
Saúde mental materna importa
Aproveitando a celebração do Dia das Mães, a campanha Maio Furta-Cor convida à reflexão sobre os necessários cuidados com a saúde mental de quem cuida
Até o final de maio a população de Ribeirão Preto e região está mais do que convidada a participar das atividades da campanha Maio Furta-Cor realizadas na cidade. Criada para ampliar o debate e promover a conscientização sobre a importância da saúde mental materna, a programação inclui rodas de conversa, palestras, oficinas e vivências sobre temáticas distintas que permeiam a saúde mental materna: como gravidez, puerpério, amamentação, parentalidade, maternidade múltipla, maternidade e trabalho, economia do cuidado, luto, entre outras. Realizadas por profissionais atuantes nas áreas da saúde e mães empreendedoras, as atividades são gratuitas e a programação completa está disponível no Instagram: @ondafurtacor.rp e no link: maiofurtacorrp.my.canva.site
ONDA FURTA-COR
A campanha Maio Furta-Cor é uma iniciativa brasileira, criada em 2020, com o propósito de sensibilizar a população e as autoridades sobre a temática da saúde mental materna no Brasil e no mundo. O primeiro ano (2020), devido à pandemia, foi totalmente online. Em 2021, algumas cidades estenderam ao presencial, entre elas, Ribeirão Preto, onde as ações foram apenas entre profissionais do meio. Em 2022, a psicóloga Gabriela Burssato encabeçou a representação na cidade, ampliando as ações a diversas áreas. Em 2023, a psicóloga Paula Naldi e a consultora em amamentação Jana De Ross assumiram a representação, dando continuidade ao trabalho multidisciplinar. Este ano, novamente articulada por elas, e contando com apoio voluntário de muitos profissionais e mães empreendedoras, a campanha apresenta uma programação de 55 atividades, espalhadas em distintos pontos da cidade, voltadas a mulheres e homens.
“Em um mundo de silenciamento, negligência e violência contra as mulheres no seu momento de vida mais intenso — que é a maternidade —, cuidar da saúde mental é questão não só individual, mas também coletiva. Para cuidar bem de um bebê, a mãe precisa estar bem! Mães exercem trabalhos lindos e exaustivos de cuidado, mas não recebem esse cuidado de seu entorno, quando ele deveria vir de todos e, principalmente, da sociedade. Cuidar da mãe é também cuidar da infância, é preciso cuidar de quem cuida! Atos de sensibilização e conscientização, como a campanha Maio Furta-Cor, podem mudar o futuro validando, dando voz, visibilidade e apoio verdadeiro a quem movimenta a própria vida e a do outro, através da maternidade”, enfatiza Jana De Ross.
SAÚDE MENTAL IMPORTA
Karine Becker Petelinkar, psicóloga e educadora perinatal, teve sua vida e maternagem transformadas pelo conhecimento, por isso, contribui com a campanha Maio Furta-Cor, realizando Rodas de Conversa sobre os desafios do puerpério todas as segundas-feiras. “Essa é uma fase extremamente difícil para mães. Existe um enorme medo envolvido nas inúmeras novas responsabilidades na sobrevivência desse novo bebê. Medo e exaustão são somente a ponta de um iceberg que abrange outros pontos, como perda da identidade, não aceitação do corpo, crise nos relacionamentos, cobranças, culpas, depressão pós-parto, solidão e ansiedade. A lista é grande e cada mulher ainda carrega as suas particularidades com esta nova fase da vida. Acreditamos que quanto mais informação, mais permissão e menos culpa”, pontua.
Nos encontros são todos bem-vindos, pois quanto melhor informada a rede de apoio à mulher, mais qualidade a mãe tem no seu puerpério e maior segurança transmite ao bebê. “Existem linhas da Psicologia que dizem que até os seis meses o bebê é totalmente fusionado emocionalmente à mãe e isso vai diminuindo até aproximadamente os dois anos de idade, ou seja, ele sente o que a mãe sente. Por isso, o bem-estar mental e emocional da mãe é essencial”, enfatiza Petelinkar.
Maternidade múltipla
Fala-se muito da ‘mãe de primeira viagem’ e disponibiliza-se muita informação para a mulher que entra no mundo da maternidade, mas pouco se fala da mãe que entra na maternidade múltipla e está também é uma temática da campanha Maio Furta-Cor. “Ano passado, eu estava atravessando meu segundo puerpério, sendo uma mulher expatriada e sem rede de apoio. As atividades da campanha protegeram minha saúde mental porque possibilitaram conectar-me com outras mães e uma rede de profissionais da saúde com um olhar humanizado, que prioriza a saúde da mulher. A ‘mãe de segunda viagem’ também vive medos, angústias e preocupações — só que diferentes do que se vive com o primeiro filho —, que precisam ser reconhecidas e cuidadas”, conta a psicóloga clínica e perinatal Lucía Acosta.
