Só o santo ajuda

Só o santo ajuda

Catedral sofre há anos com a intensa frota de ônibus nas vias ao redor do templo. Além disso, conclusão dos terminais na Praça das Bandeiras gera queda de braço entre empresas, igreja e Prefeitura

Para o superintendente da Transerp, Antonio Carlos de Oliveira Júnior, a mudança na rota não trará grande impacto para os motoristas.Em 2018, a Catedral Metropolitana de Ribeirão Preto completa 101 anos. Mais do que um monumento centenário, o templo é um reduto da fé e da história da cidade. Apesar da importância, da beleza e da popularidade entre os moradores, a Catedral de São Sebastião precisa do apoio da sociedade para não ver seu patrimônio cultural e histórico ruir. Literalmente. São Sebastião, o mártir francês que dá nome à catedral — e também a Ribeirão Preto no passado — tem seu significado derivado do termo grego sebastós, que significa venerável. Para ser venerado, algo deve ser digno de respeito e zelo.  Se levado em consideração o esforço da diocese ribeirãopretana para manter o templo intacto, o “venerável” não passa de um eufemismo.

O mais recente capítulo da longa queda de braço entre os defensores da Catedral e os administradores públicos do município aconteceu após a definição pela transferência do itinerário de 40% das linhas de ônibus que passam pela rua Florêncio de Abreu, em frente à Catedral, no Centro de Ribeirão Preto, para a rua Prudente de Morais, neste início de 2018. Com a mudança, a via que servirá como nova rota perderá 63 vagas de estacionamento da Área Azul, que darão lugar às novas faixas de ônibus a serem implantadas no local.  Além disso, a rua Cerqueira César — que não tem vagas da Área Azul, mas tem locais para estacionamento de veículos — também terá diminuída a quantidade de estacionamentos.

Segundo o superintendente da Empresa de Trânsito e Transporte Urbano de Ribeirão Preto (Transerp), Antonio Carlos de Oliveira Júnior, o impacto não será muito grande para os motoristas. Isso porque ele acredita que o fluxo de veículos na região irá melhorar, além de estar prevista a expansão do estacionamento rotativo em outras regiões da cidade. “Sobre a questão de se tratar de uma rua residencial, não muda o que ocorria na Florêncio, perto da base da PM, então, acredito que essa redução vai melhorar inclusive o trânsito na região central”, comenta Oliveira.

Consórcio PróUrbano afirma que obras da Estação Catedral foram realizadas conforme as orientações da própria Administração Municipal.

O padre Francisco Jaber, conhecido como padre Chico, um dos autores do pedido, acredita que a decisão da Prefeitura foi sensata. “No primeiro momento, apresentamos os projetos à sociedade e às lideranças locais. Muitos deram sua opinião e viram os cálculos estruturais dos danos sofridos pela Catedral. Com essas informações, agendamos uma reunião com o prefeito”, explica o padre. A ideia era que, se não fosse possível retirar todo o trânsito de ônibus do local, ao menos o fluxo fosse minimizado. “Precisávamos provar que o trânsito causa problemas para a Catedral”, afirma Jaber, que tem como prioridade reduzir as áreas de frenagem e arranque dos ônibus no entorno da igreja. 

Terminais

Segundo Duarte Nogueira, adequações do terminal não envolverão recursos públicos.As readequações das plataformas nas ruas Américo Brasiliense e Visconde de Inhaúma, no entorno da Praça das Bandeiras, também estamparam as manchetes sobre a Catedral em 2017. As alterações propostas pela Prefeitura são na altura das plataformas, que muda de 3,90 metros para 4,40 metros, e nos vidros fumê dos fundos das plataformas, que devem ser trocados por vidros translúcidos, como prevê o projeto original. O formato da cobertura, que teve sua colocação com caimento invertido para que a água da chuva escoe pela praça, será mantido. Como as mudanças afetarão a altura da cobertura das plataformas, sete árvores que estão com os troncos dentro das plataformas terão de ser retiradas. Segundo a Prefeitura, o corte já foi autorizado pela Secretaria do Meio Ambiente, mediante o plantio de 350 plantas nas praças da Catedral, Bandeiras, Carlos Gomes e outros locais.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) aprovou, em reunião realizada no dia 4 de dezembro, as alterações sugeridas pelo Executivo. Por meio de nota, a PróUrbano argumentou que a construção das plataformas não fugiu dos padrões propostos inicialmente. “A estação Catedral foi construída de acordo com as determinações e as orientações da administração municipal, se houve alguma diferença, foi de responsabilidade da administração. O consórcio apenas executou as obras”, responde a empresa.

O PróUrbano também afirma que “por mera liberalidade, sem ter nenhuma responsabilidade sobre as diferenças”, concordou em realizar as readequações apontadas pela Prefeitura. O consórcio conclui afirmando que nenhum centavo público foi gasto na obra. “Não existe financiamento com dinheiro público. A construção das estações fazia parte do pagamento da outorga do contrato de concessão e foi integralmente paga pelo consórcio, não tendo nenhum centavo de dinheiro público em questão”, continua a resposta da empresa. 

É isso que confirmou o prefeito Antônio Duarte Nogueira Júnior (PSDB), em entrevista anterior à Revide. “O Consórcio PróUrbano se responsabilizou por fazer as mudanças necessárias sem nenhum custo adicional aos cofres de Ribeirão Preto”, garante o prefeito. O chefe do executivo disse que a solução dos problemas envolvendo a estação da Catedral é prioridade. Oportunamente, a Prefeitura irá analisar o que deverá ser feito em relação às demais plataformas a serem construídas.

O padre Chico desistiu de esperar uma resolução deste caso. “Não nos envolvemos mais nos terminais da praça. Fizemos o que era possível e agora não cabe mais à igreja dar opiniões sobre isso”, lamenta o padre. 

Para Padre Chico, decisão da prefeitura foi sensata.

Via Crúcis

Por ser de uma catedral centenária, fica difícil definir quando os problemas estruturais da edificação de Ribeirão Preto começaram em função do trânsito. No entanto, é possível resgatar dos noticiários o desenrolar desse enredo na história recente.

2013

Outubro

Um laudo do Centro Tecnológico Falcão Bauer, encomendado pela Igreja, confirmou que o trânsito intenso em torno do templo era uma das causas dos problemas estruturais. Além do tráfego pesado, a situação era agravada pelos focos de fissuras em alvenarias, colunas e arcos, além da presença de infiltrações, cupins e fungos.

2015

Maio

A Prefeitura de Ribeirão Preto encomendou um laudo que analisou os efeitos das vibrações na Catedral. A ex-prefeita, Dárcy Vera, já sinalizava a construção das plataformas na Praça das Bandeiras. Segundo o documento, o trânsito veicular da Rua Florêncio de Abreu e nas demais ruas perimetrais não gera vibrações que ultrapassam os limites previstos para estruturas sensíveis em correspondência com as fundações da igreja, o que atestaria a inexistência de danos ao prédio que já tem várias rachaduras. 

Agosto
Os vereadores rejeitaram o veto do Executivo à lei proposta pelo vereador Rodrigo Simões (PP) que proibia qualquer tipo de construção no quadrilátero do entorno da Catedral Metropolitana, formado pelas ruas Américo Brasiliense, Lafaiete, Tibiriçá e Visconde de Inhaúma.

Novembro
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu liminar em ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pela ex-prefeita Dárcy Vera contra a lei de Rodrigo Simões. Com isso, a Administração Municipal poderia autorizar a construção dos terminais no entorno, nas ruas Américo Brasiliense, Florêncio de Abreu e Visconde de Inhaúma, desde que fosse autorizada pelo Condephaat, já que o prédio da igreja é tombado.

2016

Março
O Condephaat liberou a construção das estações. Segundo o Conselho, na época, a autorização concedida à Administração Municipal de construir três plataformas — duas localizadas na rua Américo Brasiliense e uma na rua Visconde de Inhaúma. 

Abril
Em ofício enviado à Prefeitura, o Condephaat solicitou a suspenção imediata das intervenções nas proximidades da Catedral. As obras começaram no dia 5 do mesmo mês. A decisão foi tomada com base em relatório elaborado pela empresa Comcremat Engenharia e Tecnologia, que realizou o monitoramento do entorno da Catedral entre outubro de 2015 e março de 2016. “O Conselho decidiu deliberar pela suspensão imediata das intervenções nas proximidades da Catedral, até que se confirme eventual impacto das vibrações nas estruturas, como sugere o parecer técnico elaborado pelos engenheiros”, informa o ofício.

Abril
O promotor Ramon Lopes Neto se reuniu com representantes da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac), do Fórum das Entidades de Ribeirão Preto (Ferp) e da Catedral Metropolitana de São Sebastião para dar sequência a um inquérito civil instaurado em 2015 com o intuito de investigar possíveis danos que as obras para a implantação da Estação Catedral, na Praça das Bandeiras, causariam.

Maio
Nova decisão do Condephaat libera as obras. Em uma coletiva de imprensa no Palácio Rio Branco, o ex-secretário de Obras, Abranche Fuad Abdo, informou que os trabalhos iniciais seriam na rua Visconde de Inhaúma. O prazo para conclusão era de quatro meses. A construção foi liberada pelo Conselho, desde que não tomasse o quarteirão em frente à Catedral.

Setembro
A Câmara dos Vereadores instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a insistência da Prefeitura em construir estações.

2017

Fevereiro

O Consórcio PróUrbano, responsável pelas obras, afirmou que a Estação Catedral estava concluída e que já havia quitado todo o valor de outorga da licitação para a construção de outras estações e terminais em Ribeirão Preto. Ao todo, o contrato previa a implantação de oito estações e dois terminais por R$ 23,3 milhões. O Consórcio PróUrbano afirma que já foram investidos R$ 24,3 milhões, contudo, das dez obras previstas, quatro não foram entregues — o Terminal Central na rua Mariana Junqueira e três estações (USP, Estação Vila Mariana e Estação Catedral, na Praça das Bandeiras, que foi implantada de maneira parcial, por decisão da gestão da ex-prefeita Dárcy Vera, que optou por implantar três, das cinco previstas no projeto inicial).

Abril
Durante a CPI do Transporte Coletivo da Câmara, membros da Comissão de Execução do Contrato da Prefeitura com o consórcio que gerencia o serviço disseram que a plataforma da Estação Catedral estava irregular. Uma das principais falhas seria a cobertura da plataforma. Além disso, não foram instaladas as catracas e a proteção de vidro, previstas no contrato. Isso não deve ocorrer, já que o consórcio PróUrbano, responsável pela obra, disse que o projeto já estava pronto.

Dezembro
Condephaat acata decisão da Prefeitura e o Consórcio PróUrbano é convocado para realizar as readequações nas plataformas.



Texto: Paulo Apolinário
Fotos: Tiago Morgan

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