
Sobre a brevidade do amor
Cirurgião, músico, poeta e filósofo, Reginaldo Vianna lança seu segundo livro filosofando sobre o amor de forma inédita e profunda. Confira a entrevista concedida a Renato Castanhari
Reginaldo Silva Ferreira Vianna é médico graduado pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Especializou-se em Cirurgia Pediátrica no Hospital Centro Médico Nacional, da Universidade Autônoma do México, foi orientador de residência médica na Santa Casa de Ribeirão Preto e professor de Cirurgia Pediátrica no Centro Universitário Barão de Mauá. Inquieto, o também poeta e músico, quando estava diminuindo o ritmo das cirurgias, resolveu voltar para a sala de aula e graduou-se em Filosofia, em 2009. Quatro anos depois, lançou seu primeiro livro, “Qual quem sou eu?”, pela editora Funpec. Agora, lança sua segunda obra, “Sobre a brevidade do amor.
Reflexões poéticas à mesa de um bar”, livro que intercala pensamentos e poesias relacionadas às possibilidades e à diversidade do amor, tudo durante uma boa prosa com amigos à mesa de um bar. Às voltas com Nietzsche, Kant, Madre Tereza de Calcutá, Freud, São Thomaz de Aquino e outros pensadores, o autor provoca, conceitua as possibilidades do amor e, ao mesmo tempo, abre espaço para o livre pensamento. Na entrevista a seguir, concedida ao editor Renato Castanhari, o autor explica sua opção pelo tema e comenta sobre as nuances do amor.
Renato: Depois de uma carreira como cirurgião-pediatra, o que o motivou a voltar para sala de aula como aluno de Filosofia?
Reginaldo: Para ser cirurgião, é preciso estudar todos os dias, buscar conhecimento e aprender faz parte da profissão. O médico, de maneira geral, não convive bem com o questionamento. Eu, especialmente, sempre lidei mal com isso. A filosofia me permitiu uma sensível melhora nesse aspecto, — não sei se lido bem hoje, mas certamente, melhor do que era. Na Filosofia aprendemos como as pessoas pensam, não apenas individualmente, mas também como grupos de pessoas. Na filosofia pura, fica claro como é o pensamento do existencialismo, do romantismo, do idealismo, é possível acompanhar e ver que as pessoas realmente são diferentes e devem ser tratadas de forma desigual, porque não há dois iguais. A filosofia me ensinou buscar o conhecimento, questionar e ser questionado.
Renato: E a motivação para escrever? Como isso aconteceu?
Reginaldo: No primeiro, quis fazer um livro de Filosofia para o leigo ler e entender e que tivesse uma conclusão. Comecei a escrever sobre a nossa identidade. Foi uma tentativa de responder “quem sou eu” exatamente. Procurei exemplos e situações que pudessem facilitar o entendimento das pessoas. Apresentei um final onde supostamente seria possível você identificar-se. Sinto que não consegui, porém, ser tão didático como gostaria. Meu filho ao ler disse que como todo livro de filosofia era difícil de entender em um primeiro momento, mas ele estava feito, fiquei satisfeito com o texto que vai agradar muitas pessoas. Levei para a faculdade e o pessoal de Filosofia gostou, tem lá uns exemplares na Biblioteca que são bastante usados.
Renato: Reunir os amigos à mesa de um bar para falar sobre o amor. Como você chegou a esse formato de narrativa?
Reginaldo: Eu estava devendo uma forma de escrever sobre filosofia de uma maneira mais simples e inteligível. Comecei a escrever e pensei: “é um livro de Filosofia para discutir o amor conceitual, mas como vou fazer isso?” Veio a ideia de uma conversa num bar, algo como filosofia de bar, onde todos viram filósofos. Seriamos eu, (com meu alter ego) e mais dois amigos. Teria sido bom ter uma mulher para expor o lado feminino, mas a intenção era discutir o amor no seu sentido mais conceitual que não deveria ter nas diferenças homem/mulher um peso maior do que apenas as alterações nas relações interpessoais.
Renato: Um médico que ensinou Medicina, agora, ensina os amantes sobre o amor?
