Sim, elas podem!

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Startups comandadas por mulheres no Supera Parque de Ribeirão Preto mostram redução na desigualdade de gênero dentro do universo da pesquisa e da inovação

Farmacêutica formada pela USP Ribeirão Preto, Thais Guaratini, de 42 anos, começou a carreira no empreendedorismo de inovação em 2008. Após mestrado, doutorado e uma temporada fora do país, ela se conectou ao Supera Parque de Inovação Tecnológica e, junto com três colegas, fundou a Lychnoflora, que atua no desenvolvimento de soluções e de produtos na área farmacêutica. “Tinha planos de seguir com a vida acadêmica, mas, durante o mestrado e o doutorado, tive contato com grandes indústrias farmacêuticas e isso me despertou o interesse de atuar no empreendedorismo”, conta.

Naquele momento, há mais de uma década, o ecossistema de inovação dava os primeiros passos em Ribeirão Preto, assim como a participação das mulheres nesse cenário — só que isso nunca abalou Thais. “Eu nunca me permiti me sentir diferente ou sofrer com algum tipo de preconceito ou machismo. É óbvio que acontece. Acho que, para a mulher, é uma construção maior em relação ao homem, mas nunca deixei me abater”, afirma.

Thais destaca que, no setor farmacêutico, a presença feminina é grande, mas a diferença fica evidente em áreas mais gerenciais e administrativas dentro da indústria, por exemplo. “Realmente, temos de brigar também. Por isso, ainda temos de falar muito sobre esse assunto. As pessoas têm de entender que não é normal e que não pode existir diferença de gênero em nenhum setor”, pontua.

Entre as situações que já viveu, Thais cita como exemplo uma reunião em que clientes não se dirigiram diretamente a ela, mas somente a outros funcionários, homens. “Isso está muito enraizado e muitas pessoas nem percebem que estão fazendo isso”, avalia. Para a empreendedora, situações assim fazem com que as mulheres se ‘sabotem’. “Pode despertar o sentimento de que ‘não sou tão competente quanto ao homem’. Por isso, a educação é essencial, mostrando para as novas gerações que todos são iguais”, afirma a empreendedora, que é mãe de dois meninos.

Com o sucesso da Lychnoflora, que tem uma equipe de 20 profissionais, sendo 15 mulheres, Thais se envolveu em um novo projeto, ao lado de outras pesquisadoras, e que também objetiva incentivar o empreendedorismo feminino. “A Herborá tem foco na qualificação de mulheres do campo para produção e processamento de mel, própolis e cera de abelhas nativas. Trabalhamos como uma colmeia, em um modelo de negócios bem corporativo”, explica.

CORRENTE DE APOIO

Esse sistema de apoio e união é um dos caminhos que a mulher precisa seguir para conquistar cada vez mais espaço, principalmente no mundo dos negócios, segundo as empreendedoras e pesquisadoras da In Situ Terapia Celular. O time liderado pelas sócias Carolina Caliari, Adriana Manfiolli e Juliana Magro Ribeiro desenvolveu um biocurativo produzido a partir de células-tronco e que é produzido por uma impressora 3D. A tecnologia começou a ser desenvolvida há 15 anos e objetiva a cicatrização de feridas crônicas ou queimaduras. Já a startup nasceu em 2016, pelos esforços de Carolina, que, de pesquisadora, passou a atuar em um universo dominado pelos homens. “Nós três somos biólogas, uma carreira em que as mulheres se destacam. No campo da inovação também sentimos que há uma abertura maior, pois são perfis de pessoas com a mente mais disposta ao novo. Já no campo corporativo, o homem tem mais espaço para fala, está sempre mais à frente. Hoje, o que vivemos aqui no Supera é uma amostra fora da realidade do ecossistema inovador no Brasil”, aponta Carolina.

Segundo mapeamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), dos 13 mil empreendimentos no Brasil, apenas 15,7% têm à frente empreendedoras. Já os homens lideram 84,3% das startups no país. No Supera Parque, essa participação já é de 23%, em um universo de 110 startups que participaram de uma pesquisa em 2020. Entre as novas empresas incubadas no ano passado, 42% têm mulheres empreendedoras. “As mulheres ainda não conquistaram a igualdade, mas, o importante no Supera é que existe o espelho. Exemplos e apoio são fundamentais para as mulheres confiarem e conquistarem cada vez mais espaço”, destaca Adriana.