Para Lucía é necessária uma mudança do paradigma que coloca a mãe em um lugar de sobrecarga e adoecimentos, onde a vulnerabilidade, sofrimento e dores são vistos como debilidade e negligência com relação aos filhos; onde a mulher se resume à maternidade, quando na realidade ela é uma parte dessa pessoa. “Uma pessoa com limites, com só dois braços e mãos, com necessidades, desejos e projetos além de ser mãe. Precisamos construir novos conceitos de maternidade, onde haja lugar para todas as realidades, onde a priorização dessa pessoa seja importante, onde a corresponsabilidade seja a base do cuidado e onde haja espaço para que cada mulher possa construir seu próprio caminho e significado de maternidade”, enfatiza.
UM ESPAÇO SEGURO
Para além da romantização da maternidade, a campanha traz também a reflexão e o reconhecimento de que o amor, a felicidade e o sonho realizado de ser mãe pode coexistir com dores e desconstruções de planos e expectativas, que vão se apresentando de formas diferentes na realidade. O luto perinatal e neonatal — termos que se referem à essas perdas —, ainda é abafado socialmente e vivido muito solitariamente por mulheres e famílias. O parto dos sonhos que precisou ser uma cesárea, a amamentação que não foi possível ou foi muito mais difícil que se esperava, a privação de sono, o conciliar da vida da mulher, esposa, mãe e profissional, que parece e muitas vezes é inatingível, também são exemplos de experiências que implicam a vivencia de seus próprios lutos.
“O luto é um processo de adaptação à uma vida que mudou. Sejam as perdas físicas ou simbólicas, são experiências singulares para cada pessoa, isso quer dizer que não existe um jeito certo e um jeito errado de se enlutar e sentir. Ao mesmo tempo, essa é também uma experiência social, temos regras que falam sobre o que é viver o luto em cada cultura inclusive determinando o tempo a se retirar do mundo para isso. Parece contraditório e ainda é novo defender o respeito e a permissão para se sentir e viver as singularidades de cada uma dessas experiências, mas é muito importante ampliarmos as margens para compreender mais, sermos mais compassivos e acolhedores. Poder falar sobre os nossos lutos também é uma forma de melhorar a saúde mental”, ressalta Evelyn Ignacio, terapeuta do luto e logoterapeuta participante das Rodas de Conversa sobre essa temática.
PARENTALIDADE AFROCENTRADA
Outro tema da campanha, a parentalidade afrocentrada, cria um espaço de reflexão para a quebra de ciclos de vulnerabilidade. Realizada em parceria com a Casa da Mulher, a Roda de Conversa faz refletir sobre o privilégio social de se discutir sobre maternidade respeitável e cuidados com a saúde mental materna, algo que, na maioria das vezes, moradoras de favelas não alcançam fazer. “Essas mulheres estão preocupadas com demandas urgentes como dignidade de moradia, comida no prato e receber seus filhos vivos e bem em casa ao final do dia, tem pouco tempo para pensar em formas de maternar. Para elas, a maternidade simplesmente acontece e se desenrola no dia a dia com vários atravessamentos, que colocam as questões de saúde mental em evidência, porém, sem tratamento, acompanhamento ou atenção. São inúmeros os desafios de se criar uma criança preta em nossa sociedade”, avalia a assistente social Juliana Dionizio da Silva, que se conectou com a campanha durante seu puerpério, no ano passado. “Foi algo que tornou a minha experiência mais leve e menos solitária. Hoje é uma honra poder contribuir para orientar as famílias sobre a importância deste olhar respeitoso para cada fase da maternidade e os reflexos deste cuidado na vida dos filhos. É importante fortalecer as famílias pretas, que são sempre pautadas apenas através das dores do racismo e nunca através da potência da sua resistência ancestral”, enfatiza.
LUGAR DE ESCUTA
Dando um passo crucial em direção à construção de uma paternidade mais presente e engajada na saúde mental materna, o Lugar de Escuta — projeto idealizado e facilitado desde 2019 pelo enfermeiro e terapeuta integrativo Fausto Neto, que reúne homens para compartilharem experiências de vida e conflitos, em busca de possibilidades de mudanças culturais e comportamentais —, realizou um encontro específico para homens na programação Maio Furta-Cor, para abordar a temática do pré-natal do parceiro, com a facilitação de Marcelo Domingos, enfermeiro e educador social. Nessa roda de conversa, os homens puderam desmistificar mitos e crenças relacionados ao papel do homem na gestação; compreender a importância do acompanhamento médico durante a gravidez; obter informações valiosas sobre os cuidados necessários com a saúde da mãe e do bebê; fortalecer o vínculo emocional com a parceira e com o filho que está por vir e preparar-se para a chegada do novo membro da família de forma consciente e responsável. No próximo dia 22, em mais um Lugar de Escuta, Fausto e Marcelo realizam uma roda aberta a todos com foco central na temática do cuidado.
