Resgate do passado nas paredes do presente

Resgate do passado nas paredes do presente

Prédios históricos e que são símbolo de Ribeirão Preto passam por processo de restauração, mas ainda há um longo caminho para resgatar patrimônios da cidade

Ribeirão Preto vive uma jornada para resgatar o passado que desenha seu contorno nas paredes centenárias de prédios históricos. Se por um lado a cidade testemunha o renascimento de suas raízes com grandes projetos de restauração, por outro, ainda está distante de um projeto maior que tenha em vista a preservação do patrimônio material e histórico da cidade. Entre as conquistas mais recentes, está a aprovação do projeto de restauro do Palácio Rio Branco e Complexo dos Museus Histórico e do Café. O investimento total estimado, segundo a Secretaria da Cultura e Turismo, é de R$ 4 milhões para a construção da Reserva Técnica, R$ 6 milhões para o restauro do Palácio Rio Branco e R$ 390 mil para o inventário e catalogação do acervo do Complexo de Museus.  


“O restauro do Complexo de Museus ainda irá ao Conppac. Mas, estima-se pela empresa que elabora o projeto, cerca de R$ 8 milhões de investimento ao todo. Porém, essa é uma estimativa.  No momento, temos vários outros projetos que envolvem o Museu como: restauro dos Casarões, do Pavilhão, o Coreto do Chorinho, seu entorno e paisagismo. Bem como o restauro do acervo, e a discussão com a sociedade civil sobre qual museu nós queremos”, explicou o secretário da pasta, Pedro Leão.  

 

Patrimônio é prioridade de gestão 


Ainda segundo o secretário, a preservação, restauração e manutenção do patrimônio histórico da cidade está entre as cinco principais prioridades da atual gestão, sendo um compromisso diário. “Só a preservação do passado nos possibilitará reconhecer tudo aquilo que pavimentou o nosso caminhar e vai garantir a construção de algo melhor”, disse.  Na atual administração, o investimento de todos os projetos da Secretaria da Cultura e Turismo foi de R$ 11 milhões. Pedro Leão explica que há uma equipe de dedicação diária na Divisão de Patrimonio, bem como na gestão dos Museus Histórico e do Café, da 2ª Guerra e da Imagem e Som.  “O acompanhamento também tem diálogo com outras pastas que cuidam de cada demanda. Como a Guarda Civil (GCM), Infraestrutura, Defesa Civil, Educação, e Administração, que hoje abraça os arquivos públicos e históricos. Temos uma parceria com o Sistema Estadual de Museus (Sisem) e a busca por apoio técnico e formação”, disse. 


Já entre as atuais parcerias com a iniciativa privada, o secretário destaca a exposição "Centenário da Cerveja Niger", no Centro Cultural Palace e a obra do Camilo de Mattos, com a abertura do Casarão no período da feira Internacional do Livro e do Aniversário da cidade. “E claro, a preservação de bens imateriais, como a retomada do Chorinho na 07 de Setembro.”
 

Desafios para manter viva a memória e a história 

A preservação do patrimônio histórico é uma jornada constante, exigindo não apenas recursos financeiros, mas também o engajamento da comunidade. Assim, Ribeirão Preto ainda precisa dar muitos passos para preservar, de fato, o patrimônio material e histórico que moldou o tecido urbano e cultural da cidade. Para a Secretaria da Cultura, entre os principais desafios estão a inclusão das questões do patrimônio no orçamento municipal, a busca por mais recursos, o diálogo com entidades de classe, técnicos, sociedade civil e, principalmente, com o Conppac, além da ampliação da equipe efetiva na divisão de patrimônio. 


Na visão do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac), Ribeirão Preto é rica em história e equipamentos, mas ainda falta iniciativa do poder público. “Temos muitas oportunidades de projetos, em prédios históricos que estão sem manutenção adequada. O casarão Albino Camargo, na Visconde de Inhaúma, poderia estar contemplado em um projeto. Outro exemplo é que não temos nenhum museu que abre aos domingos em Ribeirão. É preciso despertar a pertencia comunitária, a população está sem acesso a suas raízes pois faltam políticas públicas. E não se faz política pública sem a participação popular.”, explicou o presidente do Conppac, Lucas Pereira. 

