Uma contadora de histórias

Uma contadora de histórias

Depois de se consolidar no mercado literário com obras de suspense, como “Melby” e “A Tempestade”, Manuela Titoto lança seu olhar para o realismo mágico com “O caçador de raízes”

A ribeirãopretana Manuela Titoto consolidou seu nome no universo literário com obras no gênero thriller. Os títulos “Melby”, “Matéria-prima”, “Contaminados” e “A Tempestade”, só para citar alguns exemplos, alcançaram sucesso entre o público. A habilidade para criar narrativas cheias de tensão, segredos e reviravoltas já foi premiada e reconhecida, inclusive, por escritores renomados, como Josh Malerman. “Manuela Titoto tem uma fabulosa trinca de espadas na mão: atitude, lirismo e a cortada perfeita”, disse o autor de “A caixa de pássaros”. Agora, a autora ingressa no universo infanto-juvenil com o lançamento de “O caçador de raízes”, uma obra que aborda, com um toque de fábula, as maiores angústias no caminho para a maturidade. Na entrevista a seguir, Manuela faz uma breve apresentação do livro, conta sobre os bastidores do processo de desenvolvimento do conteúdo, revela as expectativas em relação a esse momento especial da carreira e destaca a importância da formação de novos leitores. Confira: 

 

Você está prestes a lançar o livro “Caçador de Raízes”. Qual o tema abordado? Poderia fazer uma breve apresentação?

 

Meu novo livro conta a saga do Theo, um menino árvore, que, por ser diferente, sempre se sentiu sozinho e desajustado. Para se livrar de suas angústias, embarca em uma aventura com o objetivo de encontrar outros semelhantes a ele. O pano de fundo é o Brasil dos anos 60, década de revolução cultural nacional e mundial. Há inúmeras referências políticas, cinematográficas e musicais. Uma maneira de olhar para trás e espiar o nosso passado. Com muitos simbolismos, o tema abordado pelo ‘Caçador de raízes’ é a representação do caminho para a maturidade, simbolizando o amor, a inocência, as angústias e os erros próprios na estrada do crescimento pessoal. 

 

 

Como foi o processo de criação dessa obra?

 

Na verdade, esse não é um livro novo. Escrevi-o há seis anos e engavetei o projeto por estratégia editorial. Como eu estava me consolidando no gênero thriller, desaconselharam a publicação. Porém, durante todo esse tempo, eu relembrava da história com muito carinho. No começo deste ano, tive um ‘insight’ e decidi que a história do Theo merecia ser publicada. Por já ter amadurecido o meu estilo de escrita, pensei que ia ter que fazer muitos ajustes no manuscrito. No entanto, ao rever o texto, percebi que não havia necessidade de mudança estrutural. Para minha alegria, os termos poéticos almejados já estavam garantidos na própria história. Tirei algumas partes, sim, mas pouca coisa. A ideia inicial surgiu quando li uma reportagem sobre um homem acometido por uma doença rara, que dava o aspecto de galhos aos seus pés e mãos. Logo, uma história toda se formou na minha cabeça, com muitas aventuras, lugares diferentes e encantamentos. Depois de uma profunda pesquisa sobre a década e pessoas que apareceriam no livro, levei seis meses para terminá-lo.

 

Como está a sua expectativa para o lançamento?

 

Estou bem entusiasmada para transmitir a história do menino árvore! Nesse projeto, diferente dos meus outros livros, escolhi os profissionais colaboradores que transmitiriam bem minha ideia. Então, ficou muito com a minha cara. O capista que eu queria conseguiu imprimir o conceito do livro na capa, o papel que escolhi é aquele gostoso de ler, em uma gramatura e cor que não cansam os olhos, e a diagramação teve elementos de folhas para complementar e não ficar cansativo. 

 

 

Está animada com a estreia no universo infanto-juvenil?

 

Entrar em um novo universo, onde as regras ainda não são tão claras, pode ser desafiador e excitante ao mesmo tempo. Do ponto de vista literário, é uma experiência totalmente diferente. Sempre flertei com o realismo mágico e poder escrever sem amarras, deixando a imaginação solta para ser honesta sobre tudo que acredito, é uma experiência artística que me tomou por inteira. As mentes infantil e juvenil são extraordinárias e mais abertas do que a dos adultos. Desde que meus filhos nasceram, eu inventava histórias para contar na hora de dormir e eles continuavam o enredo, que, na maioria das vezes, tomava um rumo bem melhor do que o meu. Em razão disso, não considero tarefa mais fácil escrever para esse público, ainda mais com a competição que as telas oferecem.

 

Hoje em dia, esse público está lendo menos do que antes? O fácil acesso à tecnologia tem sido um fator negativo nesse aspecto?

 

Não sou educadora ou socióloga para responder com propriedade, mas, evidentemente, profetizar a diminuição da leitura é justificável. Tantos estímulos instantâneos pelo excesso do uso de tela, com fotos e vídeos, sombreiam o prazer da leitura, que requer um pouco mais de tempo. A leitura de grande parte das crianças e adolescentes se resume à legenda de reels e mensagens de WhatsApp. Se o texto não é objetivo, logo perdem o interesse. Por isso, a literatura atual tem o dever de ser boa o suficiente para se sobressair. 

 

 

O que podemos fazer para reverter esse quadro?