Reginaldo: Não. Esse não é um livro para ensinar a amar. A ideia era conversar com as pessoas sobre como ver o amor no seu aspecto mais puro. Parti do exemplo do encontro das duas metades, citado no final do primeiro livro. Aristófanes descreveu o ser humano como um indivíduo muito grande e redondo (uma verdadeira bola) com quatro mãos e quatro pés, muito forte que rolava e por isso tinha uma velocidade incrível. Os humanos, nesse tempo mitológico, resolveram subir o Olimpo e destronar os deuses. Zeus defendendo o Olimpo desceu ao mundo dos mortais e cortou os homens ao meio com sua espada, dividindo os sexos para que pudessem procriar, mas separando e colocando cada um em um ponto distante da Terra. A partir dali, o ser humano passou a procurar sua cara metade e, quando se encontram, nada é capaz de separá-los. Tornam-se tão fortes que ameaçam os deuses. Foi a partir dessa referência e das conclusões do primeiro livro, o encontro do outro, que nasceu o segundo livro, como uma extensão do primeiro.
Renato: Você fala sobre o amor em suas versões e conceitos. Como o Lulu Santos, você considera justa toda forma de amor?
Reginaldo: Eu só considero uma forma de amor, justa ou não. Para mim devemos sempre estar atentos à necessidade de diferenciar a questão. Escrevi várias vezes no livro. É preciso distinguir uma relação entre duas pessoas com a relação de amor entre duas pessoas. São coisas distintas. O amor entre duas pessoas nunca termina, a relação, sim, esta pode acabar e levar à separação. Por que o amor não morre? Porque você se recria no outro, planta-se no outro e cria uma nova pessoa, mudando de forma perene. É isso que o amor faz. Definitivamente, isso não é o mesmo que uma simples relação interpessoal, ainda que possa ser uma relação sentimental.
Renato: Qual a influência das decepções na capacidade de amar?
Reginaldo: Você pode me perguntar “como você reage depois que acaba?” Eu te respondo: não sei. Não tenho a menor ideia. Amando, eu me transformo em um novo ser. Lá na frente, ao ter que enfrentar uma eventual separação, já não será mais o meu eu inicial quem vai reagir, mas sim essa nova pessoa, que pode se manifestar de uma forma ou de outra. Além disso, não podemos nos esquecer, também, que o amor nunca criará um monstro, ele sempre cria uma pessoa melhor do que antes. A resposta, portanto, sempre será individual. O que sinto saudade depois que uma relação acaba não é da pessoa em si, mas de amar, de poder me ver absolutamente com a alma nua. Dessa sensação de me olhar no espelho e não saber quem vejo, se sou eu ou se é a outra pessoa. Quando amo, eu me descontruo — não é que jogo fora o que sou e me torno uma pessoa nova, mas separo o que é ‘ruim’, pego o que é bom e refaço a mim mesmo de uma forma melhor. Pego o que o outro me deu e me recrio alguém melhor, mas jamais perco a minha historicidade. Isso não se perde. Amor é um encontro. É uma relação que te modifica.
Renato: Quem ama nunca vai morrer de amor?
Reginaldo: O mais importante é que o amor vai torná-lo diferente do que era. Tenho uma coisa comigo: quando falamos de homem e mulher, se me questionar se ambos amam de maneira igual, a resposta é não. Não entro muito na questão, porque não posso dizer exatamente como a mulher ama, mas tenho uma base. Em toda a Antiguidade, considerava-se que apenas os homens eram capazes de amar. Só eles sabiam realmente amar, as mulheres não. Elas eram consideradas seres de reprodução, verdadeiras matrizes com uma biologia voltada para isso. Se tivessem que escolher entre o amado e o filho, certamente escolheriam o filho. Isso é biológico e não muda. De certa maneira, pode-se concluir que a mulher mata por amor e o homem morre. Dentro desse raciocínio, poderíamos dizer que na relação entre duas pessoas adultas, o homem seria capaz de se entregar de uma forma muito mais completa para a mulher do que a mulher para ele, porque ela sempre terá que administrar uma questão anatômico-biológica, psicossocial, ou seja lá qual o nome mais apropriado para isso, voltada para uma possível maternidade.
