Constelação Familiar e saúde pública

Constelação Familiar e saúde pública

A prática, que já foi discutida no Poder Judiciário, gera debate entre psicólogos e tem sido usada como terapia alternativa pelo SUS

A constelação familiar é uma abordagem terapêutica que ganhou popularidade nas últimas décadas, principalmente, no Brasil. Desenvolvida por Bert Hellinger, um terapeuta alemão, a constelação familiar visa explorar as dinâmicas familiares e identificar possíveis conflitos que afetam o bem-estar dos indivíduos.

 

Hellinger foi um padre que se tornou terapeuta e estudou diversas abordagens terapêuticas, incluindo psicanálise, terapia primordial e terapia gestalt. Antes da vida religiosa, ainda aos 17 anos, Hellinger lutou ao lado do exército nazista no front ocidental. Ele desenvolveu sua abordagem após trabalhar com famílias e observar padrões recorrentes de comportamento, conflitos e lealdades invisíveis que pareciam influenciar o funcionamento das famílias. 

 

O ex-sacerdote também foi influenciado pelas tradições culturais e espirituais de diferentes partes do mundo, incluindo a observação de rituais de tribos africanas. Essas experiências e influências contribuíram para a formação da constelação familiar como a conhecemos hoje. 

 

Durante as sessões, pessoas ou até objetos (como cristais, bonecos de madeira etc.)  representam os parentes do paciente. A disposição dos integrantes no espaço passa a ser analisada pelo constelador. Contudo, as emoções e gestos dos participantes que interpretam os familiares também são levados em consideração. Segundo Hellinger, os participantes passam a ter pensamentos, sentimentos e sensações físicas, incluindo sintomas de saúde, muito próximos aos dos membros representados, mesmo sem nunca tê-los visto.

 

Todavia, os métodos aplicados pela Constelação e os possíveis resultados têm sido motivo de discussão. Em nota técnica publicada em março deste ano, o Conselho Federal de Psicologia destacou "incongruências éticas e de conduta profissional no uso da Constelação Familiar enquanto método ou técnica da Psicologia".

 

Segundo o órgão, a prática apresentaria, enquanto fundamento teórico, o uso da violência como mecanismo para restabelecimento de hierarquia violada – inclusive atribuindo a meninas e mulheres a responsabilidade pela violência sofrida. A nota técnica também destaca que a sessão de Constelação Familiar pode suscitar a abrupta emergência de estados de sofrimento ou desorganização psíquica, e que o método não abarca conhecimento técnico suficiente para o manejo desses estados – o que conflita com a previsão do Código de Ética Profissional do Psicólogo.

 

Polêmica

 

Apesar de não haver comprovação científica, a terapia é usada há mais de uma década pelo Judiciário para resolver conflitos em Varas da Família. Essa prática tem gerado controvérsias, com projetos em discussão no Congresso e em assembleias estaduais, sendo levantadas, inclusive, questões de abusos da prática.  

 

Em março de 2018, a constelação familiar foi incluída como Prática Integrativa e Complementar (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Com o fim da ditadura militar brasileira, começou-se uma intensa luta para garantir a saúde como um direito social, conquistando um marco decisivo na reorganização do sistema de saúde brasileiro e a implementação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), em 2006, caminhou em consonância com a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das Conferências Mundiais que incentivam os países a implantarem políticas voltadas para a medicina tradicional e complementar.

 

Inicialmente, a PNPIC ofertou as terapias de homeopatia, acupuntura, plantas medicinais, fitotetapias e termalismos e, em 2017, mais 14 terapias foram incluídas, e em 2018, 10 novas práticas foram incorporadas, incluindo a constelação familiar.

 

Nesse contexto, surgem dúvidas de como a terapia alternativa seria ofertada, como os profissionais seriam contratados e se haveria capacitação.  O SUS tem subfinanciado essa prática desde sua implantação, porém o investimento em serviços e profissionais suficientes para atender a demanda da população está aquém do necessário. Em paralelo às questões do financiamento, gestão e planejamento do sistema, existem outras questões a serem levantadas. No dia seguinte ao anúncio do Ministério da Saúde sobre a inclusão das novas práticas integrativas, o Conselho Federal de Medicina fez uma nota de repúdio à essa inserção.

