Violação de conduta
Segundo a denúncia do MP, os advogados realizavam captação de clientes e abriam processos considerados ilegais

Violação de conduta

Supostas fraudes em processos judiciais apurados pela Operação Têmis, em Ribeirão Preto, ultrapassariam os R$ 100 milhões; ação do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil resultou na prisão de

O Ministério Público Estadual (MPE) e a Polícia Civil de Ribeirão Preto deflagraram, na quinta-feira, dia 11 de janeiro, a Operação Têmis (deusa da Justiça), que investiga fraudes em processos judiciais. Foram expedidos sete mandados de prisão preventiva e 13 ordenações de busca e apreensão. Os suspeitos são quatro advogados do escritório Lodoli, Caropreso, Bazo & Vidal Sociedade, o proprietário da associação “Eu vou trabalhar” e um funcionário do mesmo local, além do proprietário da associação “Pode Mais, Limpe Seu Nome”. Ao todo, seriam mais de 53 mil ações fraudulentas ajuizadas pelos quatro advogados e os valores ilegalmente recebidos podem ultrapassar os R$ 100 milhões.

Os sócios do escritório Lodoli, Caropreso, Bazo & Vidal Sociedade, Renato Rosin Vidal, Klaus Philipp Lodoli e Ângelo Luiz Feijó Bazo, foram presos e encaminhados ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de Ribeirão Preto, assim como Ramzy Khuri da Silveira, proprietário da associação “Pode Mais, Limpe Seu Nome” e Luiz Felipe Naves Lima, funcionário da associação “Eu vou trabalhar”. Gustavo Caropreso Soares de Oliveira, outro sócio do escritório Lodoli, Caropreso, Bazo & Vidal Sociedade, estava fora do país no dia em que a operação foi deflagrada e se entregou à Polícia na segunda-feira, dia 15, três dias depois. Na mesma data, Ruy Rodrigues Neto, proprietário da associação “Eu vou Trabalhar”, também se apresentou. Os dois foram encaminhados ao CDP. Todos estão presos preventivamente até a conclusão das investigações.

O crime
Segundo a denúncia do MPE, os advogados realizavam captação de clientes e abriam processos ilegais nos nomes de cada um deles sem o conhecimento das vítimas, buscando, principalmente, a obtenção de lucro com honorários. Além disso, os advogados também propunham ações em nomes de homônimos dessas vítimas, a fim de receber valores depositados em cadernetas de poupança decorrentes dos Planos Verão, Collor e Bresser. Por conta disso, os envolvidos são acusados de organização criminosa, estelionato, falsidade ideológica, fraude processual e quebra de sigilo bancário.
A captação dos clientes seria feita por meio das associações que procuravam as vítimas e prometiam a elas limpeza de nome e remoção do registro nos serviços de proteção ao crédito em três meses. O nome do vereador Isaac Antunes (PR) foi citado, em razão de um movimento em que participou, o “Muda Ribeirão”, ter sido citado como integrante da prática.

De acordo com as investigações, as vítimas assinavam papéis em branco, que depois eram preenchidos como procuração e declaração de pobreza. Esses documentos eram passados aos advogados, que ajuizavam ações cautelares de exibição de documentos, ações de conhecimento pedindo indenização por danos morais e expurgos inflacionários de planos econômicos. Os supostos requerentes e autores dos processos desconheciam o ajuizamento das ações ou sequer tinham contato com os defensores.

Os advogados também conseguiram uma relação de contas que possuíam saldo credor em cadernetas de poupança à época dos planos econômicos e procuravam na relação por homônimos das pessoas que assinaram os documentos fraudados. Por não conter RG e nem o CPF nos extratos dessas contas, não era possível identificar o real titular da conta. Dessa forma, apenas em posse da procuração assinada pelas vítimas homônimas, era possível ajuizar ações de liquidação e execução dos créditos referentes aos expurgos inflacionários daquele período.

Conforme a denúncia, depois que a Polícia Civil e o Ministério Público iniciaram a investigação e descobriram que as vítimas tinham os nomes utilizados indevidamente nas ações, os advogados passaram a entrar com pedidos de danos morais em nome dessas vítimas que, inicialmente, estavam sendo enganadas pelos próprios advogados. Além disso, os profissionais utilizavam táticas para dificultar as consultas pelos bancos e pelas vítimas e ninguém conseguia verificar as informações a respeito de cada processo. Para isso, os advogados colocavam as ações em segredo de Justiça com a justificativa de que continham informações confidenciais das vítimas, como os valores dos extratos bancários. Para que as vítimas não recebessem correspondências judiciais, os advogados também usavam o endereço das associações que captavam os clientes como sendo a do autor do projeto.

