Zeladoria urbana

Zeladoria urbana

O cuidado com as praças, ruas e espaços públicos de Ribeirão Preto representa um desafio constante para a administração pública

* A revista Revide produziu uma série de reportagens especiais sobre os principais gargalos de Ribeirão Preto. São problemas que a população encara todos os dias e representam desafios a serem vencidos pela administração pública

 

Não é preciso ir muito além do coração da cidade para perceber a dificuldade da administração pública em manter Ribeirão Preto bem cuidada. Ainda no Centro, a situação da histórica Praça Sete de Setembro revela um contraste que se reproduz em muitas outras praças e parques. De um lado, a natureza, refletida em árvores imponentes e plantas que cumprem seu papel de criar um ambiente agradável para todos. De outro, a desagradável deterioração dos locais, por falta de manutenção ou mau uso. 

 


A limpeza até acontece. Pelo menos nas três praças visitadas logo nas primeiras horas do dia pela reportagem, havia sempre um representante da equipe de limpeza recolhendo folhas e tirando lixo. Por outro lado, bancos quebrados, lixeiras sem fundo, pisos irregulares, falta de iluminação e pichações são comuns nestes locais. Um contraste que gera insegurança e insatisfação, dificultando ou mesmo inviabilizando o uso pela população. Em uma ponta do problema está a cidadania — ou a falta dela —, na outra, a Matemática.

 


Do orçamento de R$ 131 milhões que a Secretaria Municipal da Infraestrutura possui para cumprir suas atribuições com eficiência, R$ 65 milhões vão para o Departamento de Limpeza Urbana, responsável por toda a parte de coleta de lixo, poda de árvores, roçadas de avenidas, praças e parques. E quando se pensa em 3,4 milhões de metros quadrados de canteiros de avenidas, ruas e rotatórias, além de 247 praças e sete parques urbanizados ou semi-urbanizados precisando de roçada mecânica ou manual, a equipe estimada de 600 funcionários de empresas terceirizadas parece pequena para dar conta do recado.

 


Outros R$ 38 milhões são alocados na área administrativa, que engloba recursos humanos, manutenção da frota da prefeitura, combustível, entre outros. “São aproximadamente 200 funcionários que trabalham na parte administrativa e de serviços externos de zeladoria e manutenção dos próprios públicos municipais. Os grandes serviços são realizados com contrato da prefeitura e praticamente todos da zeladoria são feitos com terceirizadas. Desde de vigilância de parques, cemitérios, como toda a parte de limpeza, poda de árvores, roçadas. As equipes próprias da secretaria atuam complementando esses trabalhos”, explica o secretário de Infraestrutura Carlos Eduardo Nascimento Alencastre.

 


Com uma fatia menor do bolo, e muitas demandas, o Departamento de Manutenção dos Próprios Públicos recebe R$ 28 milhões para cuidar da parte de drenagem, limpeza de boca de lobos, galerias, operação tapa-buracos, administração dos cemitérios, manutenção de estradas e iluminação de praças e parques. Para este problema inclusive — o da falta de iluminação pública em muitos pontos da cidade —, que além do desconforto gera insegurança, a Prefeitura afirma ter feito um levantamento desses pontos escuros e que estaria desenvolvendo projetos para colocação de luminárias. Segundo a Secretaria, há solicitações prontas para cobrir o problema em vias públicas, enquanto não é finalizado o projeto de Parceria Público-Privada (PPP) para modernização do parque de iluminação pública, que deve ficar pronto no próximo ano. Apoiado pelo Banco Mundial, esse projeto tem como objetivo expandir e melhorar a eficiência energética, operação e manutenção da rede municipal de iluminação pública em Ribeirão Preto, foi lançado em dezembro de 2021 e tem previsão de sair do papel no início de 2023. Em relação aos parques e praças, a deficiência estaria associada aos constantes furtos de fios, que deixam esses locais às escuras e, embora não tenha fornecido a lista completa, a secretaria garante que mais de 30 praças e parques já foram atendidos.

 

 

A MESMA PRAÇA...

 


A Armindo Paioni, situada no Boulevard, não está entre as sortudas. Ali falta energia há mais de dois anos, segundo Adriana Amaral, que cresceu utilizando a área e se recente de vê-la na situação em que está. “A última vez levaram até o relógio da praça. Já teve gente da prefeitura avaliando para mudar a iluminação e parar com esse furto de fios e reatores, sei existe esse estudo, mas nãos sei quando será realizado esse projeto”, comenta. Ela integra um pequeno grupo da vizinhança que paga uma pessoa para limpar e recolher o lixo da praça regularmente, mas a situação da praça exige mais. O calçamento de pedra portuguesa está danificado em muitos pontos, criando buracos que impedem a passagem e há também bancos quebrados e restos de demolição espalhados pela praça, que um dia até lago já possuiu.