Renato: O que dizer sobre o amor platônico, onde se ama sem ter uma aproximação?
Reginaldo: Aproximação sempre existe, embora não necessariamente de forma física. O homem e a mulher desenvolvem uma relação de amor, quando são transformados pela relação e não necessariamente pela presença. Os amantes formam um cordão umbilical, de duas vias, que une os dois — eu amo, ela me ama —. Quem conseguir atingir esse ponto se recria no outro e se torna absolutamente invencível. Daí podemos extrair a imagem da trindade do amor — eu como criador (primeira pessoa), eu como criatura nova (segunda pessoa), e o espírito do amor em nós (terceira pessoa). Além disso, percebemos que o amor “diviniza” o ser humano, porque o torna um criador de si mesmo, mas o amor “humaniza” a divindade porque Deus ao amar o homem se recriou como homem, ou seja, podemos chamar isso do “paradoxo do amor”, a divinização do homem e a humanização de Deus. Eu, eu mesmo no outro e o amor somos uma trindade invencível.
Renato: Por que o título, ‘Sobre a brevidade do Amor’?
Reginaldo: Uma leitora me questionou o fato de eu falar que o amor é imortal e infinito e dar o título de brevidade do amor. Sêneca, um filósofo do Império Romano, tutor de Nero, escreveu uma carta para o seu sogro “Sobre a brevidade da vida”. Por que ele escreveu sobre a brevidade da vida? Porque, naquela época, a vida era a coisa mais banalizada, ou mais vulgarizada que havia. A vida das pessoas não tinha a importância que deveria ter. As pessoas, comuns, poderiam ser mortas nas ruas sem que alguém se importasse. Os nobres tinham suas vidas valorizadas apenas no caso de serem importantes para o império. A vida não tinha a menor importância. Hoje, a vida passou a ser algo importante, tem até Secretaria de Saúde para, supostamente, proteger a vida. O amor, porém, passou a ser extremamente banalizado. O amor se tornou adereço para relações pessoais ou comerciais.
Tentam fixar o amor nas idades onde a beleza social é mais aceita, ou seja, na juventude, na época fértil das pessoas tornando-o apenas responsável por uma “procriação politicamente correta”. O amor na velhice é considerado algo próximo do bizarro, tal qual a beleza que só existe numa determinada época. Você dificilmente ouve alguém chamar um velho de bonito. Ele pode ser charmoso ou ter uma voz bonita ou um belo sorriso. Sempre tem um adjetivo na frente. Contudo, a sociedade está envelhecendo e, certamente, o conceito de beleza, junto com o amor, vai começar a mudar. O amor deve ser uma instituição perene, infinita e imortal. Ele vale para todos, todo o tempo.
Renato: As redes sociais contribuem para a banalização do amor?
Reginaldo: As pessoas hoje em dia são induzidas a se fixar muito no sucesso como objetivo e não como consequência. Estar atento a detalhes sociais — ao ter e não ao ser —, passou a ser muito importante. O reinado da informação tem bloqueado um pouco a busca pelo conhecimento. É mais fácil discutir “manchetes” do que buscar a razão das notícias. As pessoas acreditam na informação como se ela fosse conhecimento. Isso faz com que o amor fique tão banalizado quanto um produto qualquer, porque discute-se a relação interpessoal e não o sentimento por trás de tudo. O amor é um processo cheio de fatos, ações e principalmente tempo para crescer.
Renato: Depois de um livro inteiro falando sobre o amor, dá para definir o que é o amor ou a importância do amor numa frase?
Reginaldo: Têm milhares de frases que definem o amor, cada um vai usar a sua. Para falar que é amor, é preciso olhar para trás. As pessoas enxergam que aquilo que você está vivendo é amor antes de você, comentam ‘nossa você tá diferente’, mas você não percebe. O amor é percebido, por você, a posteriori. Quando dizemos “eu te amo”, é sensibilidade, é uma entrega. Você começa essa entrega e, de repente, pode não dar certo, pode ser uma relação sentimental, mas aquele “eu te amo”, não é necessariamente uma mentira. Um “eu te amo”, muitas vezes, pode estar confundido com a frase ‘estou apaixonado por você’, “estou ligado em você”. As pessoas querem se sentir amadas, porque, numa avaliação inicial, isso traz felicidade.
