Especialistas ajudam aliviar dores agudas de pacientes do HC Unidade de Emergência
O método que é recente no Brasil, já é usado nos Estados Unidos desde os anos 90

Especialistas ajudam aliviar dores agudas de pacientes do HC Unidade de Emergência

De maneira voluntária, a equipe de profissionais da saúde trabalha em prol do bem estar de cada pessoa internada

Uma iniciativa de funcionários do Hospital das Clínicas – Unidade de Emergência (HC-UE), da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, tem aliviado as dores agudas de muitos pacientes internados no local. Diariamente, de maneira voluntária, especialistas tratam o sofrimento de pessoas com traumas graves, seja psicológico ou físico. O método é recente no Brasil, mas apresenta bons resultados. 

Criado em 2017 pelo docente da anestesiologia João Abrão e pelo anestesista Renato Lucas, o grupo tem crescido e, com a ajuda da enfermeira Jessica Daher, atualmente, atinge todos os setores clínicos do hospital: a farmácia, a nutrição, a fisioterapia, a fonoaudiologia, a terapia ocupacional, a psicologia, a parte médica e o serviço social.

De acordo com o médico Renato Lucas, o HC-UE recebe um grande número de pacientes com diferentes traumas, o que traz uma incidência maior de dor aguda. “Tal população de pacientes é de alto risco para a dor. Frente a isso, nós sentimos a necessidade de criar uma equipe de combate, pois desde a década de 90 nos Estados Unidos, que foi quando começou a implantação de serviços de dor aguda nos americanos, tem se visto que isso melhorou muito a qualidade do controle da mesma, a humanização, além de uma série de vantagens. No Brasil, isso chegou há pouco tempo, mas somos diferentes dos resto dos hospitais em geral, pois nossa equipe é abrangente”, diz o anestesista.

Segundo o profissional, a dor pode ser combatida através de várias propostas e não só por medicamentos. “A equipe multiprofissional é para isso. Geralmente nos hospitais, eles têm um grupo mais restrito. Com a estrutura que recebemos, conseguimos ampliar e temos tido um tratamento bem legal e com resultado satisfatório e uma proposta inovadora. Até então, não existia isso dentro do HC. O trabalho é voluntário, não ganhamos dinheiro, mas somos recompensados em aliviar as dores. Isso faz valer a pena e melhora o grau de satisfação do paciente”.
"O nosso ganho é ajudar as pessoas", diz Renato

O anestesista explica que o grupo atua não só no tratamento, mas na prevenção. “Então quando entramos com medidas para evitar a dor, a gente ajuda o paciente com a diminuição dela, sendo que um dos nossos sucessos é quando o paciente vai para casa, com o mínimo de medicamentos possível e com o psicológico bom. Aprendemos muito um com o outro”.

Nos últimos 20 meses, 194 pacientes já foram beneficiados com o tratamento contra dor. Segundo os especialistas do grupo, é inadmissível o pensamento de que a dor é comum ou normal devido ao trauma. Para eles, com o avanço da medicina, isso é inaceitável.

O professor João Abrão chama a atenção para a disponibilidade das pessoas envolvidas. “Nem sempre os traumas são tratados com remédios. Esses profissionais envolvidos tornam o atendimento melhor e só é possível porque o grupo é bem estruturado. São pacientes difíceis de serem tratados, muitos perderam um membro, outros têm o corpo inteiro queimado, mas cada caso é singular. Nossa intenção é ampliar este trabalho e melhorar com o apoio da administração”.
Abrão é um dos responsáveis pelo trabalho no HCUE

Seleção de pacientes

Não são todos os pacientes que recebem o atendimento. A equipe de dor é chamada quando os tratamentos convencionais não funcionam da maneira esperada. A enfermeira Jéssica Daher, que está envolvida desde o começo, fala que o atendimento é feito após uma consulta.

“É conforme o médico enxerga a necessidade, pois quando o paciente não responde aos remédios, o nosso serviço é acionado. O paciente passa por uma primeira avaliação de dor. Aí nós podemos acionar o trabalho mais indicado para aquela pessoa. Cada caso tem sua maneira específica, por isso, é preciso entender o que realmente tem acontecido”, diz Jéssica.
Jéssica atua junto a equipe desde o início do grupo

O grupo teve início no setor de queimados e, atualmente, o ambiente é outro. A dor continua, mas ela é diminuída o máximo possível. “Isso começou bem pequeno e logo percebemos que não estava mais dando para resolvermos algumas questões. Por isso, a equipe multiprofissional é tão importante. A gente consegue reverter a dor. Não tem preço”, comemora Jéssica.

