Uma cidade para planejar
O futuro de Leonardo, Vitória e Igor depende de um projeto político e econômico que tenha força suficiente para superar problemas e acelerar o desenvolvimento
Leonardo Fischer, 10 anos, Vitória Sobottka, 8 anos, e Igor Sobottka, 4 anos, nasceram em um município que se tornou um dos mais importantes do interior paulista, com uma economia regional consolidada, com indicadores econômicos e sociais superiores à média nacional. Ao completar 154 anos de história, Ribeirão Preto pode se orgulhar de muitas conquistas. Entre elas, a do título de Capital do Agronegócio, que confirmou-se em 2002, mesmo ano em que Vitória nascia. A vocação do município para a agricultura tem longa tradição. Surgida da doação de terras de fazendeiros cafeicultores, a cidade soube aproveitar suas “roxas” terras férteis. Mais tarde, a cana de açúcar tomou conta da região, ganhando mais força com o estabelecimento do etanol como fonte de energia renovável.
Prova da força do agronegócio regional é a realização, há 17 anos, da Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação, a Agrishow, em Ribeirão Preto. Só em 2010, a Feira recebeu 730 empresas do setor e mais de 140 mil visitantes. O volume de negócios realizados ultrapassou as expectativas dos organizadores, tendo superado R$ 1 bilhão.
Mas a agricultura não é o único setor economicamente desenvolvido da cidade. Hoje, o comércio e a prestação de serviços são muito representativos. Além de um intenso fluxo de comércio de rua, incluindo a grande presença de visitantes de cidades próximas, o município conta com três shopping centers, que recebem grande volume de visitantes.
A cidade também assistiu ao “boom” imobiliário nos últimos anos, com a expansão de investimentos em grandes empreendimentos, tanto por empresas locais quanto por empresas de atuação nacional. Esse movimento tem aproximadamente a mesma idade de Igor, que crescerá acostumado a ver pela região sul ribeirãopretana grandes condomínios verticais que ocupam áreas antes compostas por vias sem asfalto. “Ribeirão Preto recebeu maciços investimentos na construção civil. Isso, graças à estabilidade econômica conquistada com o Plano Real, entre outros fatores”, aponta Paulo Tadeu Ribalta de Barros, diretor da construtora Habiarte Barc. Segundo o empresário, a falta de mão de obra qualificada e de produção de insumos para o setor são os fatores que merecem mais atenção para que essa expansão continue no longo prazo.
Além disso, Ribeirão Preto está se acostumando a receber grandes eventos. Há 10 anos, idade de Leonardo, a Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto era realizada pela primeira vez. O evento, que ajudou a trazer para o município o título de Capital da Cultura, amplia sua programação a cada edição, tornando-se uma festa cultural completa por reunir literatura, música, teatro, palestras, entre outras atrações.
Tendo o pop e o rock como principais estrelas, o João Rock reuniu este ano, em sua 9ª edição, mais de 400 mil pessoas. Segundo Josmara Molina, uma das idealizadoras do evento, hoje o festival musical está consolidado. “Mas no início, foi difícil transmitir o conceito que o João Rock trazia. Hoje, temos certeza de que nossa luta valeu a pena”, afirma Josmara. Carnabeirão, Ribeirão Rodeo Music, Arena Country e Stock Car, que fez sua estreia no município no início de junho deste ano, são exemplos de grandes eventos que vêm se firmando, ajudando a fortalecer, por exemplo, o turismo na cidade.
A presença maciça de instituições de ensino superior em Ribeirão Preto e sua intensa vida noturna, com bares e restaurantes de todos os estilos não podem faltar na lista dos benefícios que a cidade oferece aos seus moradores e visitantes. Mas, para que a qualidade de vida dos futuros ribeirãopretanos seja garantida, há muito o que ser modificado.
Novos desafios
Projetar um futuro de qualidade passa por questões que hoje preocupam especialistas e moradores. É preciso solucionar problemas básicos, como o destino correto das mais de 500 toneladas de lixo diárias e a ampliação das áreas verdes, hoje estimadas em apenas 4 m² por habitante, contra os 12 m² recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ou mesmo os 15 m² projetados na própria Lei Orgânica do município. Para o ambientalista e presidente da Associação Ecológica Pau Brasil, Manoel Eduardo Tavares Ferreira, Ribeirão Preto está muito atrasada na discussão e na elaboração de programas eficientes que melhorem a qualidade de vida de vida de seus moradores. Segundo ele, medidas como ampliar a educação ambiental e a coleta seletiva são essenciais. “Hoje apenas 5% de todo o lixo gerado diariamente é coletado e reciclado”, aponta o ambientalista.
