Sonho nova-iorquino em Ribeirão

Sonho nova-iorquino em Ribeirão

A admiração por um pequeno teatro no Brooklyn, em Nova Iorque, foi o pontapé inicial para o ator Leonardo Santarosa se mudar para Ribeirão Preto e ter seu próprio espaço artístico

Quando se mudou para os Estados Unidos, aos 20 anos de idade, Leonardo Santarosa não imaginava o quanto aquela viagem mudaria sua vida de vez. No início, a ideia era trabalhar e bancar um curso intensivo de inglês, além de assistir a todos os espetáculos artísticos que a cidade oferecia.

 

Mas o jovem ator de Americana, interior de São Paulo, foi além: ingressou em uma universidade de comunicação com foco em artes e montou um grupo teatral de comédia, que foi premiado em um festival de cenas curtas, o que os levou para diversas apresentações em diferentes locais da cidade. “Foi lá que eu descobri o que realmente queria para a minha vida pessoal e profissional”, recorda.

 

Foi lá, também, que nasceu o maior – e mais louco – sonho do artista: ter um teatro para chamar de seu. Em frente à sua casa no Brooklyn, em Nova Iorque, havia um pequeno teatro com capacidade para 48 pessoas. “A movimentação era intensa, então, decidi comprar um ingresso para o espetáculo do dia. Quando fui comprar, a surpresa: só tinha ingresso para o final do mês. Comprei e me tornei cliente fixo. Quando voltei para o Brasil, comecei a sonhar com a possibilidade de ter um teatro nos mesmos moldes.”

 

Como a arte entrou na sua vida? É uma coisa de família, já que você e seu irmão são artistas?

Na família nunca teve alguém que realmente tivesse a arte como ofício, mas sempre faço referência a minha avó materna, Eliza, a quem dedico com uma placa a sala de espetáculo do Santarosa. Foi uma artista convicta, no canto, artes plásticas, costura, e tantas outras frentes. Já eu, sempre fui um apaixonado por artes em geral, mas o teatro me fascinava. Até que um dia, em Americana, minha cidade natal, foi contratado um diretor para iniciar um projeto com jovens que tinham a pretensão de ingressar na carreira artística. Aos 14 anos, não imaginava que o professor/diretor era alguém tão gabaritado. Seu nome é Antonio Ginco, até hoje um forte representante das artes cênicas no estado de São Paulo. Nossa turma era enorme, com mais de 70 pessoas. Sabíamos que poucos seriam selecionados para participar do curso. Depois de alguns dias de oficina, com duração de cinco horas cada, fui um dos selecionados.

Como o teatro era visto naquela época? Ainda existia um preconceito com os artistas? Se sim, como enfrentou isso?

Eu não considero nem nunca considerei um preconceito, mas sim, como qualquer esfera artística, sempre houve um olhar desacreditado dessa profissão. Sempre se especulou a viabilidade em ser artista; quanto dá pra ganhar, tem mercado, precisa estar estampado na tv? Isso só acontece pois ainda não temos uma efetiva e continua ação cultural fortalecida. principalmente pelas gestões das administrações públicas em nosso país. Quando digo continua, refiro-me as trocas de governo, onde nós artistas conquistamos um feito numa gestão, mas a perdemos numa outra. Hoje, com as leis de incentivo cultural conseguimos progredir consideravelmente, mas não pode e não deve ser o único viés.

Você estudou teatro fora do país, certo? Como foi essa experiência e o quão importante ela foi para o seu desenvolvimento artístico?

Mudei-me para Nova Iorque aos 20 anos. Minha intenção, no início, era trabalhar para bancar um curso intensivo de inglês e assistir a todos os espetáculos que a cidade oferecia na época. As pretensões aumentaram e, após um ano, ingressei na universidade de comunicação com foco em artes. O curso era fantástico e trabalhava a comunicação em várias ramificações artísticas. Dentro da universidade, montamos um grupo de teatro com a linguagem da comédia. Esse grupo foi premiado em um festival de cenas curtas, o que nos levou para diversas apresentações em diferentes locais da cidade. O mais importante dessa experiência foi fazer da arte meu sustento, vislumbrar as diferentes áreas de atuação no cenário artístico. Descobri lá o que realmente queria pra minha vida pessoal e profissional.

E de onde surgiu a ideia de criar seu próprio teatro? E por que em Ribeirão Preto e não em outra cidade do estado?

