Vocação para ajudar

Vocação para ajudar

Jair Beloube acredita no poder do trabalho e de iniciativas positivas para transformar vidas, oferecendo novas oportunidades e cidadania àqueles, que, desde pequenos, não têm acesso a bens e serviços

“O poder público poderia e deveria realizar muito mais do que faz”, ressalta JairExemplo de perseverança, trabalho e dedicação ao próximo, o ribeirãopretano Jair Beloube, desde muito jovem, tem a filantropia muito próxima da sua vida. Casado com Regina, encontrou no alicerce familiar a força e o incentivo para ir ainda mais além. Formado em Letras nas disciplinas de Inglês e Português, o pai de Gustavo, Fernanda e Marcos, e avô de Leonardo, Eduardo, Mariana e Benício, acabou não exercendo a profissão de professor. Junto com o curso, na faculdade, começou a trabalhar com vendas de medicamentos, tomou gosto e atuou nesse segmento por muitos anos.

Hoje, mesmo aposentado, continua com uma vida ativa de trabalho. É administrador da Rede Drogaria Total, uma rede de farmácias montada no modelo associativista, que tem, atualmente, 400 lojas em 245 cidades no estado de São Paulo. Paralelamente, assumiu a presidência da Alvorada Associação Amigos de Boa Vontade — também conhecida como Creche Alvorada —, uma instituição localizada no Jardim do Trevo, que desenvolve projetos diversificados para 120 menores, com idades entre seis e 16 anos.

Com seis anos de atividades, em 2017, a Creche Alvorada ficou entre as 100 melhores instituições do país nos quesitos gestão e transparência, analisados pelo Instituto Doar e pela revista Época. 

Com orçamento mensal de aproximadamente R$ 30 mil, sem patrocínio a casa corre o risco de ter as dificuldades aumentadas em 2018, tendo que reduzir algumas atividades, como foi o caso da Orquestra Jovem Alvorada, que ficou paralisada por mais de um ano por falta de verba. Atualmente, o projeto conta com o apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC), mas, para retomar as atividades, teve que ser readequado, reduzindo o número de atendimentos. 

Revide: O que o aproximou da filantropia? 
Jair:
Eu acredito que a filantropia precisa estar no DNA da pessoa, é algo muito pessoal. Graças a Deus, sempre tive essa vocação para ajudar as pessoas, então, de uma forma ou de outra, estive ligado a algum tipo de ajuda em entidades. Isso sempre fez parte da minha vida. Já aconteceu de pessoas virem conhecer a Creche Alvorada, ficarem emocionadas e se encantarem com tudo que presenciam. Aí, prometem toda a ajuda do mundo, vão embora, a emoção diminui, o encanto acaba e a ajuda nunca vem. Estes não têm DNA de filantropia.

Como consegue conciliar solidariedade e a gestão da rede de drogarias?
Não é uma tarefa fácil. É mais ou menos como diz o ditado: “enquanto descanso, carrego pedras”. Vou contar uma história interessante. Certa vez, perguntaram a um sábio como ele escolheria, em um grupo de pessoas, alguém para desempenhar uma tarefa difícil. O sábio respondeu: “dê a tarefa para a pessoa que estiver mais sobrecarregada. Ela, com certeza, arranjará um jeito e tempo para realizar mais uma atribuição. Se der para alguém que está sem o que fazer, ela certamente achará mil razões para não fazer essa também”. Como sempre tive isso na cabeça, talvez seja a motivação para conciliar as duas ocupações. Não é fácil, mas, com certeza, é possível.

Na maioria das cidades, o terceiro setor já assumiu papel essencial em áreas em que o estado deixou de realizar. O senhor acredita que o poder público deveria ter maior responsabilidade e participação junto a essas instituições?
Sem dúvida, o poder público poderia e deveria fazer muito mais do que faz, mas, na realidade, isso nunca me preocupou a ponto de me fazer desistir de realizar alguma ação em favor de outras pessoas. Eu penso que, se posso, arregaço as mangas e faço. Prefiro não ficar esperando o poder público, nem ficar criticando. Com certeza, isso pouco adiantaria. No Brasil, temos, hoje, cerca de 300 mil Organizações Não Governamentais (ONGs). Por esse número, é possível imaginar que tenha muito mais gente que pensa como eu.

