Um investimento que não dá mais para adiar

Um investimento que não dá mais para adiar

São só três letras — ASG (sigla para Ambiental, Social e Governamental), mas elas estão provocando profundas mudanças no mercado consumidor, nas estratégias de investimentos e na gestão de negócios

Gerar valor econômico associado à preocupação com questões ambientais, sociais e de governança corporativa foi a forma mais capitalista que o capitalismo encontrou de solucionar a problemática da responsabilidade e do comprometimento das empresas com mudanças necessárias nestas áreas. Tudo começou com uma provocação do Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como implementar medidas nas áreas social, ambiental e de governança no mercado de capitais. Daí nasceu o termo ESG (Environmental, Social and Governance) — no Brasil, ASG (Ambiental, Social e Governamental) —, utilizado em 2004, no relatório “Who Cares Win” (Quem se Importa, Ganha), uma iniciativa do Secretário-Geral da ONU e do Pacto Global da ONU, endossada por 23 grandes instituições financeiras, recomendando considerar não só a análise financeira tradicional nas decisões de investimentos, mas também os aspectos ESG, principalmente devido ao risco de impactos decorrentes das mudanças climáticas sobre o capital financeiro.  

 

A partir daí, foram sendo criadas várias diretrizes para ações e divulgação de informações econômicas, financeiras, ambientais e sociais das empresas. O Padrão GRI, criado pela organização Global Reporting Initiative (GRI) em 1997, tornou-se um dos mais conhecidos e utilizados no mundo todo. Sua primeira versão foi lançada em 2000 e a última atualizada em 2022. No Brasil, a primeira empresa a adotá-lo foi a Natura, em 2006. Com o tempo, essas práticas foram sendo estendidas às demais empresas do mercado e hoje são praticamente uma obrigação para sustentabilidade de qualquer negócio, como explica Maria Elisa de Oliveira Sepúlveda, secretária executiva de Governança da SMAR APD. “Atualmente, nossos maiores clientes da área de impressão e cobrança, como Santander e Bradesco, nos solicitam, através de longos questionários, saber das nossas ações relacionadas ao ASG, pois eles têm programas já definidos/instituídos e precisam prestar contas de que seus fornecedores também estão aptos a atendê-los, ou seja, aderir ao ASG nos capacita como fornecedores para grandes clientes”, afirma. 

 

É justamente a estas exigências de mercado, ou de normatizações que estão por vir referentes à cadeia de produção, que a professora do Departamento de Contabilidade da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEAUSP-RP), Solange Garcia, atribui o crescimento da implementação da agenda ASG entre as empresas de menor porte. “As grandes empresas já são pressionadas a dar transparência sobre o que ocorre com os seus fornecedores, principalmente se sua matéria prima é oriunda de atividades extrativistas, minerais ou vegetais. E elas vêm orientando seus fornecedores sobre boas práticas de sustentabilidade para estarem alinhadas com as exigências de mercado. Contudo, precisarão se engajar mais e mais, para ajudar e monitorar a implementação das práticas ASG junto aos seus fornecedores, para evitar o risco de comprometerem a sua própria imagem, caso ocorram danos ao meio ambiente ou transgressão aos direitos de trabalhadores, por exemplo”, avalia a pesquisadora. 

 

E os desafios, segundo Maria Elisa, são muitos. Partem da compreensão sobre como as práticas ASG são estratégicas para a empresa, passam pelo engajamento dos colaboradores, até chegar à implementação de certificações correlatas. “Aqui na SMAR APD, começamos despretensiosamente, em março do ano passado, com algumas ações sociais e de sustentabilidade que ganharam corpo. Criamos um Comitê ASG, oficializado em reunião do Conselho Consultivo, e um calendário de ações. Na área ambiental, adotamos práticas como uso de canecas em vez de copos descartáveis, coleta de EPS (isopor) para reciclagem, pilhas e eletrônicos, descarte correto de insumos de impressão e captação de águas pluviais, entre outras medidas. Na área social, participamos de campanhas do Fundo Social de Ribeirão Preto, fizemos parceria com o Hemocentro para Doação de Sangue e aderimos ao Dia de Doar. Também reeditamos nosso Código de Ética, Conduta e Compliance, implementamos um Canal de denúncias e estamos elaborando Políticas Internas, na área Governamental”, relata a secretária. 

 

Um novo paradigma 

 

Engenheira Ambiental da Campanha Civilidade nas Ruas da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto (AEAARP), Mayra Mucha diz que as práticas ASG não são um modismo da administração, mas um novo paradigma dos negócios. “Pode parecer, mas essa não é uma tendência passageira. A sustentabilidade no mercado entrou em um novo patamar e essa fase tem uma sigla: ASG. Vivemos um momento crítico do ponto de vista de mudanças climáticas, desigualdades sociais e práticas antiéticas que interfere nos resultados das empresas, principalmente se forem de capital aberto, com cotação na bolsa, e mais ainda se forem exportadoras. O índice ASG cria um ponto de equilíbrio em meio a tudo isso, por isso, os investidores estão buscando as empresas com pontuações altas. Não se trata de um compilado de dados ambientais, meras declarações e compromissos, metas numerosas, propósitos intangíveis e declarações públicas de boas intenções e políticas ilusórias, mas de empresas que comprovem com fatos e dados o que estão fazendo e demonstrem com métricas e indicadores auditáveis o impacto positivo de suas atividades. Isso é ASG”, afirma. 

 

O primeiro passo de uma empresa para ser ASG é ser signatária do Pacto Global da ONU, iniciativa que encoraja a adoção de práticas sustentáveis e responsáveis. E, para contribuir com as empresas na adoção destas práticas, o Instituto Ribeirão 2030 se coloca como uma importante referência, já que atua alinhado aos parâmetros do Pacto Global e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, pontos estratégicos que dão origem ao ASG. “Nossas ações servem tanto de exemplo para implementação das práticas nas empresas, como podemos ser uma ponte para sua formalização, através do trabalho voluntário junto ao Instituto, servindo o mesmo como prática ASG no ambiente corporativo, além de importante contribuição para vencer nosso maior desafio que é, justamente, difundir tais metas na sociedade ribeiraopretana para alcançar os ODS”, avalia Henrique Furquim Paiva, advogado membro do Instituto Ribeirão 2030. 

 

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançados até 2030 incluem erradicar a pobreza e a fome; oferecer educação de qualidade, água potável, saneamento e energias renováveis; promover trabalho digno, igualdade de gênero e redução das desigualdades, além de crescimento econômico, Indústria, Inovação e Infraestrutura, cidades e comunidades com produção e consumo sustentáveis; ação climática; proteção da vida marinha e terrestre; paz e justiça. 

 

Divulgação de informações 

 

Para mensurar e relatar as práticas ASG, foram surgindo padrões de divulgações específicos como o Climate Disclosure Standards Board (CDSB), em 2007, o Sustainability Accounting Standards Board (SASB), em 2011, e o Task Force on Climate-Related Financial Disclosure (TCFD), em 2017. Tudo isso levou à criação do International Sustainability Standards Board (ISSB), em 2021, vinculado ao International Financial Reporting Standards (IFRS), ou seja, a organização internacional que define padrões para divulgação de informações financeiras incorporou a definição de padrões para divulgação de informações de sustentabilidade/ESG. 

 

Em 2022, o ISSB disponibilizou dois documentos para consulta pública (S1 e S2) e a divulgação dos padrões está prevista para 2023. Após esta divulgação, os padrões no Brasil devem ser analisados pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), para convergência com os padrões internacionais e os órgãos normatizadores brasileiros poderão emitir normas que tornem obrigatórias as divulgações de informações de sustentabilidade por parte das empresas. “É importante destacar que quando falamos sobre padrões para divulgação de relatórios de sustentabilidade, não se trata apenas de coletar informações não-financeiras de diversas áreas no final do ano. Tanto o Padrão GRI, como o Relato Integrado, trazem diversos requisitos que exigem a implementação de processos ao longo do tempo e com a iminente divulgação de padrões por uma autoridade contábil internacional (ISSB), certamente ocorrerão alterações nos processos de gestão das empresas, desde uma análise de mercado que inclui fatores que podem representar riscos ambientais e sociais, passando pela definição de estratégias e metas de sustentabilidade alinhadas com o negócio da empresa, pelo monitoramento e controle e pela avaliação de desempenho ao final de um período de atividades”, ressalta Solange. 

