Cefaleia: um mal silencioso, mas presente
Faculdades de Medicina deveriam abrir mais espaço para o estudo da dor, na opinião da neurologista Fabiola Dach

Cefaleia: um mal silencioso, mas presente

Neurologista Fabiola Dach explica causas, tratamentos e forma de prevenção contra a cefaleia, a dor de cabeça

A dor de cabeça, não se considerando a divisão entre os sexos, afeta entre 10% e 15% da população em geral. Dividindo entre os gêneros, o masculino fica em torno de 7%, já o feminino gira em torno de 20% — podendo chegar a 25% na mulher com idade entre 28 e 50 anos, fase com maior pico de prevalência. Professora e pesquisadora nas áreas de neurologia, cefaleia e dor, a neurologista Fabiola Dach atuou oito anos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, antes de assumir, em 2014, o ensino de Neurologia na FMRP-USP e a responsabilidade à frente dos ambulatórios de Cefaleia (adulto e infância), de dor neuropática, de neurologia geral e da Enfermaria de Neurologia do HCFMRP-USP. Para ela, falta atenção nas graduações de Medicina com o estudo da dor, o que poderia reduzir o número de pacientes nos Centros Médicos Especializados e melhorar a qualidade de vida da população.


O que a levou a esta área de estudo: cefaleia?

Meu orientador de doutorado, o professor José Geraldo Specialli, responsável por inúmeros estudos na área foi meu grande incentivador. Com sua aposentadoria, foi aberto um concurso na FMRP-USP para essa área da neurologia. Aqui, na USP o professor tem que atuar em três pilares: ensino, pesquisa e assistência. A maioria das nossas pesquisas são relacionadas à enxaqueca, por ser a dor de cabeça mais comum em serviços de assistência médica.

Quais as características da cefaleia?

Há centenas de tipos de dor de cabeça, mas a enxaqueca, também chamada de migrânea, é um tipo recorrente de dor, ou seja, a pessoa tem crises de dor ao longo da vida. É uma dor com algumas características específicas: unilateral, latejante ou pulsátil, de moderada a forte intensidade, com outros sinais e sintomas associados, como intolerância à luz, barulho, náuseas e vômitos.  Quando a dor não é tratada ou se o remédio para dor não funcionar bem, a dor tem duração de 4 a 72 horas.  A enxaqueca também varia nas fases da vida. Tem época em que a pessoa apresenta muitas crises, e em outras fica com poucas ou sem crises. Isso ocorre porque a enxaqueca sofre muitas influências externas (como exposição à perfume doce, dormir mal, etc) e internas (como alterações hormonais).

E quais as causas da enxaqueca?
Ela é uma doença com componente genético, ou seja, é ‘herdada’ dos pais, e as crises se manifestam pela influência de fatores ambientais ou endógenos. Por exemplo, há mulheres que apresentam crises de dor no período menstrual, quando há uma queda de estrogênio, o que consideramos fator endógeno. Outros pacientes apresentam crises quando são expostas a algum fator externos, como exposição a perfume doce, algum alimento, bebida alcóolica, queijos). Outros fatores externos relatados pelos pacientes são épocas de mais calor, qualidade de sono ruim e estresse.

Há também fatores emocionais relacionados aos episódios?
É um dos principais fatores que desencadeiam a crise, por isso, uma das terapias que podem ser utilizadas é a de manejo do estresse, o que ajudaria na redução das crises. É possível aprendermos a mudarmos nosso comportarmos frente às situações estressantes. O estresse pode ocorrer por vários motivos, como sobrecarga de trabalho, perda familiar, discussões, etc. Certo é que se aumenta o estresse, frequentemente aumenta o número de crises. Por outro lado, se reduzirmos o estresse, reduzem a quantidade de crises.

Qual a importância do diagnóstico e como fazê-lo?
Enxaqueca não tem cura. Ela muda de frequência ao longo da vida. Tem tratamento e o diagnóstico correto é importante para que o tratamento correto seja instituído, o que tem como objetivo final a melhora na qualidade de vida do paciente. O diagnóstico é clínico e em uma consulta já é possível identificar os sinais de alerta, que são aqueles que nos sugerem outras doenças. Como a dor é de moderada a forte intensidade, ela atrapalha ou impede as atividades cotidianas do indivíduo (estudo, trabalho, etc). Como a dor piora com atividade física rotineira, como subir uma escada ou caminhar, por exemplo, faz com que a pessoa necessite ficar em repouso, em lugar quieto e escuro para melhor alívio da dor.  Naqueles pacientes que apresentam náuseas ou vômitos durante as crises, além dos analgésicos é importante fazer uso de medicamentos para o controle desses sintomas.  Quando o paciente apresenta até 14 dias de dor no mês, chamamos a migrânea de migrânea episódica. E quando as crises ocorrem em 15 dias ou mais de dor por mês, chamamos de migrânea crônica. Dentre essas pessoas, há aquelas que apresentam dor de cabeça todos os dias e continua.

Qual a prevalência da doença?

Abro aqui um parênteses para abordar a questão da importância de uma revisão nos cursos de graduação de medicina para o tempo que dedicam ao ensino de doenças de maior prevalência, que deveria ter um peso maior na grade de ensino. A dor de cabeça, por exemplo, não se considerando a divisão entre os sexos, afeta entre 10% e 15% da população em geral. Se dividimos entre os sexos, o masculino fica em torno de 7%, já o feminino gira em torno de 20% — podendo chegar a 25% na mulher com idade entre 28 e 50 anos, fase com maior pico de prevalência. Atribui-se o aumento de casos nessa faixa etária à presença do hormônio estrogênio. Algumas mulheres identificam claramente a influência do hormônio em suas crises de enxaqueca e outras não. Ou seja, nos períodos de mudança dos níveis de estrogênio, como menstruação, gestação e menopausa, pode haver uma mudança na frequência de crises, para melhor ou para pior.  Outro dado: aqui no Brasil, o número de pessoas com migrânea crônica é 6%, quando foram entrevistados, referente a população em geral. Em outros países, essa prevalência gira em torno de 1% a 3%.

Quais as formas de prevenção e cuidados associadas à dor de cabeça?

Há dois tipos de tratamento possíveis, o agudo e o profilático ou preventivo. O tratamento agudo é aquele que usamos durante as crises de dor, como os analgésicos. Já o tratamento profilático ou preventivo é aquele que se usa com o objetivo de reduzir o número de crises. Quando a pessoa apresenta acima de três dias de dor por mês, já podemos iniciar a profilaxia, com o objetivo de evitar que haja aumento no número de dias de dor e que o paciente passe a apresentar migrânea crônica, o que é mais difícil de se tratar. Dentre os medicamentos preventivos, há remédios de uso diário, e de uso oral, e outros de uso injetável, como a toxina botulínica e os anticorpos monoclonais, que são de uso mensal ou a cada três meses. A toxina botulínica só é indicada para pacientes com migrânea crônica, enquanto que os anticorpos monoclonais podem ser usados para pacientes com qualquer frequência de crises. Fora do Brasil há outras opções de tratamento. Deve chegar por aqui, no ano que vem, também, um remédio que é um bloqueador do receptor de um peptídeo que é liberado nas crises de migrânea, e que será mais uma possibilidade de tratamento. Gostaria que os médicos, em geral, soubessem mais sobre dor. Seria muito mais simples cuidar das pessoas em centros de menor complexidade e evitaríamos casos de pacientes crônicos.

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