
Viagem e corrida: uma boa combinação
Mais do que eventos esportivos, algumas provas realizadas ao redor do mundo têm se tornado verdadeiras atrações turísticas
Para quem não é atleta profissional, iniciar a prática de uma modalidade esportiva pode ser uma tarefa difícil de encarar. Na maioria das vezes, falta motivação e disposição para deixar os antigos hábitos de lado e seguir uma rotina saudável. Porém, quando essa primeira barreira é vencida, até os mais resistentes costumam se apaixonar pela vida em movimento. Os exercícios físicos — se realizados de forma adequada e regular — proporcionam inúmeros benefícios, tanto para o corpo quanto para a mente dos adeptos: previnem doenças cardiovasculares, reduzem a pressão arterial e o colesterol, auxiliam na perda (e na manutenção) de peso, fortalecem os ossos e os músculos, melhoram o sono e o humor, combatem o estresse, a ansiedade e a depressão, além de aumentar a autoestima e a confiança.
São várias as opções disponíveis, mas uma, em especial, tem conquistado um número expressivo de fãs. A corrida é um esporte democrático. Muitos o consideram viciante, no melhor sentido da palavra. Por ser relativamente fácil de praticar e por possibilitar uma enorme margem para evolução, atrai e agrada pessoas dos mais diversos perfis. Entre o público que acabou se rendendo à atividade — e que sai pelas ruas da cidade em busca de diversão e de superação —, existe uma tendência crescente: a de combinar a corrida com o turismo. A ideia une o útil ao agradável, pois o atleta realiza uma prova diferente, aprimora o desempenho e ainda aproveita para conhecer, ou revisitar, destinos incríveis pelo mundo.
Por conta do alto interesse, esses eventos esportivos se multiplicam em ritmo acelerado. Em vários países, as provas entraram para o calendário oficial e se tornaram verdadeiras atrações turísticas. Há percursos tranquilos e outros desafiadores, com distâncias extensas, médias e curtas, em avenidas famosas, na beira da praia, no calor escaldante do deserto e até no meio de montanhas cobertas de gelo. Praticante de corrida desde 2006, o médico e gestor em saúde Rodrigo de Freitas Nóbrega já vivenciou muitas dessas experiências. “Sempre gostei de fazer esportes. Durante mais de 20 anos, joguei polo aquático. Tive que parar pela dificuldade de conciliar minha agenda de trabalho com os treinos. Adotei, então, a corrida como a minha modalidade oficial. Também sempre adorei viajar. Associar esses dois interesses é algo maravilhoso. Comecei aos poucos, em eventos fora de Ribeirão Preto, mas no Brasil: São Silvestre, Meia Maratona de São Paulo, Meia Maratona do Rio de Janeiro e Volta da Pampulha, em Belo Horizonte, foram alguns deles”, revela o médico.
Cada uma dessas provas ficou devidamente marcada na memória. A São Silvestre, por exemplo, foi a primeira corrida mais longa no currículo. “Percorri 15K pelas ruas da capital. Fiquei emocionado por participar dessa prova, que é tradicional na história do atletismo nacional, principalmente porque ela aconteceu em 31 de dezembro de 2008, dois dias depois de eu ter completado 40 anos”, comenta. Segundo Rodrigo, a Meia Maratona do Rio de Janeiro merece elogios, pois o trajeto é permeado por paisagens fantásticas. Em 2009, destinos internacionais passaram a fazer parte desse repertório. A estreia foi na Meia Maratona de Zagreb, na Croácia, e, a partir daí, ele não parou mais. Correu na Austrália, na Hungria, na Holanda, Itália, na Noruega, nas Ilhas Maurício, no Chile e nos Estados Unidos. “Conseguimos observar os lugares sob uma perspectiva particular, diferente dos demais turistas. A Meia Maratona de Miami é lindíssima, com um caminho que mescla o estilo urbano com uma visão deslumbrante do mar e muita arte. Outro cenário inesquecível é o da Meia Maratona do Sol da Meia Noite. A prova é sediada em uma região bem próxima ao Polo Norte, cercada por belos fiordes nevados”, descreve o atleta.
Outro aspecto importante dessa tendência, para Rodrigo, é o fato de poder compartilhar esses momentos especiais com a família. “Minha esposa e meus filhos me acompanham na maioria dessas viagens. Sempre que possível, a Cláudia corre comigo. A Rebeca, com 11 anos, já participou de alguns eventos específicos e o João, que tem só quatro anos, fez sua primeira prova no início deste ano. Foram 1K e 600m dentro de um dos parques temáticos da Disney, em Orlando. Fico muito feliz por ver que meus filhos estão seguindo meus passos”, confessa. Aproveitando as férias, o médico tirou o tênis da mala e correu a Maratona da Disney. No dia 28 de janeiro, tem inscrição garantida para a Meia Maratona de Miami. Em um universo tão rico quanto o das corridas internacionais, Rodrigo destaca uma que está em seus planos futuros: a El Cruce, que cruza a Cordilheira dos Andes. São mais de 100K, em um percurso que leva três dias para ser concluído.
