Transporte coletivo
Contrato de concessão do transporte coletivo na cidade foi assinado em 2012 e deve terminar em 2032

Transporte coletivo

Críticas quanto qualidade no serviço de transporte coletivo prestado à população de Ribeirão Preto se acumulam

* A revista Revide produziu uma série de reportagens especiais sobre os principais gargalos de Ribeirão Preto. São problemas que a população encara todos os dias e representam desafios a serem vencidos pela administração pública

 

Dor crônica. Essa parece ser a melhor forma de definir a problemática do transporte público coletivo em Ribeirão Preto. Uma situação complicada, que se arrasta a décadas, envolvendo a Prefeitura Municipal, o Consórcio Próurbano e a população. 


Amarrados por um contrato assinado em 2012, pela então prefeita Dárcy Vera, com vigência até 2032, os três agentes da problemática só entram em consenso em um ponto: reclamar. O Próurbano grupo concessionário do transporte coletivo na cidade, formado por Rápido D’Oeste (50%) e Transcorp (50%), diz que o valor arrecadado não cobre a operação. A Transerp (Empresa de Transporte Urbano de Ribeirão Preto), responsável pela fiscalização do serviço oferecido, diz que o valor das multas é irrisório e falta pessoal para fiscalizar. A população cobra por qualidade.


Detalhe: a concessão do transporte coletivo urbano de Ribeirão Preto teve início a partir de uma decisão judicial acordada para a realização de licitação e definição de novas empresas prestadoras do serviço. O consórcio Próurbano, vencedor da licitação, reúne três empresas que já prestavam o serviço na cidade por permissão e, portanto, detinham algum conhecimento do operacional, demandas e custos.


No aplicativo da Transerp se acumulam queixas de superlotação, de atrasos e de adiantamentos de horário, de valor da passagem, de falta de manutenção na frota, de falta de iluminação nas estações, de linhas não atendidas, de condições de higiene nos veículos e estações, entre outras. A aposentada Iraíde Souza Moraes é usuária do transporte coletivo em Ribeirão Preto há muitos anos. “Pego ônibus desde que me conheço por gente e se falar que melhorou vou estar mentindo. Às vezes a gente chega no ponto e ele já saiu, nunca está no horário, e muitas vezes quebra no meio do caminho. Os ônibus estão cada vez mais velhos e sujos. Cheguei a usar o terminal quando foi inaugurado, mas cadê a manutenção?”, questiona a aposentada. Aliff Luiz está cansado da demora. Ele tinha uma moto, mas precisou vender e há seis meses toma quatro ônibus diariamente para trabalhar. “Para vir até tem ônibus, mas a noite para voltar demora bastante. Chego mais ou menos 20h20 no ponto e só vai ter ônibus lá pelas 21h ou até mais. O preço da passagem também ‘tá judiando’. No banheiro só entrei uma vez, cheguei na porta e já voltei”, critica o usuário.  


Além das reclamações com o serviço, o acúmulo de episódios de falta de segurança registrados nos últimos meses, levaram a Promotoria de Defesa do Consumidor a abrir um inquérito civil para investigar a prestação de serviços e a propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que não foi aceito pelo Próurbano. “Adotamos providências no momento em que surgiram muitas denúncias de veículos transitando sem manutenção, superlotação e atrasos. Chamaram ainda mais atenção os últimos acidentes registrados: de uma senhora que caiu do ônibus em movimento porque a porta estaria amarrada com arame; outra que desembarcou em local inadequado e foi atropelada por uma moto ao descer e, mais recentemente, o caso de um senhor que caiu do ônibus, foi atropelado pelo próprio veículo e morreu. Isso mostra que o serviço não está sendo prestado com segurança, eficiência e qualidade, como mandam o contrato e o Código de Defesa do Consumidor”, afirma o representante do Ministério Público (MP), Carlos Cezar Barbosa.

 

MAIS DE MIL MULTAS  EM OITO MESES 


Também chamou atenção do MP o elevado número de multas administrativas aplicadas ao Consórcio Próurbano. Segundo a Transerp, foram 1.145 registros de autuações feitas por falhas operacionais de janeiro a agosto deste ano. Desde o início da concessão até agosto de 2022 foram 3.104 autuações, dado que revela o agravamento dos problemas. “Ocorre que essas autuações resultam em multas muito inexpressivas para o consórcio — algo em torno de R$ 230 mil —, que entendemos não ser suficiente para inibir as irregularidades e fazer com que o serviço seja prestado de forma correta. Por isso, propusemos um acordo de pagamento de R$ 5 mil de multa civil por cada multa recebida pela Transerp. O consorcio não aceitou, então, entrei com Ação Civil Pública na justiça fazendo uma série de pedidos. Está claro pelos elementos que colhemos, que o serviço está sendo mal prestado. A administração poderia romper esse contrato, é perfeitamente possível, mas tem feito a opção por mantê-lo, o que ao meu ver acaba penalizando o consumidor.”, explica o promotor.


Entre os descumprimentos contratuais apontados pelas CPIs do Transporte estão a falta de investimentos previstos na construção de terminais e na disponibilização de pontos de recarga.  Segundo relatório da Oficina Consultores, o contrato de concessão estabeleceu idade média máxima da frota de 4 anos — mantida até 2018, quando houve a compra de 112 ônibus. A partir de então, o Próurbano não adquiriu novos veículos e a idade média da frota chegou a 6,4 anos em 2021. Atualmente, são 354 veículos — 318 convencionais, 16 micro-ônibus e 20 padrons. Desde o início da concessão, foram adquiridos 496 veículos, 370 no início do contrato e os demais ao longo dos anos. Com atos de vandalismo (incêndio) foram perdidos 19 ônibus. O montante total de investimentos foi de R$ 112 milhões no período. Sem revelar quem pagará a conta, a prefeitura diz que a frota será 100% renovada até 2024.

 

JUSTIFICATIVA


Em comunicado divulgado em novembro de 2021, o Próurbano afirmou correr o risco de entrar em colapso — pela queda de receita provocada pela pandemia —, e solicitou à Prefeitura ajuda financeira para manter a operação em Ribeirão Preto. Em 2020, os prejuízos atingiram R$ 36 milhões. O aumento do óleo diesel, um dos principais itens do custo do serviço, que teve alta de 65,3% entre 2020 e 2021, entrou nesta conta. No final de 2021, a empresa alegou somar R$ 56 milhões de prejuízo. Decisão recente da juíza Lucilene Aparecida Canella de Melo, da 2ª Vara da Fazenda Pública, relacionada à problemática do transporte na cidade, esclarece: “Via de regra, nos contratos de concessão para exploração de serviço de transporte público coletivo, a redução da demanda não é fato imprevisto ou imprevisível. Tal circunstância faz parte do risco do negócio e, pela via reserva, se houver aumento de demanda, o lucro ficará com a concessionária”, sentenciou a juíza. No ano passado a prefeitura realizou um aporte de R$ 17 milhões ao Próurbano, através de lei aprovada na Câmara.


Relatório apresentado recentemente pela Oficina Consultores, empresa sediada em São Paulo contratada pela prefeitura para avaliar o suposto desequilíbrio financeiro alegado pelo Próurbano, mostra em suas considerações iniciais que para composição da projeção de demanda estimada no edital, foram considerados valores históricos de passageiros transportados e um crescimento pautado em análises de indicadores de cidades com população similar a Ribeirão Preto. O documento ainda destaca: “Vale dizer que o edital de licitação permitia que os licitantes realizassem as projeções próprias da demanda”. A redação da Revide entrou em contato com a assessoria da PróUrbano nos dias 8, 12, 20 e 21 deste mês em busca de um posicionamento oficial da empresa, mas não obteve retorno em nenhuma das tentativas.

