
Um setor no limite
Renato Munhoz repercute as principais dificuldades enfrentadas pelo setor de bares e de restaurantes diante das restrições do Plano São Paulo
Com o aumento no número de casos confirmados de Covid-19 no Estado de São Paulo, as taxas de ocupação de leitos em alta e o sistema de saúde entrando em colapso, o governo paulista regrediu a flexibilização do isolamento social para a fase vermelha, a mais rígida do Plano São Paulo. O decreto, válido, a princípio, até o dia 7 de fevereiro, é encarado como um duro golpe por diversos setores da economia, já fragilizados com a crise financeira gerada pela pandemia do novo coronavírus, que vem se estendendo desde março de 2020. Entre eles, destaque para o de bares e restaurantes.
Classificados como atividades não essenciais, esses estabelecimentos tiveram que, mais uma vez, suspender os atendimentos presenciais e operar apenas por delivery ou retirada no local, diminuindo os índices de consumo e, consequentemente, colocando em risco a renda e o emprego de uma vasta cadeia produtiva. Na entrevista a seguir, Renato Munhoz — empresário e presidente da Regional Alta Mogiana da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) — analisa o cenário atual, enfatiza a importância do cooperativismo e cobra uma atitude dos órgãos públicos para garantir a sobrevivência desse mercado, formado por 80% de micro e pequenos empreendedores.
Como os empresários do ramo de bares e restaurantes têm reagido a essa reclassificação do Plano São Paulo?
Nós, empresários, estamos dizimados e inconformados com mais esse decreto. A sensação é de completa injustiça. Não tem como ser diferente. É claro que nos preocupamos com a questão da saúde pública. Queremos que a pandemia termine o mais rápido possível e estamos fazendo a nossa parte. Adotamos uma série de medidas e de protocolos de segurança para proteger nossos clientes e colaboradores. Aliás, vale lembrar que nosso segmento, naturalmente, já opera dentro de normas sanitárias bem criteriosas e com vigilância constante. Passamos por um intenso processo de profissionalização. Evoluímos demais, em termos de qualidade dos produtos, dos serviços e da gestão, nos últimos anos. Mesmo assim, fomos apontados como os vilões da história. Bares e restaurantes não são os culpados pelo aumento no número de casos e não vão assumir essa conta. Basta se informar um pouco para entender que essa análise não tem fundamento. As estatísticas estão a nosso favor. Nos 80 dias em que tivemos a liberação para funcionar, as taxas de letalidade, de ocupação de leitos e de transmissão do novo coronavírus, na verdade, caíram. As curvas voltaram a subir após as festas de final de ano, as praias lotadas e os eventos clandestinos, período em que estávamos fechados para o público. No país, nossa classe é responsável por 6 milhões de empregos diretos. Merecemos respeito, temos que ser ouvidos e precisamos de ajuda.
Em uma cidade como Ribeirão Preto, esse impacto é ainda maior?
Sem dúvida. Nossa cidade tem aptidão, tanto para o setor de comércio e de prestação de serviços, quanto para a vida noturna. É difícil dimensionar a grandiosidade de Ribeirão Preto estando aqui, tão perto. De fora, é mais fácil enxergar o potencial de crescimento nessas áreas. Quando cheguei aqui, em 1995, encontrei um universo de possibilidades. Em um ano, inaugurei a primeira unidade da Água Doce Cachaçaria. Não posso dizer que foi uma jornada fácil. Enfrentei várias batalhas pelo caminho, mas consegui crescer. Descobri que nasci para servir. Essa característica faz parte do meu perfil. Durante dez anos, além de ser o proprietário, eu trabalhava como garçom aos finais de semana. Gosto dessa interação, de poder participar de todo o processo, desde a compra do ingrediente até a entrega do prato na mesa. Depois, investi na marca Vapiano, que também é um sucesso. Óbvio que existem exceções, assim como em todos os setores, mas, para atuar nesse ramo, tem que ter paixão. É algo que demanda 24 horas de atenção e 100% de dedicação. Recebemos as pessoas na nossa casa, para um almoço em família, para um happy hour entre amigos ou para um jantar romântico a dois, por exemplo. Em qualquer que seja a ocasião, proporcionamos uma experiência única. Se você pegar os mesmos ingredientes e preparar a receita na sua casa, o resultado não será o mesmo. Agora, esse setor, sempre tão acolhedor, vem sendo duramente castigado pelo governo. É uma postura inexplicável, no mínimo, incoerente.
O que precisaria ser feito para reverter essa situação?
O primeiro passo para solucionar o problema seria estabelecer um diálogo com o poder público. O governo não nos dá espaço, não escuta as nossas necessidades. Simplesmente impõe decretos com medidas ineficientes para o combate da pandemia. Parece que estão contra nós. Como vamos nos manter se não podemos vender bebida alcóolica depois das 20h? Se temos que ficar fechados aos finais de semana? Vivemos um momento crítico. Não temos tempo e nem disposição para disputas políticas. Os nossos negócios e os nossos empregos são, sim, essenciais. Empresários, cozinheiros, garçons, caixas, atendentes, gerentes, seguranças e artistas, só para citar alguns cargos, dependem desse setor para sobreviver e para dar suporte às suas famílias. Vamos recorrer à empatia do leitor: o que você faria se, por um ano, sua renda fosse reduzida para 20% do total e as contas continuassem chegando, normalmente? Essa é a nossa realidade. Falta dinheiro para pagar o aluguel, a energia, os fornecedores, os colaboradores e os tributos. Infelizmente, sabemos que muitos empreendedores não resistiram e, mesmo com uma breve reabertura, não têm condições para voltar. Outros estão no limite.
Qual é o papel da Abrasel nesse contexto?
Graças à Abrasel, temos conquistado uma representatividade maior. Temos compreendido a importância e implementado a cultura do cooperativismo. Podemos até ser concorrentes, mas precisamos unir forças pelo mesmo propósito. Se nós não nos ajudarmos, ninguém vai ouvir a nossa voz. Do jeito que está, não dá mais para ficar. A entidade tem 35 anos de história e é extremamente respeitada. Já sou associado há alguns anos. A Regional da Alta Mogiana surgiu em meio à pandemia, diante da necessidade. Precisávamos nos organizar. Hoje, somos quase 200 empresários no grupo. Os membros da diretoria são todos voluntários. Estamos aprendendo, doando nosso tempo para engajar associados e articular alternativas para sairmos desse caos. É fundamental estabelecermos essa interlocução com os órgãos públicos e com outras entidades. Aqui no município, existe uma movimentação nesse sentido. Tenho falado com o prefeito, Duarte Nogueira, e com o presidente da mesa diretora da Câmara Municipal, o vereador Alessandro Maraca, em busca de incentivos. O nosso objetivo é dar apoio a esses micro e pequenos empreendedores. Vamos sair feridos dessa guerra, isso é inevitável, mas, pelo menos, não tivemos medo de arregaçar as mangas e lutar. Estamos lutando para termos uma chance de recomeçar.
Temos acompanhado manifestações do setor em algumas cidades do estado. Pretendem fazer algo em Ribeirão Preto também?
Os associados têm nos cobrado um posicionamento em relação a isso. Se nada mudar nos próximos dias, porque tudo pode acontecer, faremos uma marcha e entregaremos um manifesto para as autoridades. Nós queremos colaborar com a batalha contra o vírus. A melhor maneira de fazermos isso é trabalhando.