Algumas das provas já realizadas pelo médico estão na lista de desejos da promotora de justiça Ethel Cipele: a Meia Maratona da Disney e a Meia Maratona do Sol da Meia Noite. “Acrescento nessa relação a Meia Maratona da Havana. Tenho muita vontade de conhecer Cuba e suas praias. A corrida seria a oportunidade perfeita para transformar esse sonho em realidade”, comenta. Desde que ingressou em um projeto criado pela Corpore Ribeirão, em 2008, a atleta — que sempre teve facilidade em jogar esportes com bola, em executar as coreografias do jazz, em fazer musculação e em correr em alta velocidade, mas apresentava falta de resistência para vencer longas distâncias —, começou a progredir na parte de condicionamento físico. Animada com a modalidade, passou a utilizá-la, também, como um motivo extra para sair de Ribeirão Preto e embarcar rumo a algum ponto do globo. Só em 2011, ela correu as meias maratonas de Nova Iorque, em março, de Santiago, em abril, e de Buenos Aires, em setembro, finalizando o calendário com a São Silvestre. No ano seguinte, repetiu as três últimas provas.
Outro destino que fascina Ethel é Paris, na França. “Minha avó paterna é natural de lá, então, essa é uma paixão antiga. Participei da Meia Maratona de Paris, em 2015. Voltei em 2017, para a Corrida Paris/Versalhes. Estendi o passeio por mais duas semanas para conhecer a Normandia e o Vale do Loire. Logicamente, reservei alguns dias para desfrutar dos belos lugares e deliciosos restaurantes da ‘Cidade Luz’. Correr é um desafio pessoal maravilhoso. Cada chegada serve para mostrar, para mim, que sou capaz de vencer obstáculos. Ao cruzar a linha de chegada, independentemente do tempo ou de eventual dor, a satisfação é tamanha que nos faz ter a certeza de que tudo valeu a pena”, declara a promotora. Segundo ela, unir esse sentimento com o prazer de viajar é uma emoção imbatível.
Questionada sobre qual seria a prova favorita, Ethel afirma que não consegue eleger apenas uma. “Em Nova Iorque, corri a zero grau. Na véspera, tive que comprar calça, agasalho e luvas. Mesmo com o frio, o sol apareceu, deixando o dia lindo. Em Santiago, o povo é muito amistoso e acompanha os corredores nas sacadas dos prédios e até nas ruas. Não sei se é em razão da altitude, mas, até hoje, é nessa cidade onde faço meu melhor tempo. A Meia Maratona de Paris é um museu a céu aberto. Agora, sem dúvidas, a prova Paris/Versalhes é uma das mais belas que já fiz. Uma distância agradável (15 K), com um circuito que parte da Torre Eiffel, atravessa um extenso e verdejante bosque e termina com os portões do castelo de Versalhes ao fundo. Simplesmente não dá para escolher”, diverte-se.
Com tanta experiência na bagagem, a atleta dá algumas dicas para quem se interessou pelo assunto. “Pelo menos na primeira vez, recomendo que os aventureiros contem com algum tipo de suporte, seja da própria academia ou de uma empresa especializada. Esse apoio dá mais segurança e ajuda a diminuir a ansiedade diante do desconhecido. A preparação para encarar essa jornada já é exaustiva. Aconselho evitar preocupações adicionais com inscrição, passagens aéreas, locomoção no destino e hospedagem. Essas pessoas traçam uma logística adequada para o evento e, assim, nossa única missão é correr e aproveitar. Em diversas ocasiões, os preços e as condições de pagamento também são melhores. Já em uma segunda oportunidade, fica mais tranquilo ir sozinho”, esclarece Ethel.
Alçando novos voos
Depois de enfrentar uma separação, a psicóloga e professora Ludmila Palucci Puntel teve que ir à luta para reencontrar seu caminho. “Poderia me medicar para não cair em depressão, mas preferi buscar outra saída. Por ter um pai maratonista, esse universo sempre esteve presente na minha vida. Mesmo não sendo uma grande fã da prática esportiva, sonhava em correr. Imaginava o dia em que eu cruzaria a linha de chegada de uma prova só que, na realidade, com a minha segunda filha pequena completando um ano, estava sedentária”, confessa. O relato de uma amiga, no entanto, a fez reavaliar essa situação. “Ela me contou que, após sofrer certos problemas de saúde, a corrida foi determinante no processo de recuperação. Notando meu entusiasmo com a história, indicou um educador físico”, recorda. Em 2013, a vontade de mudar o rumo foi colocada em prática e Ludmila tomou gosto pela atividade.