 

QUESTIONAMENTOS 


Relator na CPI dos Transportes de 2013 e presidente na de 2018, o vereador Marcos Papa (Cidadania) diz que os descumprimentos do contrato de concessão tanto por parte do PróUrbano como da Prefeitura chegam a 23 (veja quadro com alguns).  Entre eles, o vereador destaca a determinação de que o concessionário forneça sua movimentação contábil mensalmente. “Permanece sem resposta o porquê da prefeitura se negar a auditar a contabilidade das empresas de ônibus, quando o próprio contrato assim determina. O chefe do poder executivo não age como alguém que mande pôr ordem na casa e queira as contas na ponta do lápis”, afirma Papa, criticando ainda a contratação da Oficina Consultores.


Baseada nas informações recebidas pela Prefeitura, Transerp e Próurbano, a consultoria apresentou análises de dois cenários possíveis: o encerramento do contrato com o Próurbano ou a revisão das obrigações contratuais. Em resumo, no primeiro, a concessionária teria um resultado negativo de menos 68,8 milhões e no segundo a prefeitura precisaria subsidiar R$ 66,30 milhões. Nas distintas simulações feitas no cenário de continuidade do contrato, o custo da tarifa poderia variar entre R$ 6,77 e R$ 8,23 para manutenção do equilíbrio financeiro do sistema. 


Em nota, a Prefeitura afirma que os descumprimentos do contrato estão sendo analisados pela Comissão Coordenadora da Execução do Contrato de Concessão do Transporte Coletivo Urbano de Ribeirão Preto. Esclarece ainda que a contratação da empresa especializada se deu devido à complexidade dos dados técnicos e operacionais da concessão do transporte coletivo e que a análise dos 10 anos anteriores e previsão dos próximos 10 anos da concessão apresenta duas situações: quitar o déficit do Consórcio PróUrbano ou o consórcio mover um processo na Justiça solicitando os valores que alega de prejuízo. “A Comissão de Transportes, secretarias de Governo e Justiça apontam que a remodelação do contrato se faz necessária para melhorias no serviço do transporte público, bem como a renovação em 100% da frota até 2024, com maiores condições de conforto, como a climatização, internet grátis e suspensão a ar”, informa.


Papa ataca a análise apresentada para tomada de decisões e sugere uma nova licitação. “Não é possível persistir com este contrato, condenado pelo Tribunal de Contas. Está se gastando meio milhão de reais para fazer um serviço que nossos fiscais fazendários de carreira deveriam estar realizando, e a partir de um estudo — e não de uma auditoria —, está se apresentando ao contribuinte uma conta de mais de R$ 60 milhões. O resultado disso tudo é um só: você tem uma concessionária fazendo o que quer e um poder complacente com isso, enquanto o povo sofre com um transporte público ruim”, declara o vereador. 

 

 

CLÁUSULAS DESCUMPRIDAS SEGUNDO A CPI DOS TRANSPORTES 

 

Pelo PROURBANO:
1. Renovação de frota;
2. Ganhos financeiros proporcionados pela venda antecipada dos créditos tarifários à população usuária do transporte coletivo urbano;
3. Obrigação de equipar toda a frota de ônibus e micro-ônibus com rádio-comunicador;
4. Obrigação de se manter 400 (quatrocentos) postos de recarga de cartões eletrônicos de transporte (cláusula do Primeiro Termo de Rerratificação do contrato de concessão);
5. Suspensão do pagamento dos custos de gerenciamento e fiscalização pelo Consórcio PróUrbano à TRANSERP (decisão liminar judicial de 2016, ainda sem julgamento de mérito).

Pela PREFEITURA:
1. Manter controle rígido das contas do consórcio (dever administrativo de um poder concedente para uma concessionária prestadora de serviço essencial), através dos documentos
a serem fornecidos pelo consórcio;
2. Exigir, extrajudicialmente ou judicialmente,
o cumprimento do contrato. 

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