Trauma recorrente

Trauma recorrente

Avenida centenária de Ribeirão Preto passa por processo de revitalização. Porém, atrasos têm causado apreensão em lojistas

A entrega do primeiro trecho das obras de revitalização da avenida Nove de Julho sofrerá um atraso em razão de intercorrências, segundo afirma o secretário de Obras Públicas de Ribeirão Preto, Pedro Luiz Pegoraro. Este primeiro trecho compreende as ruas Marcondes Salgado e Garibaldi, com a rua São José entre elas. “Um dos motivos foi a descoberta de redes de água e esgoto muito antigas, que não constavam nos projetos existentes e, portanto, estavam fora de nossos planejamentos. Além disso, o trecho é o mais baixo de toda a avenida, justamente por isso começamos por ele. Sairão dali as bases das galerias de águas pluviais que já estão em construção e fazem parte da mesma obra. Elas descerão pela Marcondes e pela São José e vão direcionar as águas que hoje alagam aquela região diretamente ao córrego Retiro Saudoso. É o ponto mais crítico da obra”, explica.

 

Segundo Pegoraro, em decorrência do atraso nesse primeiro trecho o cronograma de entrega dos demais que compõem a obra total deve ser alterado. A Secretaria de Obras Públicas solicitou à Construtora Metropolitana, responsável pela obra, uma revisão para ajustar as próximas etapas e preservar o prazo final (junho de 2024). O novo cronograma deverá ser apresentado nos próximos dias, garante Pegoraro.

PREJUÍZOS

 


Apesar de necessárias para recuperar e preservar uma parte importante da cidade de Ribeirão Preto, inclusive histórica e culturalmente, as obras na avenida Nove de Julho trouxeram prejuízo aos comerciantes. Uma breve caminhada ao longo da avenida e o que se vê são comércios fechados e muitos imóveis para alugar. 


Proprietário de uma loja de colchões na Nove de Julho desde o ano de 2018, André Sousa está de partida. Ele conta que os prejuízos remontam ao início das obras do túnel da avenida Independência, que travaram o acesso de veículos e reduziram o movimento do comércio.


“Apenas alguns dias depois que o túnel foi finalmente inaugurado, as obras na Nove de Julho começaram. Até agora calculo que já perdi 26% do faturamento e estou no segundo mês fechando as contas no negativo. Não há expectativa de que a situação vá melhorar tão cedo. Fico com as portas abertas até dezembro para cumprir o contrato com a franqueadora. Depois disso, deixo o local porque não está valendo a pena”, revela. 


Em situação tão ou mais difícil está Joel Horácio, proprietário de uma loja de açaí na esquina da Nove de Julho com a rua São José, no epicentro da obra. Ele se diz praticamente “ilhado”, mas ainda não considera fechar as portas, apesar do número de clientes ter reduzido significativamente. “Calculo uma queda de 60% no movimento desde o início da obra na avenida, em junho. Permanecemos com as portas abertas graças ao delivery e aos clientes fiéis”, diz. “Não acredito muito no cumprimento dos prazos e lamento que a avenida esteja tão abandonada, antes mesmo das obras iniciarem, especialmente durante a noite quando há arrombamentos e furtos. Além do fim das obras, obviamente, cobramos dos gestores mais segurança no local”, complementa. 


Há algumas décadas a avenida Nove de Julho vem passando por uma decadência constante no comércio local, além de prejuízo e incômodo a quem trabalha, mora e transita na região. “Sem contar o que ela simboliza para a cidade. Dificilmente se encontra uma pessoa de Ribeirão Preto que não tenha uma história de vida, uma lembrança, uma inspiração quando passa por ali. Ver aquela avenida maltratada é como ver nossa cidade e a nós mesmos nessa situação”, ressalta o secretário Pedro Luiz Pegoraro. “Sabemos que uma obra de imensas proporções sempre se caracteriza um transtorno à população, mas estamos certos de sua necessidade. Pela Nove de Julho, vale a pena”, enfatiza.

 

ACOMPANHAMENTO E FISCALIZAÇÃO 

 


Entidades ligadas ao comércio de Ribeirão Preto criaram estratégias para acompanhar as obras. A Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) conta com um serviço de esclarecimento e informação sobre o cronograma que inclui, não apenas a revitalização da avenida Nove de Julho, mas também os corredores de ônibus do Quadrilátero Central.  Já entidades como o Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp), Sincomerciários RP – Sindicato dos Empregados do Comércio, Sindicato de Hotéis, Bares Restaurantes e Similares (SHRBS), Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), entre outros, também se uniram em um comitê de acompanhamento das obras de mobilidade da área central.

 


O empresário José Horácio integra um comitê de empresários da Nove de Julho que acompanha tudo de perto. Para ele é um instrumento importante para fazer pressão e garantir que as promessas sejam cumpridas. Erasmo José Gomes, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP) e Coordenador do Grupo de Estudos Municipais e Metropolitanos, diz é importante esse acompanhamento por parte da sociedade organizada porque, como o próprio nome diz, as obras públicas pertencem à população. “São obras executadas com recursos públicos vindos do recolhimento de impostos pelo Estado, pagos pelos cidadãos, realizadas em benefício da sociedade. Portanto, é altamente desejável que tenham acompanhamento efetivo pelo cidadão e por entidades de representação da sociedade civil. Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 31, atribui ao Poder Legislativo Municipal, portanto, aos vereadores, legítimos representantes da sociedade local, a responsabilidade de fiscalização das contas e das ações levadas a efeito pelo município representado pelo Executivo Municipal”, explica.

 


Segundo ele, essa atuação cidadã de acompanhamento e fiscalização, não apenas das obras, mas também dos atos do Executivo, ainda é pouco verificada, apesar de existirem algumas iniciativas da sociedade civil, como, por exemplo, o portal Transparência Brasil, além de órgãos públicos, como o Tribunal de Contas que possui o portal “Obras Paralisadas ou Atrasadas” - um mapa virtual que permite verificar a relação de todas as obras atrasadas e/ou paralisadas de responsabilidade municipal e estadual. “Para mudar esse comportamento acredito que o mais efetivo, porém de mais longo prazo, seja por meio da conscientização e formação dos jovens, em todos os níveis escolares – do fundamental ao universitário - em temas relacionados a políticas públicas e cidadania. Já, num horizonte temporal de mais de curto prazo, igualmente importante é a atuação de entidades de representação da sociedade civil, como organizações e associações empresariais, de bairros, de trabalhadores, de classes profissionais dentre outras. Também importante é o papel dos Conselhos municipais atuantes nas diversas áreas como instrumento de acompanhamento de políticas públicas”, observa.

 


O professor Erasmo Gomes acrescenta ainda que, além do ponto de vista técnico de engenharia é preciso levar em conta a “engenharia social”, na medida em que essas obras alteram a rotina da cidade e dos seus cidadãos.  “Atravessamos recentemente um período traumático e turbulento imposto pela pandemia de Covid que causou enormes prejuízos sociais e econômicos em vários segmentos e que, no momento em que alguns negócios localizados no entorno das obras começavam a se recuperar, houve o período de execução das mesmas, trazendo reflexos para essa trajetória de recuperação dos negócios. Entretanto, considero que as obras são importantes, necessárias, valorizarão o entorno onde foram realizadas e trarão benefícios para os cidadãos e empresários locais”, conclui. 

 

 


Foto: Luan Porto

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