 

Dar uma boa porta de entrada para novos leitores é fundamental. E uma boa porta de entrada é providenciar bons livros, que eles queiram ler, quaisquer que forem. Assim, o primeiro contato com a leitura será prazeroso e não apenas uma obrigação escolar. Além disso, é óbvio, mas vale reiterar: os melhores ensinamentos e hábitos vêm do exemplo. Tem um quadrinho que adoro e ilustra bem esse ponto: são duas mães e seus respectivos filhos sentados em um banco. Uma das mães está com um livro, lendo, e seu filho também. A outra mãe está mexendo no celular e seu filho também. A mãe com o celular se vira e pergunta para a outra: como você faz para seu filho gostar de ler livros? Crianças acham interessante o que pais (ou adultos próximos) acham interessante.

 

 

Você é formada em Direito. Como aconteceu o envolvimento com a literatura na sua vida, tanto no aspecto pessoal, quanto profissional?

 

 Ao entrar na faculdade, a primeira coisa que pensei foi ‘vou poder contar a história das pessoas e defendê-las’. É uma formação maravilhosa, mas, eu era muito ingênua. Posso afirmar que a teoria do Direito é muito diferente da prática. Quando tive meus filhos, achei legítimo passar a maior parte do tempo com eles e parei de atuar como advogada. Como sempre gostei muito de ler, arte, cinema e teatro, sabia que queria mexer com criação. Foi então que comecei a escrever. Logo no meu primeiro livro, já consegui uma editora e fui lançada na Bienal do Rio. O resto aconteceu naturalmente. Mas, o que pensei ao entrar na faculdade continua comigo. O que eu gosto mesmo é de contar histórias, seja por meio da escrita, da fotografia ou mesmo da comida. Eu acredito piamente no poder das histórias. 

 

 

O que os livros podem nos oferecer de mais fascinante?

 

Fiquei pensando por um bom tempo na resposta dessa pergunta. Cheguei à conclusão que, de tudo que um livro pode oferecer, o mais fascinante é: um livro conta uma história. Em uma história, conhece-se a visão de outra pessoa. Na visão de outra pessoa, pode-se entender a razão do outro. Ao entender a razão do outro, pode-se mudar a própria perspectiva. E, ao mudar a própria perspectiva, muda-se tudo. Esse é o poder de um livro. As palavras de outros se tornam ecos que ressoam dentro da gente, em uma viagem transformadora.

 

Como se sentiu ao ser reconhecida e premiada pelo seu trabalho?

 

Quem realmente ama o ofício – qualquer ofício – ainda o fará, sendo reconhecido ou não. Mas, ser premiado por um trabalho faz qualquer um se sentir visto, compreendido. Não consigo ainda explicar quão bom foi ver meu livro na lista dos mais vendidos na Amazon. Ou quando Josh Malerman me enviou uma frase. Ou quando vi meu nome em um prêmio. Pode parecer bobagem, mas cada uma dessas pequenas conquistas me incentivou, assim como todos os leitores. Ainda tenho um longo caminho pela frente. Todavia, sou muito grata a todos que leram e leem o que escrevo, pois sinto que minhas palavras valem a pena ser escritas.

 

 

Você tem um contato próximo com os seus leitores? Gosta de saber a opinião deles em relação às suas obras?

 

Tenho contato com alguns leitores sim. Mando livros com dedicatórias pelo correio, converso com aqueles que me mandam mensagens ou fazem a crítica literária de algum livro. Me interessa formar leitores e saber quem me lê. O contato é tão interessante e construtivo. Às vezes, me mostra pontos do livro que nem eu tinha percebido. Espero que essa interação continue com o público mais jovem.

 


Ribeirão preto está prestes a sediar mais uma edição da Feira Internacional do Livro. Já participou do evento? Considera importante a cidade promover ações como essa?

 

A Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto é o maior evento literário da região e traz os maiores escritores da atualidade. Então, não perco o evento e também faço questão de levar meus filhos. Já fui como público e apenas uma vez como escritora (no meu primeiro livro, o ‘Melby’), mas pretendo participar de maneira mais ativa na feira do ano que vem. 

 

Você já participou de outros eventos literários importantes, ao lado de grandes especialistas na arte de escrever. Poderia compartilhar um pouco da sua experiência nesses encontros?

 

A maior vantagem dos eventos literários é a aproximação do público com o escritor e a formação de novos leitores. Apesar de ser um pouco caótico, grande parte dos meus leitores veio desses encontros. Também são nesses eventos que tive a oportunidade de conhecer vários colegas escritores e colaboradores e sempre foi uma grande oportunidade de aprendizado sobre o mercado editorial, processo criativo, vias de publicação, agentes, gráficas, distribuidoras, entre outros.

 

Por falar em formação de novos leitores, poderia compartilhar algumas dicas de seus autores favoritos?

 

É complicado apontar apenas alguns autores favoritos, pois são muitos que me formaram como pessoa. Colocarei Gabriel García Márquez como o primeiro, pois escreveu o que considero ser meu livro preferido, ‘Cem anos de solidão’. Me identifico com a maneira como ele vê o mundo, a imaginação exuberante que entende sobre a vida, o amor e as relações humanas. É um escritor que gosto tanto que o coloquei em meu novo livro. Ian McEwan, autor de ‘Enclausurado’ e ‘A balada de Adam Henry’, também me atrai por ser um autor racional e afiado, que pontua questões de moralidade em seus romances. Clarice Lispector, nem é preciso dizer, tem a destreza genial de entender a alma humana. Há uma leva de autoras nacionais tão boas que merecem ser mencionadas também: Carla Madeira, Aline Bei e Andrea del Fuego. 

Compartilhar: