Clínicas e comunidades podem diminuir possibilidade de recuperação de usuários de drogas
Clínicas e comunidades diminuem possibilidade de recuperação de usuários de drogas

Clínicas e comunidades podem diminuir possibilidade de recuperação de usuários de drogas

Constatação foi feita em pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto

Com o drama vivido por muitas famílias, sociedade e usuários de drogas, atualmente a internação em clínicas ou Comunidades Terapêuticas (CTs) é vista como única esperança para sanar o problema de saúde pública causado pelo consumo de drogas, principalmente daquelas com maiores chances de dependência, como o crack.

No entanto, uma pesquisa na USP de Ribeirão Preto aponta que, diferente do que as instituições especializadas em internações desejam, boa parte desses locais reduzem as possibilidades de regeneração dos usuários ao retirar as perspectivas de reintegração ao convívio em sociedade.

Pesquisadora sobre o papel destas instituições como instrumento terapêutico, a psicóloga Mariane Capellato Melo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, constatou que a maioria dessas instituições vê e trata esses dependentes “somente como um desviante, alguém que precisa de prisão ou internação”. Desse modo, para essas clínicas de reabilitação; a única maneira de transformar o caráter dos indivíduos é pelo “isolamento, abstinência, religião e atividades laborais”. Outro agravante, segundo a pesquisadora, é que essas clínicas ou comunidades acabam por “excluir esse indivíduo da sociedade”.

Os estudos revelaram que muitas destas clínicas ou comunidades funcionam sob condições precárias e que não contemplam o potencial em individualidade dos internos. Além disso, a falta de profissionais capacitados gera agressões e maus tratos. Segundo Clarissa, muitas dessas situações são recorrentes porque a maioria das instituições funcionam sem o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT). A professora orienta às famílias investigarem com calma esses locais e, antes de decidir pela internação, lembrar que outras modalidades de atenção podem ser mais produtivas.

De acordo com a orientadora da pesquisa, a professora Clarissa Mendonça Corradi-Webster, o estereótipo de que os usuários são pessoas descontroladas, impulsivas e com problema de caráter faz com que “internalizem, acreditem nessa imagem, dificultando estratégias de convivência junto à família e de reinserção social”, afirma. Além disso, o longo período de isolamento social não fornece aos usuários recursos para lidarem com problemas do cotidiano, o que fatalmente resulta em seu retorno ao vício. Assim, as internações se tornam um ciclo vicioso, visto que são cada vez mais frequentes, contrariando, assim, recomendações para o trabalho em saúde mental.

Atendimento

As internações basicamente ocorrem em locais afastados, geralmente na Zona Rural, onde o usuário de drogas fica internado em um período de seis a nove meses, em abstinência completa. Nesses locais, os internos realizam desde atividades espirituais (orações e leitura de textos religiosos) até laborterapia (atividades domésticas e de campo, como lavar a louça, limpar o ambiente, cuidar da horta e do curral), além de constituir grupos de autoajuda com os monitores. Embora se sintam vulneráveis e contrariados com a internação, os ex-internos acreditam ser o único caminho e forma de cuidado possível para escapar da morte ou prisão.

O Sistema Único de Saúde (SUS) orienta que o atendimento em saúde deve ser organizado em redes. Na saúde mental, há a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para articular o cuidado desde a atenção básica, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), até os hospitais. O fator que mais fomenta a criação de clínicas/comunidades é a falta de investimentos, que torna os serviços públicos sobrecarregados e inviabiliza as redes de saúde. “Percebe-se então, que esses locais vêm tampando um buraco existente na rede de assistência pública. Em Ribeirão Preto, por exemplo, existe apenas um CAPS-AD”, afirma Mariane.

O fortalecimento das RAPS, segundo a professora, não se trata apenas de um problema de saúde, mas, também, de assistência social, de educação, de trabalho e de moradia, o que caracteriza o trabalho como intersetorial. Com esse estudo, as pesquisadoras consideraram “posicionamento ético” sobre a realidade de uma população “constantemente criminalizada pelos discursos dominantes, e também, de denúncia ao descaso e desamparo vivido pelos entrevistados. Podemos repensar o espaço que as internações têm na saúde”.


Foto: Pixabay

Compartilhar: