Tempo de recomeçar

Tempo de recomeçar

Instituições privadas oferecem empregos a detentos da região de Ribeirão Preto; as vagas, por meio de programas sociais, visam ao bem-estar dos presos e ao preparo para retorno à sociedade

A superlotação do sistema prisional brasileiro continua sendo um problema sem solução. Por todo o país, é fácil encontrar unidades carcerárias abrigando um número de presos inadequado à capacidade instalada. Em Ribeirão Preto, a situação não é diferente. No Centro de Detenção Provisória (CDP) ribeirãopretano, que possui capacidade para abrigar 865 detentos, está com mais de 1.900 pessoas encarceradas, número superior ao dobro do limite. Segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, a população encarcerada no município no primeiro trimestre deste ano era de 3.344 pessoas, número que representa um crescimento de 0,69% em relação ao mesmo período de 2016, quando havia 3.321 presos na cidade.

Se promover a reinserção de quem cometeu algum crime na sociedade já é um enorme desafio, recuperar as pessoas submetidas a condições inadequadas fica ainda mais difícil. Acrescente o preconceito, a falta de oportunidades e a baixa capacitação como agravantes para entender a real dificuldade de quem busca a recolocação social dos detentos. Ainda que complexa, a missão não é impossível. Este é o trabalho da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (FUNAP), instituída pelo Governo do Estado de São Paulo por meio da Lei nº 1.238, de 22 de dezembro de 1976. O órgão é vinculado à SAP e conta, atualmente, com 166 estabelecimentos penais cadastrados, que somam uma população de, aproximadamente, 230 mil presos, no Estado.

A principal função da FUNAP é planejar, desenvolver e avaliar, no âmbito estadual, programas sociais nas áreas de assistência jurídica, educação, cultura, capacitação profissional e trabalho para pessoas que se encontram privadas da liberdade, desenvolvendo seus potenciais como indivíduos, cidadãos e profissionais, contribuindo para a inclusão social. Costurar bolas, grampear saquinhos de balas, fazer redes para traves de futebol e realizar serviços públicos são algumas das ocupações oferecidas aos detentos. 

Em Ribeirão Preto, há 356 homens presos — tanto na Penitenciária Masculina quanto no Centro de Detenção Provisória — trabalhando. Desse total, 352 atuam em empresas particulares e quatro na FUNAP. Já entre as detentas da Penitenciária Feminina, 171 mulheres atuam no mercado de trabalho, sendo 165 em empresas privadas e seis na Funap. Na região, a soma da população carcerária que trabalha chega a 3.324.

De acordo com o gerente regional da FUNAP, Silvio Luis do Prado, muito embora, nos dias de hoje, falar em ressocialização nas prisões soe como discurso utópico, alheio ao cenário atual do sistema carcerário, não se pode perder de vista que ela é uma das funções do encarceramento — senão a mais importante — permitindo ao recluso que se readapte à vida em sociedade, onde o trabalho é fundamental. “Atuamos em duas vias: do Programa Centros de Produção e Qualificação Profissional e do Programa de Alocação de Mão de Obra”, diz Prado.

Como estabelece a legislação, a jornada normal de trabalho do detento não pode ser inferior a seis ou superior a oito horas diárias, com descanso aos domingos e feriados. “Conforme dispõe o artigo 31 da Lei de Execução Penal, desde que identificadas as  aptidões e capacidade de realização das atividades envolvidas, o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho. Já o preso provisório — aquele ainda sem condenação definitiva — não está obrigado. Entretanto, as atividades laborterápicas são a eles facultadas e sua prática dará direito à remição da pena, tão logo venha a ser aplicada”, explica.

Programas disponíveis

Silvio Luis do Prado da FUNAP, conta que trabalhar durante a pena é uma das funções mais importantes do encarceramentoAtualmente com 30 Centros de Qualificação Profissional e Produção no interior das unidades prisionais, a FUNAP promove a capacitação profissional e oferece aproximadamente 1.350 postos de trabalho em suas oficinas, com remuneração de três quartos do salário mínimo. Os produtos (móveis escolares novos e reformados, móveis de escritório, confecção e laminados de espuma antichamas) são comercializados para os órgãos federais, estaduais e municipais, além de pessoas físicas e jurídicas, que podem adquirir bens e contratar serviços produzidos por meio de dispensa de certame licitatório.

Já a proposta do Programa de Alocação de Mão de Obra é proporcionar trabalho remunerado a homens e mulheres presos, contribuindo para a formação, a qualificação profissional e a geração de renda, preparando esses indivíduos para a vida em liberdade. Além disso, o programa conta com o apoio do empresariado, com base na ideia de que sua participação pode contribuir para a redução dos índices de criminalidade e para a diminuição da reincidência. Nesse sentido, os benefícios sociais e financeiros podem ser percebidos tanto pelo empresário contratante quanto pelo preso, que recebe capacitação para uma nova profissão, gera renda para a família e tem a pena reduzida.