Turismo e valorização do passado  

Ainda segundo ele, a cidade precisa investir em uma política de turismo cultural. “É um investimento com retorno garantido, pois preserva e valoriza os equipamentos históricos. Não podemos ter o resgate desses prédios e deixar parado sem trazer a comunidade, sem envolver a população. Ribeirão não explora sua história e deixa de garantir direitos fundamentais a sua população, de conhecer suas raízes e memórias”, disse.  
Segundo o Conppac, Ribeirão Preto tem 124 tombamentos pelo Conselho. Já pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo ), são 12 tombamentos na cidade. Prédios como o Theatro Pedro II, no Centro, e a Estação Barracão, na avenida Dom Pedro I estão entre os primeiros locais tombados em Ribeirão, no ano de 1982. 


O papel inquestionável  do patrimônio cultural 


Hotel Brasil é um dos símbolos do atraso na preservação do patrimônio histórico de Ribeirão Preto. A preservação e restauração de patrimônios históricos e culturais desempenham um papel crucial na sociedade, transcendendo a mera conservação de estruturas físicas.   Segundo historiadores, essa prática não é apenas um ato de manter monumentos em pé, mas uma salvaguarda da identidade coletiva e da memória de uma comunidade. 

Em Ribeirão Preto, segundo a professora doutora Silvia Maria do Espírito Santo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e especialista em Patrimônio Cultural, ainda falta seriedade com o patrimônio público como saúde urbana. Para ela, ao não se preservar e proteger adequadamente o patrimônio, existe uma precariedade ambiental e a lei não á cumprida.  

Ela explica que, as barreiras e dificuldades de casos como o do Hotel Brasil, que está depredado e irá a leilão pela quarta vez por conta de dívidas, não podem ser desculpas para a não preservação. “Em situações mais inóspitas, como terremotos e guerras, o patrimônio da humanidade é protegido de alguma forma. A não ser em casos extremos de destruição”, explicou.  

Por isso, segundo ela, o que falta é cumprir a legislação. “A lei do patrimônio, há décadas, não é cumprida em Ribeirão. É o caso do Museu do Café, há mais de vinte anos em grande precariedade, e fechado desde 2016. É o que também acontece com o Hotel Brasil. Existe aí um beco, às vezes até proposital, para justificar uma demolição. Então, o que temos de fazer é uma educação ambiental e, desde já, cumprir a lei que já existe”, disse.  

Hotel Brasil  

Neste contexto, o embate em torno do prédio histórico do Hotel Brasil, na Avenida Jerônimo Gonçalves esquina com a Rua General Osório, no Centro de Ribeirão Preto, ganha destaque. O emblemático edifício, que testemunhou décadas de mudanças e eventos significativos, tornou-se alvo de leilões sem sucesso. O prédio, construído na primeira metade do século 20, teve lance mínimo de cerca de R$ 4 milhões no último leilão. “É uma dificuldade pois, do jeito que está, o prédio não vale essa quantia. Daí a dificuldade em arrematar o imóvel nesses leilões”, explica o presidente do Conppac de Ribeirão Preto.  


O prédio, que é tombado desde 1991, não passa pela conservação adequada por conta do abandono e, por ser um imóvel particular, não pode sofrer intervenções. “O processo de tombamento tem como objetivo proteger o imóvel, por outro lado, não podemos intervir e entrar no espaço sem a autorização dos proprietários”, explica.   Segundo informações do Arquivo Público e Histórico Municipal, o Hotel Brasil já foi considerado um dos cartões-postais da cidade, e hospedou autoridades políticas e clubes de futebol, como os argentinos River Plate e Bocas Juniors, entre os anos 1930 e 1955.  