Renato: É possível definir o tamanho do amor ou sua finitude?
Reginaldo: Quando Cristo falou sobre amarmos uns aos outros como a nós mesmos, quis falar sobre o amor incondicional. Não tem, necessariamente, nada de religião nisso, mas uma filosofia fantástica. Ele falava de amor porque se você ama, não odeia, não tem raiva. Quando se ama incondicionalmente, é como se olhasse no espelho, já não se sabe mais se o que vê é você ou o outro. Olha-se no espelho e não se reconhece, já não se sabe mais quem se é. Nesse alcance do amor, eu me vejo dentro de você e não sei se estou ali para te guardar ou se é você que me protege, não há espaço entre os indivíduos.
Renato: Onde fica o amor próprio no meio disso tudo?
Reginaldo: Ele é a base. As pessoas hoje te induzem ao altruísmo, acham natural e normal você se prejudicar para alguém ser feliz. Isso é um absurdo. Você pode ajudar o outro a ser feliz, mas não ser um cordeiro de sacrifício para curar a ferida do outro. Se você não se amar, não amará ninguém. Sua valorização é importante. A sociedade, hoje, não deixa as pessoas se valorizarem, impõe paradigmas estranhos e você se vê seguindo tantos paradigmas estranhos. No final, não é mais você. A questão é que aquilo que você é realmente, não se consegue ver. Os olhos só veem o físico. Só uma alma vê a outra e quando há esse encontro, quando as almas se reconhecem, se auxiliam, respeitam a sua individualidade, o seu amor próprio.
Renato: Depois do amor, como autor, o que é que vem?
Reginaldo: Acho que o amor é a coisa mais importante que existe. Um próximo assunto para um livro seria sobre a educação, pois não há forma de mudar a sociedade sem ela. Não estou falando só de alfabetização, mas de aprendizagem. Não é só ter, é preciso aprender a ser também. A educação é outro processo muito interessante e importante. Hoje, por exemplo, você vê muito mais as pessoas na rua andando com lixo na mão, procurando uma lata de lixo do que há vinte ou trinta anos. Tem as que jogam no chão, mas a gente não pode partir do raciocínio de 100% para tudo.
Renato: Infelizmente, a educação não é prioridade no país.
Reginaldo: Não adianta falar que no Brasil nada mudou, porque não é verdade. Mudamos muito nesses anos. Lembro de um episódio, durante o período de faculdade. Estávamos um grupo em um bar e um dos presentes comentava como Miami era uma cidade linda, limpa, como era “outro mundo e não essa porcaria que temos aqui”. Enquanto falava, amassou o maço de cigarro e jogou no chão. Levantei, peguei o lixo, e disse, “pega isso, guarda e vai jogar lá em Miami. O Brasil está assim por causa de gente como você”. Isso foi há muito tempo e, naquela época, não se via lixeira por perto. Hoje, acho que 60% da população não joga lixo no chão. Tudo é questão de Educação e tempo. O exemplo é singelo, mas pode servir como um parâmetro simples de evolução.
Prosa boa
“Foi muito gostoso o papo com o Dr. Reginaldo. Ele é uma pessoa extremamente capacitada, não apenas na sua área profissional de origem, cirurgião-pediátrico, como nos assuntos ligados à filosofia, ao amor. Agradeço à Revide esta oportunidade de ocupar a cadeira de imprensa na condução da entrevista e conhecer novos detalhes deste livro que gera reflexões inesgotáveis. Para mim, a grande sacada do livro foi criar este cenário de conversa de boteco que estimula discutirmos temas que não estão na “roda” do nosso dia a dia. Com isso, um conteúdo profundo e embasado, veio à tona de uma forma agradável e leve, gostosa. Foi muito bom fazer parte disso, ainda mais, tendo a minha Corpo Doze como editora deste livro” Renato Castanhari Jr, editor.
Texto: Yara Racy
Fotos: Luiz Cervi