Idealizou o Ludsrun (grupo de amigos que se reúnem para correr e desenvolver ações sociais), organizou uma corrida na cidade — a Run4kids —, tornou-se locutora de alguns eventos voltados à modalidade e, em quatro anos de treinos, conseguiu concluir a Meia Maratona do Rio de Janeiro. “Não evoluí somente no esporte. Evoluí como pessoa. Resgatei minha autoestima e confiança. Levo a vida mais centrada, leve e animada”, comenta a corredora. Ao todo, foram 53 provas oficiais até hoje, incluindo a Volta da Pampulha e a São Silvestre. Em 2015, alçou novos voos e partiu para o Chile para participar da Maratona de Santiago, onde correu a prova de 10K. “Foi a minha primeira experiência internacional e fiquei encantada com a hospitalidade dos chilenos. Eles adoram a corrida. As ruas lotam, as pessoas aplaudem, chamam você pelo nome e oferecem água. É uma prova muito alegre”, resume a psicóloga. O próximo sonho a ser desbravado é: correr uma maratona na Europa.
Treinamento com orientação
Segundo Gustavo Gironi, educador físico e diretor da Corpore Ribeirão, a orientação de um especialista é sempre recomendada, tanto para iniciantes quanto para intermediários, e até mesmo para quem busca uma performance de alto rendimento. O profissional indica os parâmetros da prática, definindo um planejamento de acordo com o perfil físico e com o nível de condicionamento do corredor. Sem esse acompanhamento para mensurar a intensidade e a periodização dos treinos, muitas vezes, o exercício acaba sendo executado de maneira equivocada, o que pode desencadear lesões musculares e articulares. A preparação é reforçada e ajustada para atender às exigências do percurso em termos de distância e de complexidade. Quando essa etapa é devidamente cumprida, nas 48h que antecedem a prova, o corredor deve se atentar à hidratação e à alimentação. “O cuidado com esses fatores é essencial para não comprometer o desempenho do atleta”, pontua. Gustavo enxerga essa tendência, de associar turismo e esporte, de forma muito positiva. Com vários grupos de corrida em atividade, a Corpore Ribeirão, inclusive, ajuda os alunos a organizarem esse tipo de passeio. “Conhecer destinos diferentes é sempre uma motivação a mais para encarar novos desafios”, finaliza o especialista.
Fique atento
Verifique se no país escolhido como destino final o visto é obrigatório para brasileiros. Para entrar na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos e na China, entre outras nações, essa autorização deve ser solicitada previamente. Além disso, é necessário se certificar de que os países de trânsito — aqueles em que a viagem faz eventuais escalas — pedem ou não o visto de turista. A relação pode ser conferida no site: www.itamaraty.gov.br.
É sempre recomendado ter em mãos, juntamente com os documentos — como o passaporte —, cópias das reservas do hotel e da passagem de retorno.
Alguns locais também exigem que o visitante tome vacinas específicas, como a da Febre Amarela. Certas provas exigem, ainda, um atestado médico do corredor, que deve ser exibido no momento da retirada do kit. Essa informação, normalmente, está disponível no site da prova, com um modelo de atestado para ser preenchido.
Contrate um seguro viagem é indicado em qualquer ocasião.
Evite fazer turismo antes da prova. Uma caminhada longa, mesmo que em ritmo de passeio, pode comprometer o desempenho do atleta.
Programe-se
Quem gosta de correr pelo mundo sabe que o desafio começa muito antes da largada e, para ser bem-sucedido, o planejamento é fundamental. Estar antenado com esse universo e selecionar as provas a serem disputadas com antecedência faz toda a diferença, não só no cronograma de treinos, mas na organização da viagem em si, ainda mais se for para o exterior: dá tempo de agendar as férias no trabalho, de montar uma programação para curtir o destino, de se estruturar financeiramente e de aproveitar possíveis promoções de passagens aéreas ou de hotéis, por exemplo. Informações sobre o percurso estipulado e sobre a cidade em si, como clima, altitude, fuso horário, gastronomia e costumes também precisam ser levadas em conta. A seguir, confira as datas de algumas das principais provas que permeiam os sonhos de muitos atletas:
4 de março: Meia Maratona de Paris.
16 de abril: Maratona de Boston.
19 de maio: Maratona da Grande Muralha da China.
23 de junho: Maratona Big Five (África do Sul).
26 de agosto: Meia Maratona de Buenos Aires.
16 de setembro: Maratona de Berlim.
21 de outubro: Maratona de Amsterdam.
4 de novembro: Maratona do Porto.
Texto: Paula Zuliani