Por meio dessa ação, a empresa pode desenvolver um plano de responsabilidade social, propiciando formação e capacitação para o preso, sem vínculo empregatício com o trabalhador em cumprimento de pena e, portanto, sem encargos sociais, a título de contrapartida aos ônus decorrentes da atividade empresarial exercida dentro do sistema prisional. 

Questão social

O sociólogo Wlaumir Souza diz que é positivo que o preso possa trabalhar enquanto cumpre a penaPara o sociólogo Wlaumir Souza, dar ao detento uma oportunidade de trabalho é uma ação positiva. “É uma forma de pedagogia que possibilita a busca pela reinserção no mercado de trabalho. Isso tem ainda mais valor quando, ao lado do trabalho prático, tem-se o processo educativo de qualificação e certificação destas pessoas”, opina. Sendo assim, não basta dar trabalho; é preciso garantir que a atividade garanta mais do que a redução da pena. “Seria importante que fosse criado um fundo ao qual o ex-detento pudesse ter acesso para recomeçar a vida depois do período de condenação fechada”, sugere Wlaumir. 

Para o sociólogo, o trabalho do detento internamente é positivo e aumenta a autoestima do preso, abrindo possibilidades de aprendizagem e de aprimoramento. “Mais ainda quando ele pode estar em regime semiaberto, em que trabalha durante o dia fora da instituição carcerária e retorna para pernoitar. Demonstra a reinserção cultural e social na prática, o que traz de volta ao preso a vontade de pertencer à sociedade”, avalia. Souza afirma que o encarceramento é um processo antigo utilizado para punir criminoso na história da humanidade. “Precisamos avançar para além do aspecto punitivo e intensificar os aspectos integrativos, como o trabalho, a educação escolar e a reposição do dano, entre outras penas alternativas que, mais do que punir, visam ao bem-estar por meio da aprendizagem social do infrator”, conclui o sociólogo.

População prisional 

A SAP informa que vem atuando de maneira sistemática e multidisciplinar no atendimento à população prisional do Estado. Ao trabalhar, o reeducando recebe bolsa-auxílio e remição de pena — a cada três dias trabalhados, um dia é reduzido. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria, qualquer empresa ou entidade pode dar emprego a um detento, desde que esteja com a situação administrativa regularizada. Os interessados devem entrar em contato com a FUNAP ou com uma unidade prisional para apresentar a documentação necessária. 

Para realizar atividades de trabalho interno, o reeducando precisa manifestar seu interesse, passar por uma triagem — que levará em conta perfil e aptidão —, ter boa conduta e realizar avaliação médica. Para trabalhos externos, apenas os detentos submetidos a regime semiaberto são considerados. O sistema penitenciário paulista registra, ainda, várias atividades de destaque, desenvolvidas por presos de regime semiaberto, como contratos de limpeza com diversas prefeituras. Em julho, 67 escolas tiveram pinturas iniciadas por penitenciários em todo Estado de São Paulo. 

A SAP também informa que, ao ser posto em liberdade, o ex-detento pode participar do Programa Pró-Egresso, resultado da junção de esforços entre a SAP, por meio da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC), a Secretaria do Emprego e Relações de Trabalho (SERT) e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e Inovação (SDECTI). O objetivo é capacitar e reinserir os ex-detentos no mercado de trabalho. 

Inclusão municipal

A Prefeitura de Ribeirão Preto, no final de 2014, por meio de um projeto criado pela ex-secretária de Infraestrutura, Isabel de Farias, implantou um projeto que permitia o trabalho de detentos em serviços públicos de limpeza urbana cidade. Inspirada na cidade de Campinas, onde o programa de reinserção social existe desde 2006, a parceria entre a Prefeitura e o Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis previa que detentos em regime semiaberto executassem os serviços de jardinagem, coleta de galho e de entulho no município. 

O contrato foi assinado no dia 13 de novembro. À época, 46 presos atuaram nos serviços de limpeza da cidade. Foram realizados trabalhos em praças, rotatórias, avenidas e canteiros. A Prefeitura era a responsável por fornecer o transporte, equipamentos de trabalho e alimentação. 

Para participar do projeto, o detento deveria estar terminando de cumprir a pena. Em caso de bom comportamento, o presidiário poderia ser selecionado. Fiscais da Secretaria de Infraestrutura acompanhavam e orientavam a execução dos serviços. Ao final do dia, um relatório era entregue ao responsável pelos detentos. De acordo com a Prefeitura Municipal, o trabalho implantado por Isabel de Farias continua em vigor até o momento. Diariamente, são encaminhados de 85 a 90 educandos do regime semiaberto para a prestação de serviços na Secretaria de Infraestrutura e Coordenadoria de Limpeza Urbana, em Ribeirão Preto. Os detentos trabalham em toda a cidade com supervisão de encarregados. 

Texto: Pedro Gomes

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