De acordo com Juliana, a falta de incentivo e situações que diminuem o valor da mulher no mercado também fazem com que haja censura ou desistência de sonhos. “Ainda precisamos achar esse ponto de equilíbrio, mas, se as mulheres tiverem coragem, qualificação e foco em um objetivo, elas conquistarão a realização profissional e pessoal”, destaca.

Para Carolina, questões como vida pessoal e maternidade não podem mais ser encaradas como obstáculos. “A Juliana Magro Ribeiro, Carolina Caliari e Adriana Manfiolli são sócias da In Situ Terapia Celular e destacam a importância de as mulheres terem apoio para conquistarem seus objetivos mulher não precisa adiar planos pessoais e familiares porque está apostando na carreira. Há, ainda, uma insegurança nesse equilíbrio, mas nós conseguimos. A mulher é capaz”, conta a pesquisadora e empreendedora, que se tornou mãe há quatro meses.

A empreendedora à frente da Veritas Biotecnologia, Sandra Faça, de 45 anos, conseguiu conciliar família e carreira. Formada em Química pela USP, ela afirma que o pós-doutorado nos EUA foi um divisor de águas. “Tive exemplos inspiradores de mulheres incríveis e resolvi me dedicar à pesquisa e a esse mercado. Foi desafiador, principalmente porque a mulher sempre tem de provar mais em relação ao homem. Contudo, acredito que assim conquistaremos espaço”, pondera.

Após dez anos de pesquisa, Sandra desenvolveu um anticorpo para o tratamento do câncer gástrico e a Veritas tem a patente do produto. “Eu sempre ouvi que era muito ambiciosa por conta da pesquisa que desenvolvia. Isso me chateava, porque não sei se um homem seria julgado dessa forma, mas meu empenho me mostrou que estava certa e que valeu a pena. Por isso, penso que as mulheres têm de ter essa ambição, no bom sentido, de ter um objetivo grande”, pontua. Para ela, com exemplos de sucesso, mais mulheres vão conquistar cada vez mais. “Já vejo a diferença, nesses últimos 20 anos, na presença da mulher na pesquisa e no empreendedorismo”, ressalta.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Para Jaqueline Wilkins, especialista pela London School of Economics (LSE) em Políticas Sociais e Desenvolvimento, o início no universo inovador nasceu justamente de uma experiência muito feminina. Com o nascimento da filha Valentina, em 2016, ela sentiu a necessidade mudar a condição que impedia as mulheres de crescer. “Conciliei trabalho, mestrado e a maternidade para conseguir atuar nessa questão que me inquietava: buscar a igualdade da mulher”, conta a empreendedora, que começou a atuar no grupo Mulheres do Brasil após dez anos de experiência multisetorial em desenvolvimento de estratégias, parcerias, campanhas, eventos, gestão de orçamentos e equipes em instituições internacionais.

Jaqueline enxergou a necessidade da criação de políticas públicas, sociais e culturais que contribuíssem para essa igualdade de gênero, principalmente na economia e no mercado de trabalho. Foi então que, junto com a empreendedora Viviane Mendonça, formada em Direito e com carreira pautada pela gestão de projetos sociais, culturais e, nos últimos anos, audiovisuais, nasceu a startup A Ponte, que é uma facilitadora de conexões entre o universo corporativo, políticas públicas e Organizações Não Governamentais (ONGs). “O objetivo é, com uma visão estratégica, contribuir para a formação de políticas públicas e unir o mundo corporativo com a responsabilidade social. Criar um negócio social e trabalhar em algumas frentes, como atuar junto de meninas e mulheres que precisam desse apoio”, explica Viviane, que também é superintendente da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto. Segundo ela, a tecnologia ajuda a expandir essa conexão e acessar mais empresas.

As empreendedoras, que começaram a desenvolver o trabalho na Ponte em 2020, acreditam que, em termos de políticas públicas para a inserção das mulheres, o Brasil ainda tem muito a caminhar. “Ainda faltam exemplos. Temos conceitos muito fortes de uma sociedade patriarcal, por isso precisamos falar, sempre bater nessa tecla. Tivemos um ganho importante com o movimento feminista, mas ainda precisamos de políticas públicas com recorte de gênero”, avaliam.

As empreendedoras destacam, ainda, que a mulher não deve desistir. “Nunca. A mulher precisa pensar, também, que, ao conquistar seus objetivos, está promovendo uma mudança não só para ela, mas para toda uma geração. Somos aliadas e juntas somos mais fortes”, concluem.

 

 

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