E quando o câncer se espalha para os ossos?
Edgard Eduard Engel coordena o Centro de Reabilitação e a residência médica em Ortopedia e Traumatologia do HCFMRP-USP

E quando o câncer se espalha para os ossos?

A metástase óssea está entre as três mais comuns e o tratamento dos tumores musculoesqueléticos é desafiador e exige dedicação; uma nova alternativa — a radioablação —, está sendo implantada HCFMRP-US

Médico ortopedista, professor associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP desde 2008, Edgard Eduard Engel iniciou a formação em ortopedia pediátrica e cirurgia do pé. Em 1997, criou o Ambulatório de Oncologia Ortopédica do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Atualmente coordena o Centro de Reabilitação do HCFMRP-USP e a residência médica em Ortopedia e Traumatologia. Também desenvolve pesquisa nas áreas de oncologia ortopédica e substitutos ósseos e diz que o vínculo com o paciente e a família, em uma dura luta contra a doença, foi o que o atraiu para essa área.  

 

O que é a metástase óssea?

 

O câncer é uma doença em que uma célula do corpo sofre uma mutação genética, que provoca sua multiplicação descontrolada, fazendo com que se espalhem pelo corpo. A mutação é uma alteração do código genético da célula, que regula a sua atividade biológica. As células do nosso organismo sofrem mutações com certa frequência, a grande maioria produz células inviáveis, que morrem ou são destruídas pelo sistema imunológico. As que provocam a reprodução descontrolada das células produzem neoplasias ou tumores e as que tem a capacidade de se espalhar no organismo são as neoplasias malignas, também chamadas de câncer. Os agrupamentos de células que se desprendem do tumor principal e se instalam e reproduzem em outro órgão, são as chamadas metástases.

 

A metástase óssea é comum?

 

No Brasil não temos estatísticas confiáveis a respeito. Estimamos que ocorram 40 a 50 mil casos novos no Brasil e 130 a 150 casos novos em Ribeirão Preto. A metástase óssea está entre as três mais comuns, atrás da metástase do pulmão e ao lado da do fígado. Na década de 1970, com a introdução maciça da quimioterapia, houve um aumento da sobrevida dos pacientes com câncer e, consequentemente, um aumento dos casos de metástases ósseas. A incidência de fraturas relacionadas às metástases caiu com o aparecimento dos bifosfonados, uma medicação também usada para evitar fraturas por osteoporose. Mais recentemente, o aparecimento das terapias alvo e da imunoterapia melhorou ainda mais a sobrevida dos pacientes com muitos tipos de câncer, elevando a incidência de metástases ósseas. Estima-se que o número de casos com metástases ósseas tenha dobrado de 1960 para cá.

 

 

Qual o significado do aparecimento de metástases ósseas para o paciente com câncer?

 

É importante dizer que o aparecimento de metástase óssea não significa, obrigatoriamente, que a doença venceu e a morte se aproxima. Alguns tipos de câncer têm evolução lenta e outros tem alta sensibilidade ao tratamento, o que os torna menos agressivos. Assim, muitas vezes, conseguimos controlar a doença e as lesões ósseas até por décadas. Os principais efeitos da metástase óssea são a dor e a fratura. Geralmente a dor antecede a fratura, por isso, deve ser investigada e tratada, evitando a fratura. Um estudo japonês mostrou que o que mais afeta a qualidade de vida do paciente com câncer são fraturas, dor e queda do estado geral enquanto a localização do tumor primário e o prognóstico de vida tem pouca relação com a qualidade de vida, portanto, a vigilância sobre a integridade do esqueleto é imprescindível. Além disso, quando prevenidas, os pacientes tendem a ter sobrevida maior que aqueles com fraturas.

 

 

Como se previnem as fraturas por metástases?