De que forma isso poderia ser fortalecido?
É uma grande pena que a maioria dos municípios brasileiros esteja com dificuldades financeiras. Nem sempre existe uma política forte, direcionada, organizada, que favoreça as pessoas carentes e as entidades que delas cuidam. O exemplo que mais me seduz quanto ao modo de tratar pessoas carentes é o Hospital de Amor de Barretos, ex-Hospital de Câncer. É uma unidade que só atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e que oferece o que há de melhor e mais moderno na área de oncologia, além de tratar as pessoas mais humildes que lá frequentam, com todo respeito, amor e muito carinho. Sem dúvida, um exemplo a ser seguido.

Quando começou seu envolvimento com a Creche Alvorada?
Essa é uma história muito interessante. Há mais ou menos nove anos, eu e minha esposa Regina fomos a um churrasco na casa de um amigo e lá estava o também amigo Renato D’Aloia, que nos apresentou um projeto que tinha em mente, um velho sonho seu. A ideia era pegar um prédio em ruínas que existia no Jardim do Trevo, na rua Alfredo Baldo, 41, e transformá-lo em uma creche. Fiquei curioso com a proposta e pedi para olhar o espaço de perto. Fiquei impressionado quando conheci o lugar e mais chocado fiquei quando imaginei como seria transformar aquilo numa creche. Perguntei ao Renato se ele não estaria ficando maluco, se tinha certeza de que queria mesmo fazer aquilo e se estava ciente da responsabilidade que teríamos se conseguíssemos mesmo montar essa creche. Reforcei que teríamos uma responsabilidade para sempre com essa comunidade.   Ele respondeu que tinha certeza do que estava falando e sabia da responsabilidade que teria. Pronto! Falou forte o DNA da filantropia e lá fui eu sonhar junto com o Renato. Deu no que deu. Aqui estou como presidente da Creche Alvorada, graças a Deus.

Relativamente nova na sua atuação, a entidade trabalha em que áreas?
Prestamos serviço de convivência e  de fortalecimento de vínculos às crianças e adolescentes dos seis aos 16 anos. As atividades se fundamentam, no trabalho em grupo, respeitando  a faixa etária e o desenvolvimento dos atendidos. São várias oficinas como artesanato, informática, cidadania, judô, capoeira, dança, música, circo e teatro. Para os adolescentes, há um trabalho de preparação para o mercado de trabalho, o Grupo de Oportunidades para o Trabalho (GDOT).

Quais foram seus principais desafios à frente da instituição e os avanços obtidos?
Pegamos uma população de crianças e adolescentes carentes de tudo, inclusive de oportunidades. Eles não tinham muito o que fazer durante o dia, então, era comum que ficassem pelas ruas sem ocupação. Na realidade, sem expectativa nenhuma de futuro. Hoje, eles estão plenamente engajados nas atividades da Creche. Temos alguns que participam de quase todas as oficinas. Temos judocas participando com destaque de torneios de judô a nível estadual; temos meninos e meninas jogando capoeira com muita categoria; alguns craques em números de circo; outros produzindo peças muito interessantes em artesanato. Alguns deles já encaminhamos para o trabalho, outros estão aprendendo a tocar algum instrumento musical, mas, em comum, todos aprendem um pouco de cidadania. Desta forma, podemos afirmar que temos uma comunidade transformada para melhor. 

Quais foram os principais fatores que levaram ao reconhecimento da Alvorada entre as 100 melhores ONGs do Brasil, em 2017?
Boa gestão e transparência absoluta em tudo que fazemos.

A gestão transparente e a profissionalização da instituição contribuem para este resultado?
Não tenho a menor dúvida. Temos um grupo de diretores muito pequeno, mas extremamente comprometido, e nossos funcionários fazem a diferença positiva. Temos, hoje, um total de dez colaboradores, sendo uma coordenadora, uma assistente social, uma psicóloga, três educadores, duas cozinheiras, duas pessoas que cuidam da limpeza e já estamos contratando mais uma pessoa para serviços gerais em apoio ao trabalho da coordenadora.

O reconhecimento nacional trouxe maior visibilidade e, de certa forma, atraiu novos colabores à instituição?
Infelizmente, não. Quando estivemos eu e o Renato em São Paulo, no evento da Revista Época, para recebermos um troféu por estarmos entre as 100 melhores ONGs do Brasil, tivemos uma expectativa positiva muito grande. Afinal, esse evento teve como principal objetivo mostrar à sociedade quem são essas organizações onde as pessoas físicas ou jurídicas podem fazer doações sem receio, porque a gestão é séria e transparente. Embora com toda essa propaganda, não tivemos sequer uma empresa ou mesmo pessoa física que nos procurasse para ajudar. Quem sabe daqui para frente aconteça algo positivo nesse sentido.

