Educação e pesquisa
Professor da USP e ex-secretário de Saúde fala sobre desafios e pontos positivos do SUS

Educação e pesquisa

Professor da Faculdade de Medicina, José Sebastião dos Santos, acredita que integração entre educação, pesquisa e inovação são fatores que contribuíram para o destaque de Ribeirão no cenário nacional

*Entrevista publicada na edição 1.107

Com uma jornada que deixou marcas na história de Ribeirão Preto, o ex-secretário da saúde e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), José Sebastião dos Santos, lembra os desafios e experiências gratificantes que teve ao longo da carreira. O professor, que também ocupou os cargos de coordenador da Unidade de Emergência do HC Ribeirão Preto e de Superintendente do Hospital de Anomalias Craniofaciais (Centrinho da USP em Bauru), destaca que um dos principais fatores que tornou Ribeirão Preto referência nacional na área da saúde foi a decisão de expansão da USP para o interior e a instalação da FMRP-USP, mostrando que a decisão de integrar educação, pesquisa básica e inovação aplicadas na organização e na prestação de serviços foi muito bem-sucedida.

Como foi a construção da sua trajetória acadêmica na área da saúde?

O início da carreira acadêmica coincidiu com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a defesa enfática da cooperação da universidade como parceira de primeira ordem. Nesse contexto, participamos da elaboração e implantação de modelos assistenciais como a cirurgia ambulatorial dinamizada pelas técnicas minimamente invasivas (videocirugia, videoendoscopia e mais recentemente a cirurgia robótica), linhas de cuidado em oncologia cirúrgica e programa de transplantes. A jornada de 33 anos rendeu muitos desafios e enfrentamentos, alguns bons êxitos e fracassos, também, todos muito proveitosos para a vida acadêmica. As circunstâncias das atividades acadêmicas, constantemente, expõem as nossas limitações e nos induzem, felizmente, a continuar em movimento. Na pandemia da Covid-19, por exemplo, nos adaptamos rapidamente para cuidar desses doentes e garantir, também, os procedimentos essenciais de atenção aos pacientes com necessidades de diagnóstico e tratamento cirúrgico de emergência e urgência, ajustamos os métodos de ensino para garantir a formação dos estudantes e pós-graduandos e, nesse contexto, foi realizado um grande exercício de governança para adequar os serviços de saúde. Adicionalmente, essas adaptações foram avaliadas criticamente na dimensão da pesquisa e produziram resultados que começam a ser divulgados, com alguns legados positivos já incorporados.

Atuar no segmento público foi algo que já pretendia ou as oportunidades chegaram em consequência do reconhecimento e respeito pela sua história na saúde?

As instituições públicas me garantiram a vida, a formação e o trabalho. Desde estudante já pretendia atuar, majoritariamente, como servidor público pelas possibilidades de lidar com a implementação e o aperfeiçoamento das políticas de saúde e educação, sobretudo aquelas conquistadas com a Constituição de 1988. À parte, a corrupção associada sobretudo ao corporativismo ou a grupos de poder que desvirtuam o papel do Estado, é no serviço público que temos a possibilidade de atuar orientados pelas reais necessidades das pessoas e, assim, minimizar as desigualdades e as injustiças. Na iniciativa privada, os interesses individuais ou de alguns grupos corporativos, por exemplo, das indústrias farmacêutica e tecnológica ou organizações sociais ou particulares, com mais facilidade podem interferir na essência do exercício profissional. Por outro lado, tenho experiência muito positiva com o setor privado, quando atuei por cerca de 12 anos, como assessor para seleção, elaboração e supervisão da execução de projetos sociais, para duas fundações privadas de Ribeirão Preto.

Quais os pontos fortes que trazem destaque à Ribeirão Preto no cenário nacional?  

A decisão de expandir a USP para o interior e a instalação da FMRP-USP, que esse ano completa 70 anos, mostra que a decisão de integrar educação, pesquisa básica e inovação aplicadas na organização e na prestação de serviços foi muito bem-sucedida. Nesse contexto, as lideranças que conduziram a FMRP-USP e o Hospital das Clínicas, juntamente com outras unidades do campus formaram líderes que desenvolvem o ensino universitário. Muitos egressos criaram serviços de saúde, qualificaram a formação universitária e desenvolveram núcleos de investigação em todas as regiões do país inspirados na receita de sucesso da potente indissociabilidade entre ensino, pesquisa com ação, extensão de serviços e boa governança.

Quais são os principais desafios na saúde no atual cenário?  

Há uma tripla carga de obstáculos que sempre acompanharam a implantação do SUS: o subfinanciamento, a insuficiência quantitativa e qualitativa dos recursos humanos e as deficiências de gestão que se tornaram ameaças no último triênio. A precarização nas relações de trabalho dificulta a organização de equipes coesas e estáveis nos níveis estaduais e municipais, o que compromete, por exemplo, a cobertura e a resolutividade na atenção básica, o acesso a atenção para a saúde mental e a incorporação crítica das tecnologias em saúde.

Podemos afirmar que desde a implantação do SUS tivemos uma redução das desigualdades e maior garantia dos direitos à saúde?

O sistema de saúde com acesso universal e atenção integral é um patrimônio social a ser preservado. Certamente ele reduziu as desigualdades de acesso e ampliou a garantia dos direitos à cura, à reabilitação e à prevenção de doenças mediante, por exemplo, o emprego das vacinas e métodos de rastreio para diagnóstico precoce para reduzir danos silenciosos à saúde já instalados. Por outro, o SUS dispõe de poucos recursos para atuar sobre os determinantes sociais e ambientais que estão na origem de muitos dos problemas de saúde. Os últimos governos têm fortalecido o individualismo e a visão de que os acontecimentos adversos na sociedade são de responsabilidade exclusiva dos sujeitos afetados, retirando o seu caráter de fenômeno social e coletivo. A falta de percepção dessas injustiças, não as identifica como necessidade de políticas e ações governamentais para minimizá-las. No geral, os indicadores nacional e global das condições de saúde da população são positivos, mas a urbanização e os movimentos humanos imigratórios e migratórios podem ampliar as desigualdades e requerem a formulação de políticas em diferentes setores da educação, do trabalho, da agricultura e uso da terra, da habitação, da segurança pública, da proteção social, dentre outros.

Quais lições e avanços a pandemia trouxe para o segmento da saúde?  

A sociedade assimilou a importância estratégica de contar com um Sistema Nacional de Saúde dotado de instâncias democráticas que induzem a cooperação entre municípios, estados e União, o que é um legado e um recado para governos que pregam estado mínimo, mas com manutenção ou majoração de impostos e tributos A assimilação da tele saúde foi um ponto forte e ficou patente que um sistema nacional precisa de um sistema único de informação ou proporcionar condições para estabelecer a interoperabilidade entre os sistemas existentes. O ponto mais forte foi a interação entre a ciência e a saúde pautando os as medidas sanitárias, terapêuticas, de governança e prevenção por meio das vacinas. 

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