Quaresma: reflexão e renuncia

Quaresma: reflexão e renuncia

A Quaresma, tempo de penitência e preparo para a Páscoa dos cristãos católicos, também é um chamado ao autoconhecimento e ajuda ao próximo

Além da penitência, a tradição cristã católica da Quaresma – período de 40 dias que antecede a Páscoa – também é um convite à reflexão, autoconhecimento e solidariedade. Historicamente, o período é ligado à penitência, principalmente no imaginário medieval, como explica o monge beneditino Dom Guilherme das Mercês, da Basílica Santo Antônio de Pádua, nos Campos Elíseos.  “Na Idade Média, as privações eram severas, um tempo de jejum, de abstinência e penitência. Hoje, se dá de uma forma diferente, mas muito desses costumes ainda se mantém. É o preparo para a beleza do domingo de Páscoa. De alguma forma, mortificando dentro de você alguma coisa para que algo renasça”, explica Dom Guilherme.   Originada no século IV, a palavra "Quaresma" deriva do latim "quadragesima", referindo-se ao período de quarenta dias de preparação espiritual que os cristãos dedicam em observância ao sacrifício de Jesus Cristo.  
 

Tipos de penitência


A Igreja Católica sugere diversas formas de penitência durante a Quaresma, mas são os fiéis que escolhem suas práticas significativas e personalizadas. Entre as formas comuns de penitência estão o jejum, a abstinência de carne, a oração intensificada, a participação em obras de caridade e a reconciliação sacramental por meio do sacramento da confissão. “Temos pessoas que se abstêm de carne durante toda a Quaresma. Algumas que consomem a carne apenas aos domingos, que é o dia livre das penitências. Aquelas que apenas comem peixe às sextas-feiras. Também as pessoas que praticam algum tipo de jejum. Ainda carregamos a herança de penitências quaresmais rígidas. Por exemplo, tínhamos mulheres que não se penteavam ou não lavavam os cabelos na Sexta-feira Santa, pois não era um dia para se arrumar, e sim de reflexão e penitência para lembrar a morte de Jesus”, conta o monge.  


Além disso, em suas diretrizes para a Quaresma, a Igreja Católica destaca a importância da penitência como um meio de transformação interior. Assim, ao adotar atitudes de humildade, renúncia e serviço aos outros, os fiéis são convidados a vivenciar um período de crescimento espiritual e renovação, preparando-se para a alegria da Páscoa. 


Joaquim Antonio de Araujo diz que a Quaresma é tempo de conversão e penitência. “Para mim, é um período de autoanalise sobre a minha vida e ver onde posso ser melhor”, conta o empresário que, já fez abstinência de alimentos e bebida. “Não como carne às quartas e sextas-feiras. Mas penso que cada pessoa tem uma visão sobre a penitência. Para mim, vale fazer o bem e guardar a língua, pois ela pode destruir muita coisa.”


Para a professora aposentada Rosália Borges de Figueiredo Ferreira, de 68 anos, o período de penitência é dedicado ao jejum, oração e ajuda ao próximo. Ela também faz o rosário da madrugada, das 4h às 6h.  “Mas, principalmente, tento me corrigir nesse período. Evito murmuração, reclamações, julgamento do próximo. Estou aprendendo, a cada dia, que quaisquer sacrifícios que façamos é pouco perto do que Jesus fez por nós, dando sua vida para nossa salvação. Por isso, acredito que o período é propício para uma mudança de vida, de conversão, amando e ajudando nossos semelhantes”, diz. 

Reflexão e concretização 

E a solidariedade é uma das maiores mensagens que a Quaresma passa à sociedade, segundo Dom Guilherme. Para fora dos muros da igreja, o desafio que o período traz é o autoconhecimento, a reflexão e o olhar para o outro.  “É preciso olhar o próximo, se colocar em seu lugar e sentir compaixão. Doar um pouco da nossa vida para os semelhantes”, diz. E esse significado é o que traz a reflexão para os tipos de penitência que são praticadas hoje.  “Vemos muita gente dizendo que durante a Quaresma não toma refrigerante, não compra roupas, etc. Mas, além de uma penitência, qual o sentido? É preciso que o gesto seja concreto. Não basta não consumir chocolates, por exemplo, é preciso fazer alguma ação social, ajudar o próximo de alguma forma. Fazer uma caridade com o valor que você não gastou com os chocolates. É preciso reverberar o seu gesto no mundo. Transformar um vício e virtude.” 


Para a representante de vendas Nilce Pinho, de 63 anos, a Quaresma significa um período de deserto espiritual, de recolhimento. “Busco estar mais próxima de Deus para que, por meio da oração, jejum e caridade eu possa refletir e alcançar o perdão dos meus pecados”, diz.  Por isso, ela pratica o jejum durante o período e também busca levar as reflexões e a palavra de Deus ao próximo. “É um período em que me sinto muito grata. Mas, infelizmente, as pessoas hoje buscar mais o ter do que o ser, estão se distanciando dessa reflexão, autoavaliação. Por isso, temos de procurar, a cada amanhecer, a nossa melhor versão. E penso que é a grande mensagem que a Quaresma nos traz”, diz.  

Desafio da conversão  


Segundo o arcebispo metropolitano de Ribeirão Preto Dom Moacir Silva, o grande desafio da Quaresma é justamente a conversão. “Tanto é que no dia de hoje a palavra de ordem da liturgia: é convertei-vos e crede no evangelho. Então, o primeiro ponto para a Quaresma é justamente o desejo de entrar nessa dinâmica de conversão de vida.” Ele conta que, no passado, havia de fato um rigorismo maior para o tempo quaresmal. “Hoje, nós temos a abstinência de carne na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa, os dois dias previstos para a abstinência de carne para as pessoas acima de 14 anos. Também Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa é dia de jejum para as pessoas maiores de 18 anos até os 60 começado. Basicamente o que exige um maior esforço seriam nesses dois dias”, explica. Ele também esclarece o peso que alguns tipos de penitência podem trazer e a cautela para que seu significado não seja contraditório com o convite à reflexão que o período propõe. 


Coração e reflexão 



“Muitas vezes, as pessoas têm costume de penitência de alguma coisa, como de bebida, cigarro, doces. É aqui é preciso observar de perto essa questão, o mais importante é a conversão. Às vezes a pessoa faz a opção de não comer doce na quaresma, mas por causa disso fica ansiosa, fica tensa e acaba atrapalhando o relacionamento. Esse sacrifício é agradável para Deus? Com certeza não. A penitência deve estar conjugada com seu esforço de conversão, o mais importante é a conversão do coração”, pontua Dom Moacir. O arcebispo destaca que a Quaresma é um convite à conversão, a melhorarmos a nossa relação com nós mesmos, com os outros e com Deus.  “Porque a conversão passa por todas essas esferas. E a Campanha da Fraternidade vem apontar um foco para trabalharmos essa conversão. Olharmos como está o meu diálogo com o outro, como eu o valorizo. Eu desejo a todos que aproveitem ao máximo esse tempo quaresmal, ouvindo mais a palavra de Deus, participando das celebrações, atentos ao tema da campanha e nos preparamos bem para o ponto alto da vida cristã que é a celebração da Páscoa do Senhor”, conclui.  
 

Tradição à mesa 

Uma das principais tradições que nasceram com a Quaresma e a Páscoa é o consumo de peixes nesse período. Isso porque, a redução do consumo de carne vermelha, ou até sua substituição total, é uma das principais penitências.  Com isso, o período mexe profundamente com o mercado e o consumo de peixes. O comerciante Oswaldo Galo conta que em sua peixaria o movimento triplica durante a Semana Santa. Já durante a Quaresma, a busca pelos peixes sobe 15% em relação aos outros meses do ano. “Notamos que é uma tradição que vai além dos fiéis católicos. Muitas pessoas buscam essa readequação alimentar no período e seguem a tradição de não consumir carne vermelha na Sexta-feira Santa”, conta.  


Ele ainda diz que o período reflete em mais geração de empregos, pois ele tem de aumentar o quadro de funcionários para atender à demanda, e na organização do negócio. “Começo a me preparar para a Quaresma em outubro, com organização de estoques e pedidos de peixes. Somos em 12 funcionários durante o ano todo e contratamos mais quatro profissionais nesse período.”  Oswaldo também destaca que tilápia, sardinha e curimba são os peixes mais procurados durante a Quaresma. E, para a Semana Santa, o salmão e o bacalhau são os protagonistas. 

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