A qualidade da água consumida é outro fator de preocupação. Com o rebaixamento do nível do Aquífero Guarani em mais de 40 metros, a projeção dos especialistas é que, em 20 anos, sua captação seja inviável. Assim, Ribeirão Preto necessita de alternativas urgentes para o abastecimento. “A construção de uma estação de tratamento, com a possível captação de água do rio Pardo, seria o mais viável. Mas, para isso, teríamos que começar a projetar a obra agora”, sugere Manoel.
A deteriorização da saúde pública também preocupa. Em algumas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), as imensas filas, a falta de médicos e de leitos, o atendimento precário e a violência fazem parte de uma triste rotina diária de profissionais e de usuários do sistema municipal de saúde. O serviço público prestado está longe de ser, sequer, considerado, razoável. O investimento per capita de R$ 454,00 e o destino de em torno de 27% do orçamento municipal não estão sendo capazes de garantir a prestação de um serviço de qualidade. Para o médico e professor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, especializado em saúde pública e gestão de saúde, Juan Yazlle Rocha, a interferência do interesse econômico privado na política pública de saúde é o principal vilão do setor. Para o especialista, também ex-secretário da Saúde, os gestores ficam reféns do setor privado e não conseguem implantar com eficiência os programas desejados. “Outro ponto importante é que a administração municipal não está dando a devida atenção à saúde básica, não prioriza e nem reformula ações práticas para solucionar a questão”, reforça Juan. Segundo Yazlle, a saída seria a contratação dos médicos generalistas, mais conhecidos como médicos de família. “Com jornada de trabalho de 40 horas, eles estão preparados para atender crianças, jovens e também idosos, criando uma relação de proximidade com a comunidade”, estima Juan. De acordo com o especialista, nos 10 anos de existência do curso na USP, mais de 100 profissionais já se formaram na especialidade, porém o município não contratou nenhum deles. “O médico de família é a resposta para melhorar muito a atenção básica à saúde”, enfatiza Juan.
Se manter a qualidade de vida depende da preservação ambiental e do bom atendimento médico, a mobilidade urbana contribui sensivelmente para melhorar a vida do ribeirãopretano. Especialistas apontam que a motorização da população, da ordem de 60%, já supera a média nacional. Incentivar campanhas educativas, caminhadas e o uso da bicicleta, pode, segundo engenheiro civil Creso de Franco Peixoto, melhorar sensivelmente a mobilidade urbana. Mestre em Transportes e professor do Curso de Engenharia Civil do Centro Universitário Moura Lacerda, Creso defende que o poder público deve viabilizar a implantação de ciclovias e de faixas exclusivas para a circulação dos ônibus. “A ciclovia, por exemplo, pode ser feita na própria calçada ou mesmo numa pequena faixa entre o leito carroçável e a calçada”, observa Creso.
A exemplo do que já ocorre em outros países, interligar o uso de bicicletas e ônibus, incentivar a amizade viária e a implantação de Veículos Leves Sobre Trilhos (VLTs) são medidas viáveis. “São propostas adotadas por muitas cidades do porte de Ribeirão Preto em outros países e isso depende muito mais de vontade política do que de grandes investimentos”, acrescenta Creso, lembrando que, além da ciclovia, deve-se pensar na construção de terminais ou bicicletários para que o morador possa guardar sua bicicleta enquanto trabalha ou cumpre outros afazeres.
O desenvolvimento de qualquer cidade também passa por uma educação de qualidade. Complexa e interligada com a rede estadual, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Educação estão mais de 44 mil alunos, divididos em 88 escolas de ensinos Infantil e Fundamental. A formação continuada de professores é, segundo a pedagoga e especialista em linguística, Filomena Elaine Assolini, um dos principais pontos a se considerar para melhorar a qualidade do ensino público. “Afinal, quem de nós poderia dizer que está formado, que já se formou, ou que sua formação acabou? Ainda que se resista, os estudantes, sempre outros, sempre diferentes, sempre em mudança, provocam no educador o desejo de transformar-se, de atualizar-se, de modificar-se”, conclui a pedagoga.