Uso seguro do canabidiol
A neurologista infantil Marcela Lopes de Almeida afirma que são necessários mais estudos e esclarecimentos sobre o uso do CBD

Uso seguro do canabidiol

A neurologista infantil Marcela Lopes de Almeida explica o funcionamento do composto extraído da Cannabis, os benefícios e os riscos do seu uso

Plantas medicinais têm uma ação farmacológica e auxiliam no tratamento e na cura de doenças. Inclusive, há diversos medicamentos que possuem alguma planta como base. No entanto, uma planta específica ainda é envolta de preconceitos para seu uso medicinal: a Cannabis. Isso porque, além de seus compostos extraídos que podem ser usados em determinados tratamentos médicos, é da Cannabis que vem a maconha.

 

Atualmente, há milhares de pesquisas científicas pelo mundo, inclusive no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), sobre o uso do canabidiol, que é um desses compostos e que não produz efeitos psicoativos.

 

Na semana passada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a restringir o uso terapêutico do canabidiol, determinando que os médicos só poderiam prescrever o medicamento para dois tipos de epilepsia, proibindo o uso do produto para outras doenças. Na última segunda-feira, 25, a medida foi suspensa temporariamente e a autarquia abriu uma consulta pública sobre os critérios para a prescrição do canabidiol. Os interessados têm até 23 de dezembro para acessar o site do CFM e contribuir para a consulta pública.

 

Nesta entrevista, a neurologista infantil Marcela Lopes de Almeida explica o que é canabidiol, o motivo do conselho pretender restringir seu uso e em quais tratamentos o composto tem se mostrado promissor.


O que é o canabidiol e por que ele tem sido tão importante para o tratamento de síndromes e doenças?

O canabidiol, também conhecido pela sigla CBD, é um dos compostos extraídos da conhecida planta Cannabis; citando um caso semelhante, temos a famosa Aspirina, com a sigla AAS, extraída da planta Salgueiro.

 

Não diria que tem sido importante para o tratamento de síndromes e doenças, mas considerando toda sua história, desde sua utilização medicinal até seu uso recreativo, acredito ser necessário compreender melhor sua função, principalmente para a saúde, bem como desmistificar falsas afirmações baseadas em crendices e contos anedóticos. São necessários mais estudos e esclarecimentos para que a população não fique à mercê de ganhos secundários com relação à indústria farmacêutica.

 

O que pode ser tratado através do uso do canabidiol?

Antes de responder a esta pergunta é necessário denominar as terminologias utilizadas. O canabidiol é um dos diversos compostos, como THC, CBN, etc., que atuam no sistema endocanabinóide, e não é sinônimo de “cannabis medicinal”, que seria uma mistura destes compostos em diferentes proporções.

 

O que posso falar sobre o canabidiol puro (o qual consideramos sua concentração até 98% de CBD e apresentando menos que 0,2% de THC), baseado em literatura científica até o momento, é a sua eficácia como tratamento adjuvante (junto com outros medicamentos) em casos de epilepsia refratária, como as denominadas Síndrome de Dravet e Síndrome de Lennox-Gastaut. Sendo muito promissor em outras epilepsias farmacorresistentes, que são assim designadas pelo uso de pelo menos duas drogas antiepilépticas em doses máximas, sem resposta.

 

Quais os principais benefícios da cannabis medicinal que foram comprovados cientificamente?

 

Não há comprovação científica robusta e de grande impacto até o presente momento sobre os benefícios da cannabis medicinal. Por ser um medicamento extremamente variável no seu conteúdo, muitas vezes sem rótulo e sem regulamentação por órgãos capacitados, é muito complexo avaliar e comparar os reais efeitos benéficos e deletérios do seu uso.

 

Porém, há diversos estudos em andamentos e com resultados promissores, podendo abranger diversas síndromes e doenças. As ações terapêuticas que encontram-se em investigação são: efeitos anti-inflamatórios, antiepiléptico, anticancerígeno, antioxidante, ansiolítico e neuroprotetor. Há relatos que sugerem melhora da dor, espasticidade, náuseas e vômitos pós-quimioterapia, distúrbios de movimentos, entre outros.

 

Outra situação que gera um potencial uso destes medicamentos é o baixo risco de efeitos colaterais graves, principalmente em pacientes adultos e sem risco para esquizofrenia. Outro dilema para a execução dos estudos nesta área são as diversas formas de apresentação do produto: cápsulas, óleos, cremes, vaporizáveis, sublingual, retal, transcutâneo e intravenoso.

 

“O preconceito vai de encontro à falta de informações adequadas. O canabidiol, por exemplo, é a parte da cannabis que não apresenta os sintomas tradicionais do uso recreativo”

 

O uso da cannabis medicinal ainda é envolto de preconceitos. Como conscientizar profissionais da saúde e pacientes de que é um medicamento seguro e que seu uso vai além do cunho ideológico?

O preconceito vai de encontro com a falta de informações adequadas. O canabidiol, por exemplo, é a parte da cannabis que não apresenta os sintomas tradicionais do uso recreativo, não gera sintomas prazerosos ou alteração de consciência.

 

Tanto profissionais de saúde como pacientes devem ser conscientizados através de informações de qualidade, isentas de interesses secundários de empresas, laboratórios e afins. É muito importante a difusão de conhecimento e o diálogo entre as partes, para reduzir o preconceito e também as falsas promessas milagrosas.

 

Uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) restringiu o uso terapêutico do canabidiol na semana passada, mas já foi suspensa. De que forma iria impactar na vida de quem depende do medicamento?

 

A resolução do CFM neste momento dificulta o uso off-label das medicações disponíveis, ou por assim dizer, sem base científica e/ou ensaios clínicos; mas, por outro lado, acaba protegendo pacientes do mau uso, visto que muitos efeitos nocivos comprovados são desconhecidos por estes e muitos médicos prescritores.

 

Os pacientes com indicações adequadas não permanecerão sem o medicamento. Em conclusão, a resolução do CFM trouxe o tema à tona novamente, conferindo novas frentes de discussões e debates que, no final das contas, promoverá o engajamento e produção de novas informações a todos os envolvidos. Sendo que, nesta segunda-feira, 24, o próprio CFM revogou a resolução 2.324/2022, que restringia a indicação do uso medicinal do canabidiol (CBD) em sessão plenária extraordinária; tendo início uma nova consulta pública para ampliar as discussões sobre o tema. 


Fotos: Luan Porto/Revide

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