escola funciona como uma solução que atende à reorganização, que vai permitir uma melhor ocupação nas salas de aula, com uma divisão mais segura de crianças em fases de desenvolvimento infantil mais próximas, podendo gerar um trabalho pedagógico muito mais direcionado para a faixa etária de cada ciclo. “A concepção social das famílias que estão preocupadas está muito voltada para uma ideia de que seus filhos vão mudar de professora, de grupo de alunos, ou até mesmo uma concepção de que estão voltando ou regredindo de etapa, mas vejo com bons olhos bancar essas mudanças agora e o apoio dos pais será imprescindível para que a adequação seja bem-sucedida”, aconselha a educadora.

 

NOVA ESTRUTURA


Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal da Educação encaminhou uma nota, já divulgada em 7 de julho, na qual informa a nova estrutura de atendimento na Educação Infantil. Na nota, a pasta defende que a reorganização agrupa alunos com idades próximas, além de otimizar espaços ociosos, criando 1,4 mil novas vagas para crianças de 0 a 3 anos. Também afirma que, com o retorno das aulas 100% presenciais, a demanda da educação infantil na rede municipal aumentou, trazendo a necessidade dessa reestruturação. “Serão feitos agrupamentos dos alunos, de acordo com os ciclos determinados na própria escola, atendendo aos parâmetros de organização de grupos e da relação professor/criança. O número de alunos em atendimento por turma respeitará a metragem das salas. Os pais e responsáveis podem ficar tranquilos, nenhuma sala ficará superlotada e nenhum aluno ficará sem professor. Pelo contrário, os estudantes estarão juntos com colegas da mesma idade. Além disso, poderemos atender mais alunos”, garante o secretário Felipe Elias Miguel na nota. 

Para nossa reportagem, a secretaria complementou que a reorganização na Educação Infantil já completou quatro semanas, pois foi iniciada em 25 de julho, e que estudantes e unidades escolares já estão adaptados às mudanças. “Nenhuma ocorrência ou reclamação foi recebida nos últimos dias. Informamos ainda que toda a organização cumpre integralmente as legislações vigentes.”

 

AS MUDANÇAS:

 

- Com a nova resolução da Secretaria da Educação, as crianças de 0 a 3 anos de idade podem ser matriculadas e admitidas ainda em 2022, caso tenham nascido até 31 de julho, nova data-limite estabelecida pela pasta para o ensino infantil municipal;

 

- As turmas da Educação Infantil tiveram a nomenclatura alterada e foram modificadas para agrupamentos de crianças por faixas etárias, chamados de 'ciclos': Ciclo I, II, III e IV, otimizando espaços ociosos e criando 1,4 mil novas vagas para crianças de 0 a 3 anos;

 

- Os professores de ensino básico (PEB I) podem ser realocados para suprir a demanda existente em novas turmas. Os docentes podem ser redistribuídos entre as classes, havendo troca ou aumento no número de educadores em cada turma.

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