 

As fraturas chamadas patológicas são aquelas que ocorrem em ossos enfraquecidos por osteoporose, tumores ou outras doenças. Nos casos de câncer com tendência a disseminação óssea, deve ser feita vigilância com exames como a cintilografia que detecta precocemente o aparecimento de metástases no esqueleto. Outro recurso importante de vigilância é a investigação com radiografias, ou eventualmente outros exames de imagem, em pacientes que se queixam de dor óssea, seja na coluna ou nos membros. O mais importante, principalmente para o médico que acompanha pacientes com câncer, é a suspeição de que a queixa do paciente possa estar relacionada com lesões ósseas. O paciente geralmente relaciona a dor a um traumatismo, mesmo que leve, e negligência a dor até que se acentue. Consideramos que em um paciente com câncer que apresente dor na mesma região por mais de duas semanas, relacionada ou não à atividade física, merece uma investigação com radiografia.

 

O paciente sem histórico de câncer pode apresentar metástases ósseas?

 

Sim, pode. A metástase óssea, e até mesmo a fratura patológica, podem ser o primeiro sintoma de câncer. Não é a situação mais comum, mas também não é rara. Portanto, dor óssea que perdure por mais de duas semanas na mesma localização e que não esteja relacionada com um traumatismo proporcional deve ser investigada. Traumatismos que causam dor óssea geralmente provocam algum tipo de lesão da pele, seja uma mancha roxa ou vermelha com inchaço, e a dor começa logo após o traumatismo. Se a dor aparece dias ou semanas após o traumatismo a relação entre os dois deve ser suspeitada. No caso das fraturas a relação entre o traumatismo e a fratura é ainda mais importante. Traumatismos leves e quedas de pequenas alturas raramente causam fraturas em ossos saudáveis. Nesses casos, o ortopedista deve suspeitar de uma lesão óssea e dobrar a atenção, eventualmente solicitando exames complementares.
 

Como devem ser tratadas as metástases ósseas?
 

Uma vez detectada uma lesão óssea é imprescindível identificar sua causa e o risco de fratura, pois existem várias formas de tratamento, e o oncologista ortopédico é o profissional capacitado para fazer essa investigação. Lesões com alto risco de fratura são geralmente tratadas com cirurgia e em casos em que há poucas lesões, a ressecção da metástase está relacionada com aumento da sobrevida em vários tipos de câncer. Nas lesões de baixo risco, o tratamento pode ser simplesmente com quimioterapia ou terapia alvo ou imunoterapia, dependendo da sensibilidade do tumor ao tratamento. Os bifosfonados, usados também para osteoporose, são um recurso importante na prevenção da evolução dessas lesões, pois fixam o cálcio ao osso, evitando que as lesões aumentem. Em algumas situações, a radioterapia também pode ser usada, mas exige cuidado, pois se não for bem-sucedida, a cirurgia na região irradiada está relacionada a um alto índice de complicações. Outra tecnologia é a radioablação, que está sendo implantada por nossa equipe, em parceria com os nossos colegas radiologistas, e tem sua melhor indicação nos casos em que a cirurgia seria de alta morbidade ou de difícil realização técnica. Consiste na introdução de uma sonda na metástase óssea, através da pele, que emana calor ou frio de forma controlada, queimando ou congelando a lesão e matando as células tumorais.

 

Como encontrar um oncologista ortopédico?
 

Devido à raridade dos tumores ósseos e dos tumores de partes moles, existem poucos oncologistas ortopédicos no Brasil e no mundo. No Brasil há por volta de 160 que trabalham em pelo menos 40 centros de referência em tratamento oncológico. Tanto pacientes como médicos podem encontrar um oncologista ortopédico consultando o site da Associação Brasileira de Oncologia Ortopédica (aboo.org.br). É muito comum que estes profissionais sejam consultados por profissionais médicos sobre a necessidade de encaminhamento ao centro de referência, tanto no SUS quanto na rede privada. Para Ribeirão Preto e região a referência é o Ambulatório de Oncologia Ortopédica do Hospital das Clínicas e a clínica civil onde trabalham o Dr. Edgard Engel e o Dr. Nelson Gava.

 


Luan Porto

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