 

Para a pesquisadora, as micro e pequenas empresas terão que iniciar esta jornada, incorporando princípios de sustentabilidade no dia a dia de seus negócios, tendo em mente não o custo da implementação, mas as oportunidades que representam: de redução de custos de recursos consumidos como água, energia elétrica, deslocamentos e suprimentos em geral, de reaproveitamento de resíduos e de inovação em produtos e em materiais utilizados, bem como na ideação de novos negócios. Não dá mais para adiar. 

 

Desafio permanente 

 

“O ASG traz, também para a construção civil, práticas sustentáveis ambientais, sociais e de governança, mas é bom lembrar que, em muitos aspectos, a cons trução civil no Brasil já vem sendo estabelecida em bases que respondem aos conceitos ASG – tanto em legislação quanto em boas práticas que valorizam os projetos e oferecem qualidade de vida nas moradias. Na construção civil, temos um setor altamente regulamentado, o que já é um grande passo para adoção das práticas ASG, mas este será um desafio permanente, tanto pela complexidade em adotar práticas sustentáveis em todos os processos da indústria, como pelo setor ser dinâmico e inovador. No final, todos ganham: cliente, mercado e meio ambiente. Vale salientar que a política ASG reconhece a responsabilidade social das empresas, levando a benefícios tributários e financeiros.” 

 

Fernanda Defendi
Diretora de Incorporação da Pafil Empreendimentos

 

Peso nas decisões  

 

“As grandes empresas, aquelas que já estão inseridas no mercado de capitais, com ações em bolsa, emissões de títulos ou por meio de fundos de investimentos, já estão aderindo às práticas ASG até por necessidade. As pequenas e médias empresas e MEIs, que são a força motriz da economia brasileira e nossa principal base de associados ainda não acessa tais instrumentos financeiros ASG, mas, no futuro, podem se beneficiar de financiamentos para investimentos ligados à sustentabilidade, como geração de energia limpa ou destinação de resíduos. Isso não significa que as MPEs não realizem ações socioambientais e deixem de lado questões de governança. Cada vez mais esse comportamento cidadão, o cuidado com as pessoas, com o meio ambiente e com práticas anticorrupção deve pesar nas decisões dos consumidores e, consequentemente, dos empresários.” 

 

Carlos Ferreira
Gestor de marketing e relações institucionais da ACIRP

 

Valores ASG 

 

“Nos últimos três anos, o Instituto Credicitrus realizou diversas ações para incentivar a profissionalização e capacitação de micro e pequenos empresários, promover a inovação e o empreendedorismo de impacto social, apoiar organizações do terceiro setor em projetos de geração de renda e energia limpa e renovável, bem como ações relacionadas à destinação correta de resíduos sólidos. Em 2022, firmou 100 parcerias, investiu mais de R$ 7 milhões em 71 projetos, participou de 163 eventos e impactou 60 mil pessoas. Acreditamos que o modelo de negócios cooperativista tem como essência fazer do mundo um lugar mais próspero, digno e significativo de se viver, e entendemos que os valores ASG são parte integrante do nosso negócio.” 

 

Maria Tereza de Souza Lima Uchôa
Presidente do Instituto Credicitrus

 

Agenda ASG 

 

“É nossa missão trabalhar na construção de um futuro global sustentável, cuidando do ciclo integral da água. Por isso, em 2021, inauguramos a Hidrosfera, uma plataforma global que contribui diretamente com os desafios da agenda ASG e ODS da ONU. Envolvemos 105 pessoas-chave na definição das prioridades e chegamos a 12 estratégias de sustentabilidade, essência do que a GS Inima Brasil quer ser e fazer: Agenda Social; Prêmios de Inovação e Sustentabilidade; Segurança Hídrica; Aquapolo; Destinação; Biogás; Reutilização; Gestão sustentável de fornecedores e de riscos e controle; Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa e Programa Integridade. O principal objetivo da Hidrosfera é ultrapassar os limites da empresa, podendo gerar valor para a sociedade onde estamos inseridos. Em 2022, ela passou a ser uma referência adotada pela matriz na Espanha como agenda global. Em 2023, nosso objetivo é implementar mais ações e programas, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da GS Inima Brasil.” 

 

Paulo Roberto de Oliveira
CEO - GS Inima Brasil


Foto: Freepik

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