Diego Alvim Cardoso, advogado que representa os acusados, diz que classifica as prisões como “excessivas”. “Não tem crime. Todos os atos praticados pelo escritório são lícitos”, afirma. Ainda segundo Alvim, a denúncia do MPE já havia sido feita anteriormente e arquivada, uma vez que, segundo ele, foi constatado que as movimentações realizadas estavam de acordo com as atividades prestadas por cada profissional. “A investigação já havia sido arquivada em setembro de 2017”, revela Cardoso. O advogado Guilherme Rodrigues da Silva, que defende Ramzy Khury da Silveira, aponta que o processo ainda está sendo avaliado pela defesa, e que, após isso, poderá dar um posicionamento sobre o caso.

Consequências
De acordo com o coordenador de Direito e Prerrogativa da Ordem dos Advogados do Brasil em Ribeirão Preto (OAB), José Augusto Aparecido Ferraz, é ressalvado o principio da inocência, mas, se as denúncias forem confirmadas, o caso será protocolado na Comissão de Ética e Disciplina e o responsável instaurará um processo de apuração, que pode acarretar em advertência ou até exclusão dos profissionais dos quadros da ordem. “A OAB apurará realmente se houve ou não qualquer ato que possa ser considerado antiético”, reforça Ferraz.

Todas as ações propostas pelos advogados foram suspensas e os supostos autores têm sido questionados sobre o conhecimento, ou não, das proposituras para confirmarem a autenticidade das procurações e documentos associados ao processo. Foram 25.075 ações distribuídas por Vidal, 15.983 por Oliveira, 10.401 por Lodoli e 1.931 por Bazo, totalizando 53.390 ações. “O objetivo é evitar prejuízos vultosos e irreparáveis aos bancos e outras empresas, pois muitas ações estão lastreadas em documentos falsos”, explica o juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto, Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira.

Suspeitas na política
Embora a Operação Têmis investigue diretamente a associação e os advogados envolvidos, o nome do vereador Isaac Antunes (PR) foi citado no esquema, em função do movimento “Muda Ribeirão”, do qual participou. O projeto teria captado nomes de pessoas interessadas em limpar o nome, que, depois, foram utilizados pelos investigados nas supostas ações fraudadas.

O promotor Aroldo Costa Filho, afirma que Antunes teria se beneficiado eleitoralmente com o programa. Ele espera que a Justiça Eleitoral avalie a situação para que seja instaurado algum procedimento. Na última sexta-feira, 12 de janeiro, foram encaminhados ofícios para a Justiça Eleitoral e para a Câmara Municipal, com cópia dos depoimentos colhidos e a representação que o Ministério Público recebeu contra Isaac Antunes.

O promotor explica que o Ministério Público recebeu, antes das eleições de 2016, uma representação que denunciava o vereador por uso da estrutura do escritório dos advogados investigados na operação para se promover e conseguir votos. “Várias dessas pessoas dizem que nunca receberam contato de ninguém do projeto do vereador ou do escritório de advogado e que desconheciam as várias ações judiciais propostas no nome delas. Elas afirmam que os nomes continuam sujos”, declara o promotor. Ele frisa, ainda, acreditar que o vereador tenha se beneficiado recebendo votos de muitas dessas pessoas que acreditavam que seus nomes seriam limpos.

A reportagem conversou com uma mulher que se interessou em limpar o nome por meio do programa. Preferindo não revelar a identidade, ela afirmou que achou muito fácil o procedimento que a informaram ser utilizado para limpar o nome e, por isso, desistiu. “Disseram que precisava levar RG e CPF e que, após um período de 30 dias, o nome seria limpo. Aí, questionei o motivo de ser tão simples assim, pedi mais informações e não me deram mais atenção”, afirma a mulher.

A contestação do vereador
Issac Antunes rebate as afirmações levantadas pelo promotor. Em comunicado, afirmou que não possui qualquer vínculo com os escritórios e que ocorreu um “grande equívoco”. De acordo com o vereador, o movimento do qual ele participou junto de outras pessoas foi confundido com uma associação que seria utilizada para atrair credores que buscavam a limpeza do nome.

Segundo o parlamentar, o “Muda Ribeirão”, ação da qual ele fazia parte, teve início com o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “O meu nome não apareceu em uma linha sequer e não é citado em nenhum momento na decisão do juiz. Meu nome foi falado muito mais do que os acusados. Isso é estranho. Fui colocado como acusado, o que é mentira”, declara Antunes, que também nega a possibilidade de crime eleitoral, levantada em razão de votos recebidos pela promessa de limpeza de nome de supostas vítimas.

 

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