O projeto inicial de construção do imóvel é de Vicente Viccari com a colaboração do engenheiro Antônio Soares Romêo. No final da década de 1980 o prédio do hotel foi vendido para o empresário Maurício Marcondes de Oliveira.  O leilão do imóvel foi determinado pela Vara da Fazenda Pública e Autarquias Estaduais da Comarca de Juiz de Fora, Minas Gerais, e tem como objetivo o pagamento de dívidas tributárias do Grupo Maurício Marcondes e da DrogaVida, pertencente ao empresário, que morreu em 20 de fevereiro de 2016.   


A terceira tentativa de leilão do Hotel Brasil foi no dia 23 de janeiro. Porém, nenhum interessado apresentou lances para arrematar o imóvel, avaliado em R$ 9,46 milhões. Agora, segundo informações da leiloeira, a próxima tentativa está marcada para o dia 21 de fevereiro. Na primeira tentativa, o lance mínimo será de 100% do valor do imóvel e, caso necessário, o lance mínimo na segunda tentativa será de 50%, pouco mais de 4 milhões. “A saúde ambiental da cidade depende do patrimônio preservado. Ribeirão Preto, de fato, está muito distanciada de um projeto maior que tenha em vista uma saúde da cidade, não só cidadã, mas da cidade”, disse Silvia Maria do Espírito Santo, professora doutora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 


Projetos para o patrimônio

 

Além dos projetos de restauro de importantes símbolos da história, a Secretaria de Cultura e Turismo destacou a atualização do Plano Municipal de Turismo com o acompanhamento do Conselho Municipal de Turismo (Comtur). O secretário Pedro Leão também disse que há um projeto de tour virtual e digital para o MARP que será lançado ainda no 1º semestre e ampliado para o Museu da 2ª Guerra. “Queremos propor discussões com a sociedade civil para implantação de um plano municipal de patrimônio histórico e cultural, além de discutir uma legislação municipal que garanta investimentos”, disse. A historiadora e pesquisadora Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa também destaca que, de uma maneira geral, as políticas de preservação do patrimônio cultural em Ribeirão Preto avançaram nos últimos 20 anos. “Por outro lado, um dos fatores que precisa ser pensado sobre o patrimônio é que ele não é responsabilidade exclusiva da secretaria de Cultura do município. O patrimônio cultural tem uma dimensão intersetorial e deve ser compreendido na perspectiva de outras secretarias, como Planejamento e Educação.”


GUARDIÕES DA HISTÓRIA

Confira a lista de prédios históricos de Ribeirão tombados pelo Estado de São Paulo  

Casa Térrea à Rua Caramuru 
Localização: Rua Caramuru, 232  

Catedral de São Sebastião 
Localização: Praça das Bandeiras 

Cervejaria Paulista 
Localização:
Quadra localizada na Av. Jerônimo Gonçalves, Rua Maria Junqueira, Rua José Bonifácio e Rua Visconde de Rio Branco 

E.E. Dona Sinhá Junqueira 
Localização:
Rua Cons. Dantas, 358  

E.E. Dr. Guimarães Jr. 
Localização:
Rua Lafaiete, 584  

E.E. Fábio Barreto 
Localização:
Rua Amador Bueno, 220  

E.E. Otoniel Mota 
Localização:
Rua Prudente de Morais, 764 

Edifício Diederichsen 
Localização:
Rua Álvares Cabral, 469 

Estação Barracão 
Localização:
Avenida dom Pedro I, esquina com a rua Rio Grande do Sul 

Quarteirão Paulista e Praça XV de Novembro 
Localização:
Rua XV de Novembro, 332, 354, 390 e 396 

Sistema Viário, Área Verde e Cj Arquitetônico da Antiga Fazenda Monte Alegre 
Localização:
Cuiabá, 370 

Theatro Pedro II 
Localização:
Rua Álvares Cabral, nº 370, Praça XV de Novembro 

 


Fotos: Luan Porto

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