“Este ano, o Lugar de Escuta tomou um novo rumo, expandindo o foco das rodas de conversa para abarcar o papel fundamental do homem na jornada da gravidez e da saúde mental materna, para reconhecer a importância da paternagem ativa na construção de um ambiente familiar saudável e acolhedor. O projeto convida os homens a se unirem em um diálogo franco e aberto sobre as responsabilidades compartilhadas e os desafios que permeiam a criação dos filhos. Assim, abre um espaço crucial para o diálogo, a escuta ativa, e a construção de um futuro mais promissor para as famílias”, destaca Neto.
RESPIRA MÃE
Aromaterapeuta integrativa, empreendedora e mãe de duas meninas, Thaís Cintra participou como ouvinte da programação 2023 da campanha e este ano está contribuindo na ação “Respira Mãe”. Para ela, a ação Maio Furta-Cor cria um espaço não só para conscientização, mas também para o início dos cuidados mentais maternos necessários. “Ao longo da maternidade, e mesmo antes dela, nos deparamos com inúmeros desafios que despertam diversas emoções. Enquanto a maternidade é romantizada com um amor infinito, a realidade pode nos trazer decepção, frustração, raiva, solidão, euforia e, claro, muito amor. Estes momentos de respiração, calma e trocas permitem o reabastecimento emocional para mulheres, mães e gestantes”, conclui.
Dupla maternidade
Dia: sexta-feira, 17 de maio
Hora: 19h
Local: Biblioteca Sinhá Junqueira
Rua Duque de Caxias, 547 - Centro.
Nesta ação, a proposta é conhecer mais sobre as possibilidades de acesso à maternidade em um relacionamento vivido por duas mulheres, desde processos como fertilização in vitro e suas limitações e regras das legislações vigentes, até a adoção, entendendo quais as etapas existentes e se há questões específicas observadas ao ser um casal de duas mulheres tentando adotar. “Também refletiremos a razão de, mesmo sendo um casal de duas mulheres, existirem desigualdades e reprodução de inúmeros estereótipos heteronormativos, levando à sobrecarga da cuidadora principal e riscos à saúde mental”, enfatiza a facilitadora, Marina de Almeida Borges (assistente social).
Contando uma nova história
Dia: sábado, 18 de maio | Hora: 9h às 11h
Local: Espaço Brincar
Av. Vereador Manir Kalil, 565
Aberto para mães em busca de novos caminhos — que estão pensando em ter mais filhos ou simplesmente desejam ouvir sobre outras formas da maternidade —, a atividade aborda a maternidade múltipla, onde o puerpério já não é igual ao anterior e as necessidades e demandas são diferentes, levando a mãe à necessidade de construir uma nova identidade e se abrir para novas possibilidades, pois a dinâmica familiar se reconfigura e tudo acontece num ritmo diferente, muitas vezes, na intensidade de uma birra ou atendendo demandas do outro filho. “Vamos conversar sobre tudo o que acontece nessa 2ª viagem, em um lugar seguro, acolhedor, junto com outras mães, passando pelos mesmos dilemas da maternidade múltipla”, diz Lucía Acosta (psicóloga), facilitadora junto com Sabrina Boni
(pediatra).
Celebrando o cuidado
Dia: quarta-feira, 22 de maio | Hora: 19h
Local: Biblioteca Sinhá Junqueira – Rua Duque de Caxias, 547 – Centro.
Com o objetivo de promover a cultura do cuidado e da responsabilidade compartilhada, o Lugar de Escuta convida todos para um encontro especial onde, através de uma jornada sonora, mindfulness, dinâmicas e atividades interativas, espera sensibilizar e desconstruir estereótipos de gênero relacionados à divisão de tarefas domésticas e cuidados com os filhos. “Convidamos pais, mães, familiares e toda a comunidade a se unirem ao Lugar de Escuta nessa jornada de aprendizado e transformação. Juntos, podemos construir um futuro mais promissor para as famílias e para toda a sociedade”, afirma Fausto Neto, (terapeuta integrativo), facilitador junto com Marcelo Domingos (educador social).
Qualidade da relação dos pais
(Casados ou não)
Dia: sábado,
18 de Maio
Hora: 14h às 16h
Local: Biblioteca Sinhá Junqueira
Rua Duque de Caxias, 547 – Centro.
Roda aberta para todos que queiram refletir sobre questões coletivas e individuais acerca da relação do casal. “Estudos destacam a associação entre saúde mental materna e infantil e a qualidade da relação conjugal, por isso, vamos discutir essa relevância, abordando temas como comunicação, suporte social, divisão de tarefas e construção da masculinidade. Também exploraremos o papel de variáveis socioeconômicas, culturais e familiares. Na perspectiva da psicologia analítica, refletiremos sobre a relação do casal e sua influência na formação psicológica dos filhos, além de fatores individuais que impactam a saúde mental e a qualidade do relacionamento”, convida Danielle Chaves (terapeuta Junguiana) facilitadora junto com Fausto Neto.
Fotos: Yara Racy