 


“Minha mãe faleceu no ano passado e sempre pedia para passear na praça, mas como era cadeirante, não tinha condições. Atualmente mora um casal com vários cachorros na área, passam o dia inteiro e a noite dormem em uma casa ali por perto”, relata Adriana. O abandono a entristece porque carrega muitas boas memórias de infância vividas ali. “Tínhamos uma turminha que morava em volta e a praça foi a nossa maior alegria, era nosso parque de diversões. Foi onde aprendi a andar e bicicleta, andava de patins. Uma época montaram um parquinho, onde antes era o lago, e ficávamos até tarde da noite brincando, era um rolo pra voltar par casa. Depois ficamos adolescentes, veio a fase de namoro e o Kiko Zambianque, que morava perto, estava sempre por ali tocando violão e cantando. Também houve um período em que montavam um telão e passavam filme, lembro das pessoas levando suas cadeiras de casa pra praça. Fomos muito felizes ali, é uma praça muito bonita, com muitas árvores, algumas eu mesma plantei”, recorda Adriana. 

 


CIDADANIA X BUROCRACIA

 


Como explica Alencastre, falar em prioridade dentro da zeladoria é complicado. “Aqui tudo é prioritário porque se você não realiza o tapa-buraco, não poda árvore, não roça avenidas, pode colocar a população em risco. Todas as questões que temos aqui são tratadas como prioridade, mas o que temos como prioridade fundamental é o atendimento ao cidadão, para que o mais rápido possível sejam atendidas as solicitações dos ribeirão-pretanos”, afirma. Apesar de válida, a intenção passa longe do razoável, conforme descreve o idealizador do projeto ArboreSer, Gula Biagi. “Muitas vezes as solicitações que fazemos são esquecidas pela prefeitura. Tenho inúmeros pedidos enviados por email e whatsapp que ficaram sem resposta. São solicitações de água para regar as mudas que plantamos (imagine que temos que pagar para ter acesso a água, sendo que plantamos em área pública e com autorização), também para que o departamento de limpeza adote o mulching e coroamento, para não prejudicar as mudas plantadas, de adubação e controle de pragas, entre outros”, ressalta.

 


Na opinião do empresário, que lidera desde 2007 um grupo de pessoas interessadas em contribuir com a arborização da cidade e, assim, melhorar o clima de Ribeirão Preto, a população pode e deve contribuir com a manutenção dos espaços públicos, mas a responsabilidade de cuidar deles continua sendo do poder público. “As pessoas querem o espaço público mais organizado, limpo, decente. A prefeitura pode sim pedir ajuda da população, mas a responsabilidade é dela, a mão pesada de quem tem o dinheiro e a ação é do poder público, que precisa também investir mais em Educação para Cidadania e desburocratização. Somos um grupo de plantio de árvores, que também tenta plantar cidadania, despertando nas pessoas o desejo de cuidarem melhor do seu entorno, mas esse processo precisa ser mais simples, são tantas exigências para quem está “adotando” um local, que as pessoas acabam desistindo”, argumenta Biagi.

 


Para Alencastre, não há burocracia e qualquer um que assuma a responsabilidade por uma área poderá sempre desistir, a qualquer tempo, sem nenhum tipo de ônus. “Entendo que o ribeirão-pretano tem amor pela cidade e o cidadão tem mesmo que se sentir pertencente ao local onde mora, para que cuide, juntamente com o poder público, da sua cidade e ajude a torna-la um lugar melhor. Nesse sentido, temos várias parcerias privadas, onde empresas cuidam de canteiros de avenidas e parques, por meio do Programa Verde Cidade; e também com reeducandos para prestação de serviço, além de algumas pessoas e associações que cuidam de praças e áreas verdes procurando participar e avisar quando há algum problema, como falta de iluminação por exemplo”, enfatiza.

 

MAIS AMOR, POR FAVOR

 


Francisco Carlos Rodrigues de Menezes, de 61 anos, trabalha a sete anos com limpeza urbana. Ele está diariamente na ponta do processo, acompanhando de perto a realidade, vendo exatamente onde há mais sujeira e a ‘pouca leitura’ que afirma ter não o impede de apontar um caminho: “bairro de rico é mais limpo porque eles mantêm o bairro limpo também”, avalia. “Seu Zé” (que preferiu não se identificar) trabalha há quase 40 anos na jardinagem da zeladoria. Já assistiu muita dança das cadeiras e garante que criticar não vai ajudar. “Tá todo mundo se esforçando pra fazer sua parte para melhorar, mas não dá tempo de fazer tudo, não tem como, tem pouca gente. Antes tinha 200 pessoas, foram se aposentando e hoje se tiver 40 é muito”, destaca.

 


O desafio é diário de manter a cidade funcionando, com pavimentação adequada para aguentar o tráfego de veículos, limpa, com áreas verdes bem cuidadas e iluminada, aponta Alencastre. “No final de 2020, a pasta anexou o Departamento de Limpeza Urbana, o que duplicou seu escopo. É extremamente desafiador, porque todos os dias temos que enfrentar os problemas e as questões que envolvem a zeladoria e manutenção da cidade. Procuramos atender todas as frentes, cada vez melhor e com mais agilidade, e atingir nossas metas para sermos mais eficientes, mas todos podem contribuir tendo mais cuidado com os próprios públicos, não jogando lixo no chão, separando o lixo reciclável e levando seu inservível e entulho nos ecopontos. Tudo isso vai contribuir para que cidade se mantenha mais limpa e agradável para todos”, conclui. 

 

 

Compartilhar: