Vida longa aos “bolachões”

Vida longa aos “bolachões”

Venda de discos de vinil ultrapassa a de CDs pela primeira vez desde 1987

Eu acho que a minha geração é uma geração que gosta de pegar o álbum na mão, olhar o encarte, ler a ficha técnica, enfim, ter a experiência completa do consumo da música. É como se ouvir música lendo o encarte, vendo as fotos e a capa do álbum nos desse uma outra dimensão musical daquela obra. Nesse aspecto, o disco de vinil é uma diversão sem fim”. O relato é do advogado, músico e produtor musical Evandro Grili, colecionador e um confesso admirador dos discos de vinil, cujas vendas, recentemente, ultrapassaram as de CDs pela primeira vez desde 1987. Dados da Associação Americana da Indústria de Gravação revelam que, em 2022, foram vendidos mais de 41 milhões de discos de vinil, contra 33 milhões de CDs. 

 


Para os admiradores dos “bolachões”, como são carinhosamente chamados, não há substituto para as nuances e a sonoridade única proporcionada pela agulha que percorre as ranhuras de um vinil. Até mesmo o chiado, que foi praticamente eliminado com o surgimento dos então modernos CDs, tem lá o seu charme. “O vinil é uma maneira de você desacelerar, de conhecer verdadeiramente o álbum por inteiro, as bandas e os artistas que pensaram nas músicas para serem ouvidas na ordem das faixas. Você tem que ouvir o disco todo e, depois, virar o lado. Tem toda uma experiência sonora do Lado A lado B”, destaca Freddy Batista, administrador de empresas, produtor cultural, DJ e colecionador. 

 


Vale ressaltar que a qualidade sonora de um vinil vai depender não apenas da idade e do estado de conservação do disco, mas também do aparelho onde ele é tocado. Há toca-discos (ou vitrolas) mais antigos e mais modernos, equipamentos de som de alta performance que proporcionam uma sonoridade muito próxima a dos CDS e streamings. 

 

 

Amor antigo

 


A história de amor de Evandro Grili com os discos de vinil começou nos anos 70, com os pais levando discos para casa. “Minha coleção foi criada praticamente desde que eu nasci. Se você me perguntar qual era o meu brinquedo preferido na infância, eu vou te dizer que era uma vitrolinha Philips cinza e azul, bem simples e pequena. Ela é, seguramente, a minha primeira lembrança de um eletroeletrônico na vida”, conta o advogado. A coleção é, hoje, composta por uma mistura de gêneros musicais, do samba ao rock, passando pelo pop nacional e internacional, mas, o item preferido de Evandro é uma caixa com a discografia completa dos Beatles, adquirida em Liverpool, na Inglaterra, cidade onde a banda se formou nos anos 60. “Já a ouvi inteira algumas vezes e não me canso de ouvir novamente. A primeira vez fui cuidadoso e ouvi os discos na ordem de lançamento, para tentar experimentar a evolução da música dos Beatles, desde que surgiram, até quando encerram as atividades na banda. Essa é, seguramente, a ‘joia da coroa’ da minha coleção”, revela. 

 


Entre as aquisições mais recentes estão álbuns de Bruno Mars, Coldplay, Jason Mraz e John Mayer. Grili costuma comprar vinis pela internet e em viagens ao exterior. “É impressionante a qualidade de álbuns que são lançados lá fora. A sonoridade é de altíssimo nível”, frisa.

 

 

Som compartilhado

 


Em suas apresentações como DJ, Freddy Batista reserva um espaço para os discos de vinil, dependendo do set list escolhido. “Levo sempre músicas de qualidade, apresentando novos sons, perdidos ou esquecidos, para as pessoas terem a melhor experiência sonora possível”, conta. Freddy é dono de um acervo com mais de 10 mil itens, entre “bolachões”, CDs, DVDs, livros e artigos relacionados à música, mas, os vinis são sua grande paixão, colecionados desde os anos 80, com o primeiro LP, da banda brasileira Camisa de Venus, autografado. 

 


Na década seguinte, com a popularização dos CDs e muita gente se desfazendo dos vinis, Freddy aproveitou para aumentar a coleção que, hoje, tem de tudo um pouco, especialmente rock, jazz, blues, trilhas de filmes e música brasileira, discos clássicos, raridades, box especiais e edições limitadas. “Tem muitos discos que ainda procuro, como edições raras de bandas dos anos 70, que lançaram apenas um disco, ou mesmo de lançamentos com poucas cópias que sumiram do mercado como, por exemplo, Bridges do Babylon, de 1997, dos Rolling Stones. Foram lançadas poucas cópias. Tenho em CD, mas ainda procuro o vinil original”, revela.

 


Para Freddy, o vinil não desapareceu totalmente graças ao mercado de antiguidades, sebos, colecionadores e feiras como a que ele realiza em Ribeirão Preto. A Feira do Vinil surgiu em 2015 e, desde então, já foram mais de 30 edições itinerantes. A próxima edição, segundo o empresário, está prevista para maio, com expositores de todo o Estado. Quem certamente deve marcar presença é Tony Elvis, proprietário de um dos sebos musicais mais famosos da cidade, o The Pelvis, localizado na região do Centro.

 


Fã de Elvis Presley, de quem empresta o sobrenome artístico, Tony coleciona discos, filmes, quadros e itens do ídolo do rock há mais de 55 anos, mas, a loja tem de tudo e é, por si só, uma atração cultural. São mais de 10 mil produtos, especialmente discos de vinil, de todos os estilos musicais. Os campeões de venda, segundo Tony, são os discos de rock. “Quando tem show em Ribeirão Preto, principalmente de bandas internacionais como Scorpions, Deep Purple, Sepultura e tantos outros, o movimento da loja aumenta e as vendas disparam”, conta. Para ele, o disco de vinil tem seu espaço e seu valor e, portanto, deve ser apreciado e não apenas ouvido distraidamente. “Há todo um ritual para ouvir cada nota, cada acorde, cada som e, assim, aproveitar a música”, ensina. 


Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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