 

Quem defende sua implantação, diz que ela deve ser feita, inicialmente, por profissionais que já atuam no Sistema Único de Saúde, que já têm a formação e que poderão oferecer nas Unidades de Saúde que trabalham, ou profissionais que, por interesse e investimento próprio, buscarão essa formação para ofertá-la. Deixando claro, assim, que não há uma previsão de capacitação nacional para qualquer uma das práticas integrativas. Ainda defendem que a constelação familiar no sistema público de saúde se apresenta como um avanço na medida em que é reconhecida como um método terapêutico que integra as diversas possibilidades de intervenções de cuidado com a saúde.

 

Análise

 

Para a psicóloga Bruna Meneghelli, a constelação familiar reforça o sistema patriarcal e machista da sociedade em que vivemos.

 

"Os pressupostos e leis da constelação familiar colocam papéis definidos para mulheres e homens, seguindo uma hierarquia e ordem para cada gênero, e à mulher cabe o assujeitamento ao pai, seja enquanto filha seja enquanto esposa. A leitura que a constelação familiar faz entende que os problemas que as pessoas têm surgem quando há um desequilíbrio na ordem e na hierarquia dessa estrutura familiar. Não preciso dizer o quanto essa estrutura da constelação familiar vem da estrutura social machista ao culpabilizar mulheres vítimas de abuso e reforçar que seus problemas e dificuldades vêm do fato de que talvez elas não estejam em seu correto lugar familiar, a constelação familiar corrobora, reforça e perpetua a estrutura machista e cria justificativas para a violência contra a mulher.", afirma

 

Para a consteladora familiar Fátima Spanó, a constelação não fala sobre a mulher não poder sair de casa para trabalhar, por exemplo. Ao contrário, ela afirma que “o homem serve a mulher e a mulher serve à vida”.

 

"Ambos têm o mesmo tamanho e ocupam um lugar, um ao lado do outro na linha horizontal e portanto, possuem o mesmo tamanho e importância, apenas com funções diferentes. Podemos dizer, em síntese, que a mulher aponta o caminho para onde o homem deve seguir, o homem segue esse caminho por confiar na capacidade de percepção dela, ela o segue por confiar na sua força, coragem e proteção e ele a serve pelo amor, respeito e cuidado que ela lhe oferece. A relação do casal, portanto, trata-se de confiança respeito e amor mútuo. Isso é apenas um pequeno ponto sobre a relação do casal”, explica Fátima.

 

Utilização no SUS

 

Por se tratar de uma terapia alternativa, ela tem sido ofertada pelo SUS desde 2018, tendo quem defenda e quem seja contra a prática. Por ser terapia alternativa e integrativa, defende-se que ao coloca-la no Sistema Único de Saúde, torna-a acessível para o público que tem interesse em utilizá-la mas que não tem condições de se dispor financeiramente, tal como homeopatia, oferecida, também no sistema público.

 

A partir de 2006, com a nova política nacional referente aos tratamentos oferecidos pelo SUS, as práticas integrativas complementares começaram a ser ofertadas como tratamentos à saúde física e mental, como acupuntura e reiki. Para a psicóloga a oferta da prática no SUS não é saudável.

 

"Diferente das práticas citadas, ela não vem de um saber popular ou de uma tradição bem consolidada. Costumo pensar que, se a acupuntura por exemplo, ou a homeopatia, não são capazes de garantir a cura do problema do paciente, ao menos não são capazes de atrapalhar seu processo e podem complementar os tratamentos médicos. A constelação familiar, ao contrário, pode agravar sofrimentos e causar prejuízo ao processo de elaboração de questões subjetivas, tornando-se assim questionável sua utilização no SUS. No meu ponto de vista, enquanto psicóloga, a constelação familiar não deveria ser ofertadas pelo SUS pelos motivos que citei acima. Isso não significa proibir a constelação familiar, mas sim retirá-la da oferta pública.", conclui a profissional.


Foto: Pixabay (foto ilustrativa)

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