Além dos colaboradores, a Creche também capta recursos públicos? Quais?
Nós temos amigos colaboradores importantíssimos, tanto pessoas jurídicas quanto físicas, que, com sua ajuda, nos permitem levar em frente, com sucesso, a gestão da Creche Alvorada. Temos também ajuda primordial da Prefeitura de Ribeirão Preto, através do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA). Aliás, está aí um órgão público que funciona bem. A partir de 2018, passaremos a receber também verbas da Secretaria Municipal da Assistência Social (Semas). Além disso, conseguimos algumas arrecadações através das leis de incentivo fiscal, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Programa de Ação Cultural (ProAC). 
 
Elaborar projetos exige clareza nos objetivos, atividades e métodos de trabalho. De que forma a Alvorada se preparou para isso?
Esse é outro segredo de sucesso da Creche. Contamos com uma pessoa especializada em elaborar e acompanhar projetos, tanto para órgãos públicos quanto para empresas privadas. Além disso, temos toda a documentação exigida para associações e tudo muito atualizado e organizado, tanto é que já ganhamos vários prêmios, tais como do Banco do Brasil, do Itau-Unicef e da revista Época. Tudo é fruto de um trabalho muito organizado e eficiente.

O sistema ainda é muito burocrático e dificultoso?
Sem dúvida, ele ainda é muito burocrático, mas não sou contra. Num país corrupto como o Brasil, se o estado afrouxar as regras e a fiscalização, com certeza, a roubalheira e a desonestidade dominarão com toda força. Nesse caso, acredito que a rigidez da burocracia seja um mal necessário.

Em relação ao repasse do Imposto de Renda (IR) devido, hoje, o percentual enviado às ONGs ou ao Conselho da Criança ainda é muito baixo. De que forma isso poderia mudar?
Essa é outra situação lamentável. O repasse do IR passado às entidades ainda é irrisório, muito pequeno mesmo. Isso acontece, principalmente, pela desinformação ou pelo medo que as pessoas ou empresas têm de mexer com o tributo. Isso poderia mudar radicalmente se as pessoas se conscientizassem como funciona o processo. É preciso que todos saibam que o valor a ser doado será tirado do imposto a pagar, ou seja, se ele não for doado, o pagamento será integral para o estado. Se houver doação, esse valor será descontado do montante a ser pago ao estado, ou seja, a pessoa física ou jurídica doa sem tirar nenhum valor do próprio bolso. O percentual que pode ser repassado é de 1% para as pessoas jurídicas e de 6% para as físicas. A Creche Alvorada está preparada para informar a todos que queiram colaborar com esse repasse do Imposto. Temos, inclusive, uma pessoa especializada nesse assunto que pode visitar as empresas, para ensinar como fazer o repasse. Quem se interessar pode ligar nos números (16) 3617.0919 ou 99745.6498 e falar com a Camila. Lembramos, ainda, que as empresas podem doar através do ICMS, que também tem um índice muito baixo de repasse.

Ao lado das crianças da Creche, Jair revigora as energias para enfrentar os desafios diários

Quais as principais necessidades da Alvorada?

Não temos necessidades específicas. Temos um custo operacional mensal perto de R$ 30.000,00, visto, principalmente, que, em 2018, passaremos a ter 11 funcionários, todos devidamente registrados e com todos os encargos a que têm direito. Estamos sempre com a sacolinha na mão, portanto, toda e qualquer ajuda é muito bem-vinda.

De que forma as empresas, pessoas físicas e jurídicas podem colaborar?
Como já disse, toda e qualquer ajuda para nós é muito importante, porém temos formas específicas para pessoas jurídicas ou físicas colaborarem, além de repasses de impostos, é claro, e os nossos eventos. No decorrer do ano, realizamos quatro pizzadas, fazemos 1.100 pizzas em cada uma delas e todos podem nos ajudar comprando essa delícia que custa R$ 23,00 cada uma. Teremos em fevereiro, abril, agosto e dezembro. Em junho, também realizamos a Queima do Alho, em que as empresas podem nos ajudar com uma cota de patrocínio de R$ 2.500,00 divididos em cinco parcelas de R$ 500,00. Além disso, toda comunidade pode colaborar comprando convite, que custará R$ 60,00 por pessoa. Para esse evento em especial, preparamos mil convites. Temos, ainda, o jantar dançante, realizado em outubro, em que todas as pessoas também poderão ajudar participando do evento. 



Texto: Rose Rubini
Fotos: Júlio Sian

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