Tudo começou em Nova Iorque, mais precisamente no Brooklyn, bairro onde morava. Na frente da minha casa, tinha um pequeno teatro, com 48 lugares. Eu via que a movimentação era intensa, então, resolvi comprar um bilhete para o espetáculo do dia. Quando fui comprar, a surpresa: só tinha ingresso para o final do mês, tudo esgotado. Comprei e me tornei cliente fixo do espaço. Quando voltei para o Brasil, comecei a sonhar com a possibilidade de ter um teatro nos mesmos moldes. Sobre escolher Ribeirão Preto, essa sempre foi uma cidade muito paquerada por mim. Minha irmã veio primeiro, logo que se casou, em 1996, pois meu cunhado havia se tornado professor na USP à época. Então, sempre vínhamos visitá-los e curtíamos muito a cidade. Minhas razões surgiram bem mais para frente, em 2005. Minha irmã, a Camila, conseguiu me convencer a vir morar com meu irmão, o Lucas, que tinha acabado de entrar em um curso universitário aqui. Ela via que eu não estava feliz em Americana, principalmente, por ter deixado Nova Iorque, onde vivia um frenesi cultural constante e, novamente, estava a contragosto me vinculando à empresa dos meus pais. Foi a melhor coisa que fiz na minha vida, pois me apaixonei por Ribeirão Preto. Em poucos meses na cidade, já estava no elenco de três espetáculos, ministrando cursos em escolas de teatro, meu irmão abandonou o curso que estava fazendo e ingressou no circo. No ano seguinte, entrei no SENAC, onde me formei no curso de Artes Dramáticas e, concomitantemente, estudei na Escola de Atores Wolf Maya, em São Paulo. Assim começou nossa trajetória artística na cidade.

Hoje em dia, a cultura é uma das inúmeras formas de lazer, e compete, por exemplo, com a tecnologia, os streamings, etc. Como você enxerga isso?

Não existe competição alguma, existe sim uma somatória saudável, onde criamos e aumentamos parâmetros. Um bom espetáculo nos motiva a ver novos espetáculos, como também aguça nosso senso crítico em relação ao que assistimos na TV, cinema e assim por diante.  Nossa responsabilidade enquanto artista é de oferecermos produtos de qualidade para nosso público, isso independe de qual meio esse produto é ofertado.

Muito se ouve que “Ribeirão não tem nada para fazer”, culturalmente falando. O que falta para a população se interessar mais por eventos culturais?

Essa é uma questão muito complexa para ser respondida brevemente, mas sendo o mais conciso possível, voltamos a questão da continuidade que mencionei acima, ou seja, para que algo se torne rotineiro, precisamos transformá-lo num hábito ou costume. Para isso, necessitamos que projetos, programas culturais, não sejam interrompidos devido troca de gestores nesse departamento, senão, sempre recomeçaremos do zero. Hoje temos na nossa secretaria da cultura de Ribeirão um artista, ótimo, pois podemos dialogar com quem entende o que precisamos para prosseguirmos com nosso trabalho. Mas já tivemos nessa secretaria pessoas inaptas, que usavam o cargo como palanque, para fazer campanha e ocupar uma cadeira na câmara dos vereadores da cidade. Aí a continuidade já era, e o único jeito é recomeçar numa próxima gestão. Ribeirão Preto é fortíssimo no cenário nacional, possuímos artistas renomados e muito competentes. Nossa agenda é intensa, o que precisamos é de ferramentas para alcançarmos nosso querido público de forma eficiente e continua. 

Você faz um trabalho importante de teatro infantil, seja em apresentações ou com as aulas. O quão importante é inserir arte e cultura no cotidiano desde as primeiras idades?

A arte é tão importante quanto a educação, elas deveriam caminhar juntas. A arte fortalece o instinto, quebra bloqueios, desenvolve a criatividade, trabalha o senso crítico, sentimentos, etc. Uma criança que aprende um instrumento musical, cria uma personagem, aprende uma música, e consequentemente apresenta esta performance para o público, ela irá criar uma memória emotiva fortíssima dessa capacidade reconhecida por ela mesma, que poderá ser usada em qualquer caminho que ela escolher no futuro. Como professor de teatro e oratória, os alunos que recebo com maior dificuldade na exposição, são aqueles que nunca tiveram a oportunidade de desfrutar do prazer imensurável que é apresentar um trabalho artístico para um público específico.

 

Com o mundo em constante mudança, o que esperar do futuro da arte e da cultura, especialmente no Brasil?

Costumo dizer que a arte não se finda, ou seja, ela não se extingue por que uma nova vertente aparece. Isso acontece com objetos, como um celular por exemplo, um carro, um fax, uma máquina de escrever. Acaba virando antiguidade, sai de mercado. Já a arte é eterna, assim que criada, será para sempre usufruída, admirada, contemplada. Veja uma obra de arte, um espetáculo de ópera, uma obra de Shakespeare. São vistas, ouvidas e representados até hoje, como eternas. Na arte contaremos sempre com algo novo, mas nunca, jamais deixaremos de produzir ou reproduzir aquilo que foi criado há séculos. Sobre a arte no Brasil, repondo como um artista apaixonado que sou. Viverei eternamente na utopia de acreditar, que um dia, todos e todas terão acesso e oportunidade de contemplarem o que é realmente relevante, transformador.  Que nossa gente possa realmente distinguir o que é artístico do que é mera máquina de “produzir audiência”. De que a vida é a arte mais completa de todas, mas para compreendermos isso tudo, precisamos descobrir o artista que somos. Evoé.


Foto: Arquivo Pessoal

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