A psicóloga Fernanda Loureiro trabalha com a parte neurológica dos pacientes. Ela lembra que no começo, no setor de queimados, a dor era sentida até pelos profissionais com o sofrimento das pessoas, mas com o fortalecimento do grupo isso tem diminuído.

“A equipe do queimados é multidisciplinar de natureza. Temos todos os profissionais atuando naquele local, mas precisava de uma participação maior de todos para validar esse problema. A psicologia avalia a dor, a gente pode dar uma escuta ao paciente para que ele traga a subjetividade dele e nisso ele vai trazer as dores internas que tem. São as dores invisíveis, como traumas e lembranças somadas a condição física que ele está. Também ajudamos o grupo com a humanização, em que podemos trazer um olhar sobre os atendidos”.

Os principais participantes do grupo são João Abrão (Docente da Anestesiologia), Renato Lucas (Anestesista), Jessica Daher (Enfermeira), Daniel Pousa (Fisioterapeuta), Lídia Prada (Fisioterapeuta), Paula Okubo (Responsável técnica do serviço de Fonoaudiologia), Ana Paula Araki (Responsável técnica do serviço de Farmácia), Fernanda Loureiro (Psicóloga) e Francine Victal (Coordenadora do núcleo multiprofissional).
Em pé: Daniel Pousa, Renato Lucas, Jessica Daher, Lídia Prada, Paula Okubo, Ana Paula Araki; sentados: Francine Victal, João Abrão e Fernanda Loureiro

Alívio no tratamento 

O dia 25 de dezembro de 2017 mudou a vida de Emileide Cristina Amaro de Faria, de 28 anos. Ela sofreu um acidente com uma motocicleta em Serrana, na Região Metropolitana de Ribeirão Preto, ficou gravemente ferida e perdeu o marido, que faleceu no local.

Ela foi encaminhada ao HCUE onde ficou mais de 10h em cirurgia para consertar todas as fraturas do corpo. Segundo ela, neste momento, o pesadelo teve início e foi graças a equipe que ela conseguiu superar.

“Eu não fazia ideia do que estava por vir. Fui levada para o quarto onde eu sofri muito na primeira semana de internação, sentia muita dor e cheguei a delirar. Peguei uma infecção hospitalar e precisei ser isolada com um tratamento mais intenso até que conheci o Renato. Graças aos métodos dele e da equipe, aqueles dias horríveis ficaram suportáveis”.

Após três meses de internação, a mulher recebeu alta e foi para casa, mas o que parecia ser um alívio tornou-se outro problema. A infecção voltou e ela teve que ser internada mais uma vez. “Foi assim que eu tive a notícia de que teria que amputar a perna, pois a infecção só aumentava. Eu já havia sofrido muito por conta daquela perna, mas me decidi, e em 7 de abril de 2018, passei pela amputação. Voltei a ter dor no pé, mas ele não estava mais ali. Era um fato psicológico conhecido como dor fantasma. Novamente, a equipe de dor aguda me atendeu e aprendi a lidar com aquilo. Atualmente, eu tenho minhas limitações, mas me sinto viva e só tenho a agradecer a todos os envolvidos”.

História parecida, o jovem Raphael Matheus Freire de Moraes, de 21 anos, também teve uma grave lesão após um acidente de motocicleta. Ele teve de amputar a perna direita em razão da gravidade do acidente.

“Hoje, eu estou muito bem e isso é devido ao auxílio dos profissionais do hospital. Graças ao trabalho do grupo, eu consegui me adaptar muito bem. Posso falar que fez a diferença em minha vida, tanto que hoje tenho uma vida com limitações, mas normal”.

Moraes está desempregado no momento, mas sonha em conciliar a amputação com seu futuro. “Eu pretendo voltar a ser atleta e tenho lutado e buscado isso. Espero conseguir realizar minhas vontades e sonhos”, finaliza o rapaz.
Moraes em meio à equipe do HCUE

 


Fotos: Luan Porto

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